quarta-feira, março 13, 2024

A PROPÓSITO DA POESIA POPULAR

Nestes últimos anos tenho tido algum regular contacto com os poetas populares da Freguesia rural de Faro, Santa Bárbara de Nexe, minha terra natal e onde, há uns anos, sou um regressado às origens. Especialmente tenho feito, aqui no blogue, algumas análises específicas acerca dos poetas populares Francisco Dias Bexiga, O "Chico Bexiga" já falecido e homenageado pela Freguesia e Ricardino Pinto Bexiga, ainda vivo, e entusiasmadamente a escrever e publicar poesia que me dá a conhecer particularmente.

Agora, neste livro "A Caminhada da Vida" do Ildo Cavaco Guerreiro, um gorjonense do meu tempo que vive desde casado em São Brás do Alportel, foi-me solicitada uma apreciação escrita acerca da poesia deste novel poeta popular que, com apenas estudos da 4ª Classe feitos na antiga Escola Primária dos Gorjões, se inicia na poesia dita popular como poeta aos oitenta anos de idade. 

Uma vez que me tenho visto envolvido na apreciação de livros e manuscritos de poesia popular comecei a perguntar-me; afinal, o que é a poesia popular? Porquê popular?

Não é popular, certamente, por ser lida, conhecida ou falada e popularizada por entre os portugueses, pouco escolarizados, que são a grande maioria a que chamam de, o povo. Isto é, não é popular por estar escolarizada, introduzida e discutida ou sequer andar na "boca do povo". Logo, ao contrário do que o conceito de "poesia popular" nos parece indicar, esta é, tão só, assim chamada em contraponto e diferenciação da qualificada, dita poesia "erudita". Esta é, sempre, a poesia feita pelos estudiosos dela para estudo futuro de novos estudiosos e assim, sucessivamente, pela posteridade afora. A outra, a "popular" é, também sempre, aquela restrita ao povo de sua aldeia ou freguesia feita por "analfabetos poéticos", com "veia", "queda" ou "jeito" para fazer rimas e versar. O poeta erudito escreve para o país e o mundo enquanto o poeta popular escreve para os amigos e vizinhos.

Serão "analfabetos poéticos" porque não leem e muito menos se dedicam ao estudo da poesia desde as origens nos povos que, primeiramente, instituíram uma escrita religiosa em verso, nem os fundamentais poetas clássicos gregos e romanos, nem os grandes poetas que, sucessivamente, depois dos romanos surgiram na Europa após a Idade Média, com o Renascimento.

O poeta erudito será aquele que tem como precedentes toda uma história de estudo da poesia desde a sua origem até à atualidade e a partir desse conhecimento adequado tenta inovar criando novas formas poéticas formatadas à realidade temporal existente ou, pela idealização poética, criar realidades mentais subjetivas, normalmente de cariz esotérico, que necessitam de interpretação. O poeta popular é aquele que tem como precedentes para seu exemplo, leitura ou estudo, tão somente, outros poetas populares conhecidos da sua área residencial ou próxima e a sua mensagem é direta, linear pouco metafórica e nunca esotérica. 

Quer isto dizer que o poeta popular é sempre um homem sem qualidades e, ao contrário, o poeta erudito é sempre um homem de qualidades? Não, nada disso. Um homem inteligente e filósofo sofista grego da era clássica, Protágoras, disse que «o homem é a medida de todas coisas» mas, pode um homem não inteligente medir o inteligente? Pode um homem sem qualidades medir o homem de qualidades? Não, nada disso. Inteligência, capacidades, qualidades, imaginação, idealização não são valores mensuráveis; são inatos e não adquiridos, "não se compram nem se vendem, nascem e morrem com a gente" como disse o poeta António Aleixo. Assim, entende-se que tanto o homem popular como o homem erudito podem ser de qualidades e inteligências inatas idênticas, semelhantes ou apenas diferentes.

Desde logo fica subentendido que o que distingue o poeta popular do erudito é, precisamente a erudição, o conhecimento, em geral e em especial, aquele adquirido pelo estudo dedicado à poesia desde os primeiros precedentes à atualidade. A erudição faz que o homem erudito se interrogue sobre a essência das coisas, olhe para as coisas e desconfie que vê apenas a aparência dessas coisas e, então, procura conhecer qual a realidade escondida sob as aparências, interroga-se qual o verdadeiro sentido das coisas serem o que são e não serem outra coisa, espanta-se perante a desordem organizada do que existe e torna-se pensativo e faz-se pensador. O pensador fez-se profeta, filósofo, cientista e também poeta. Todos, sempre, na procura incessante de descobrir os mistérios escondidos nas coisas, da existência e, sobretudo, do sentido da vida e morte do ser humano. O erudito idealiza várias realidades virtuais ou transcendentais, para além daquela em que existe e, para cada uma delas, cria uma personagem com as quais se cruza e faz intercâmbio poético entre os diferentes carácteres criados.                                                                                                  

Ao contrário, o não erudito, serve-se apenas dos seus sentidos e o que vê e o rodeia são, para si, a realidade única que existe. O poeta popular dialoga apenas com as memórias de sua experiência de vida, retirada de sua dureza de trabalhador rural, operário, maquinista, distribuidor de gás, servente abre-valas, peixeiro, padeiro, cauteleiro, pastor, etc. Os sentimentos e mensagens que fazem a sua poesia são inspiradas no duro trabalho físico diário, das fatalidades que lhe desgraçaram a vida, do isolamento e solidão social que levam o poeta para os "copos" e, muitas vezes, ao farrapo humano em que se tornou e serve de chacota à soberba de novos-ricos imbecis.                                                                                       

O poeta popular nunca é um fingidor que até "finge que é dor a dor que deveras sente". É sempre ele próprio e nunca um outro que finge. Ele é único e usa sempre a palavra, pensamento, julgamento, apreciação ou depreciação que é seu e não o de alguém, outrem, seu sósia. É sempre ele próprio e o mesmo e nunca um outro que finge. O poeta popular, ao contrário do erudito, nunca tem um outro dentro de si que deseje expulsar porque é o seu lado mau e o incomoda ou conservar porque lhe serve usar como duplo poético; o poeta popular nunca se divide noutros, nunca poderia inventar heterónimos.

Contudo, quase sempre, os dois tipos de poeta, quer o erudito quer o popular, têm em comum a necessidade recorrente de recriarem em si próprios estados mentais alterados relativamente ao seu estado mental equilibrado normal. Há neles, vulgarmente, uma tendência em meter-se por alguma via dionisíaca de modo a atingir estados mentais excepcionais, visionários, de sonhos e pesadelos, estados gnósticos transcendentais ou místicos esotéricos na tentativa de atingir e apreender conhecimentos do que está no outro lado da existência humana, na procura de conhecer o que é uma espiritualidade pura, algumas vezes e outras na procura de tentar explicar espiritualidades como o amor de perdição, os feitos heroicos, o sebastianismo, a saudade, o quinto império, o bem e o mal, a matéria e o espírito.

Claro, a procura de um tal estado mental alterado dionisíaco é mais vulgar no poeta erudito que conhece melhor, pelo estudo de grandes poetas precedentes, os meios de como obter tais estados de mente perturbados de modo a obter visões poéticas existenciais. É comum a ambos o recurso fácil ao modelo dionisíaco mas é no poeta popular, muitas vezes, a própria experiência duma dureza e pobreza extrema de vida que o conduz à revolta expressa sob a forma poética muito pessoal; o poeta popular canta sempre os seus próprios estados de alma nascidos das duras circunstâncias da sua vida enquanto o poeta erudito além de  cantar, igualmente, as suas próprias amarguras e sentimentos delas derivados pode dedicar-se, e fá-lo normalmente, a cantar as dores e males sociais da época ou históricas assim como histórias de outros homens célebres ou novas interpretações acerca de velhos factos históricos à luz da sua visão e imaginação poética.

A massa de que é feito quer o poeta popular quer o erudito é a mesma; uma sensibilidade apurada face aos homens e circunstâncias à volta e arredores de suas vivências pessoais. Contudo os arredores do poeta popular é a sua aldeia ou vila onde aprendeu a ler e escrever o nome ou é analfabeto e onde trabalha ou mendiga o seu sustento e, dessa dolorosa pobre ou miserável vivência social retira a matéria prima de que impregna a sua poesia de exemplos, queixumes ou de sátira social; não está ao seu alcance idealizar uma poesia rica de subtilezas metafísicas ou cantar uma epopeia de um povo ou conceber um poema dramático com sentido transcendente acerca de um acontecimento histórico misterioso.

Podemos dizer que o valor artificial poético de ambos os poetas, o "popular" e o "erudito", se equivalem na medida em que se dirigem a públicos diferentes com leituras de níveis de exigência poética igualmente equivalente; quero dizer, a qualidade poética entre ambos será necessariamente diferente, contudo, as suas capacidades imanentes para a concepção poética podem igualar-se.

Etiquetas:

terça-feira, março 12, 2024

CARNAVAL LOULÉ 2024

terça-feira, fevereiro 13, 2024

CARNAVAL DOS GORJÕES 2024

Etiquetas: ,

quarta-feira, janeiro 31, 2024

JANEIRAS EM SARNADAS 2024, ALTE

Etiquetas: ,

segunda-feira, janeiro 29, 2024

O ÓDIO A SÓCRATES


O ódio a Sócrates é o ódio do passado ao futuro. O ódio a Sócrates carrega o mesmo ódio de há 2500 anos suportado pelo Sócrates e Péricles gregos, os quais, um foi condenado à morte e o outro a prisão ambos acusados de corrupção, moral um e venal o outro. O mesmo ódio acumulado nos ostentatoriamente grandiosos palácios e castelos pela nobreza da Idade Média que mantiveram o passado a ferro e fogo até à Revolução Francesa. O mesmo ódio que o passado, após o Renascimento, impôs à ciência desde o séc. XVI a partir de Copérnico até Galileu no séc. XVII e que teve reminiscências na Europa como em Espanha com Franco e em Portugal ond subsistiu sob a censura e força da Pide durante todo o regime salazarista.
Esse ódio do passado ao futuro renasce sempre contra alguém que acomete contra a quietude e confortos estabelecidos possidentes. O nosso Sócrates era um visionário e um homem assim não pode ser medido pela trivialidade rasteira dos medíocres que pululam no interior da existência humana. Nele, ao contrário dos calculistas que pensam os outros por si, nunca foi visível ou sequer existiu qualquer momento de calculismo ao avançar determinado e ciente do que pretendia para o país. Trazia consigo uma utopia própria para fazer sair Portugal da modorra e estagnação de séculos, apesar de saber que o país é pequeno e pobre de bens naturais. Animava-o a força de uma utopia para Portugal e estava disposto a meter mãos à obra mesmo com os meios limitados de que dispunha. E para isso juntou a si um dos maiores cérebros do país, Mariano Gago, como ministro da ciência e tecnologia e estabeleceu um programa ambicioso de projetos na área das ciências da tecnologia e inovação como nunca fora visto.
Ainda hoje, quase tudo o que se vai fazendo ou discute como necessidades do país, faziam parte do seu entusiástico e ambicioso plano possível para desenvolvimento de Portugal.
Os corruptos medíocres a soldo do passado antigo e do mais recente salazarismo, sempre agarrados aos poderes pessoais adquiridos e estabelecidos, impotentes de o travar politicamente, usaram, de forma democraticamente corrupta, um dos pilares do poder democrático não só para o derrubarem como para o destruírem pelo julgamento, publicitário ininterrupto, na praça pública induzindo na mente do pagode ignorante tratar-se de corrupção o que era um carácter obstinado na defesa do progresso em Portugal.
Claro, um tal homem, jamais pode ser julgado por homenzinhos ou homúnculos como aquele que está na foto ao fundo acompanhado de outros iguais ou semelhantes e todos rodeados de prazeres de mesa farta e estantes de garrafas do fino para saborear vitórias pírricas deles e derrotas históricas de Portugal.
O verdadeiro julgamento ainda não foi pronunciado mas já é previsível e pronunciável; passarão todos à história como cavacoisos.

Etiquetas:

quarta-feira, janeiro 24, 2024

QUANDO AS "CHAROLAS" ERAM JANEIRAS

QUANDO AS "CHAROLAS" ERAM JANEIRAS

Quando as ''charolas'' eram janeiras

de pranto e canto ás verdadeiras

tradições milenares tardias

era seu maneirismo o serem vadias

à imagem anti-estilo de J.Contreiras.


Quando as ''charolas" eram janeiras

as noites duras eram ligeiras

para moços atrás dos foguetes

pelos caminhos atrás de banquetes

na rota das moças bonitas solteiras.


Quando as ''charolas'' eram janeiras

os dias eram festa, não canseiras.

Cantava-se à porta a ode ao senhorio 

suspirando entrada e abrigo do frio

p’ró banquete de farturas caseiras.


Quando as "charolas" eram janeiras

vento, chuva, frio eram feiras

de alegrias, corridas de carrossel,

sonhos de amores, beijos a granel,

desejos trepavam muros,"escaleiras".

 

Trepavam janelas, telhados, traseiras,

tudo trepava o fogo das braseiras

incendiadas em nosso ser de moços

iniciados, eram tempos esboços

adolescentes, amores de brincadeiras.


O que foram janeiras são hoje chavões,

charoladas de músicas de acordeões

estilosas que ocultam o sentido crítico

original, a banalização do tempo mítico

de idos pagãos sob capa dita; tradições.

Etiquetas:

sábado, janeiro 20, 2024

CHAROLAS BORDEIRA 2024

 

Etiquetas: ,