quarta-feira, dezembro 13, 2006

MERDOCK, VELHOS TEMPOS

Às vezes ponho-me em sossego a recordar e penso
atrás, próximo de cinquenta e tais anos de distância.
Circulando pela memória de repente salto e venço
o tempo, regressando às coisas bonitas na infância
feitas e que, distraídos, não demos importância
naquele tempo de medo surdo-mudo, oculto e tenso,
imposto ao povo que o carregava na alma a toque
de caixa, e jovens gritavam"liberdade pró Merdock".

Era um cão desmazelado, pelo amarelo sujo, vadio,
pele-e-osso, meio-grande, orelhas partidas, rafeiro
perdido na cidade, que apareceu muitos dias a fio
à porta do liceu, e muitos estudantes, primeiro
brincam com ele aos poucos, depois a tempo inteiro
cada vez mais amigos, com sobras matam o fastio
do cão, e por fim não deixam que alguem o enxote
ou maltrate, tornando-se por adopção sua mascote.

Naquele tempo não havia liga de defesa de qualquer bicho,
mas havia a carroça dos cães e homens de cotim, com laços
compridos, para caçar os sem dono que andavam no lixo.
E um dia, caçaram o Merdock e lavaran-no para os paços
do canil, contra os estudantes, que logo reuniram os escassos
dinheiros para pagar a multa, e cheios de brio e capricho,
dirigiram-se ao canil municipal, em jeito de manifestação
pelas ruas principais da cidade, para libertar Merdock, o cão.

O caso foi falado por toda a cidade e no liceu, penso,
onde mandavam os homens do regime, os reitores
cara de ferro, tendo à frente o zeloso e sisudo Ascenso,
vigilante dos profes duvidosos, possíveis opositores.
As opiniões dividiram-se na sala dos professores,
pois julgava-se que não seria preciso haver consenso,
acerca da iniciativa estudantil de tão prosaica medida,
mas a gente da situação viu no caso, coisa escondida.

E tanto assim foi que, passado um mês e poucos dias
o Merdock, apanhado de novo, foi enviado pró canil
em clara demonstração de poder e força, às rebeldias
dos estudantes que, perante a evidente actitude hostil,
voltaram a desfilar em manif, (desobediência civil),
com cartazes e bandeiras pretas (autênticas heresias
políticas). Chamados perante as pequenas majestades
locais, ficaram sob nacional ameaça de pidescas grades.

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1 Comments:

Blogger HFR said...

Quando fui viver para Faro, uma das histórias que ouvi foi a do Merdock. Há cerca de um ano o Vitor Picanço falou-me de uma homengem que iriam fazer ao Merdock, passados estes 50 anos.
Continua, amigo, agora todos os dias um post.

1:20 da tarde  

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