segunda-feira, abril 21, 2008

O AMANTE JAPONÊS


OBRA AO RITMO DO MOTOR E DO CORPO

A nossa amiga comum Eduarda Chiote já me avisara que iria receber o livro enviado directamente pela amizade do próprio Armando Silva Carvalho a mim e à Délia especialmente. Pois recebi-o sexta dia 18 e estive estes dois dias a ler e reler na tentativa de entender a sua linha mestra de pensamento guia desta obra não menor desde poeta grande.
É evidente que todo este pensamento poético viaja
por dentro deste carro de origem japonêsa, com imensa doçura transformado em companheiro cumplice e amante japonês de aventura de vida. Este amante japonês lógico, mecânico das quatro rodas já usadas, é para o poeta, já não o seu meio de transporte individual e indiferente, mas sim a sua casa que se move, e a sua cama que se despe de lençol em lençol, ele é já tão íntimo do poeta que as suas relações já se assemelham a um casamento obsceno. Esta viatura, que transporta o passado do poeta dos tempos amargos ou felizes do olhar contemplativo e da guerra do amor em tempos de caça por Monsanto e Meco, tranfigura-se na mente em memória viva materializada em escrita como obra ao ritmo do motor e do corpo do próprio poeta. Não é grátis o facto de que neste carro ao lado, no lugar do morto , viaja a pasta do Pessoa-Campos, mas também ao lado, no lugar do amor, viaja a consciência.
O carro, o corpo e a memória destes, formam a trindade que se transforma una neste livro. Cada poema é um cadinho de passado vivido feito da mistura sentimental dos três elementos. Até ao poema a William Blake(o Sade britânico, segundo Camille Paglia), são cantadas mais as alegrias de
ver correr os leões na perseguição de uma copiosa promessa de banquetes. Depois o poeta sente já no corpo a falta de viço e robustez na carne para voltar às alegrias de antes visto que os poemas morrem ou são assassinados no ventre dos poetas. Ainda revisita Monsanto não para subir e caçar mas tão somente para fazer a sua descida e observar a cidade, à noite, em baixo e ao fundo dormindo. O mecanismo dos corpos gerado pela energia da idade vigorosa ou os bruscos relâmpagos de amor que tinham à sua espera a prontidão dos músculos, todo esse movimento que a memória recolheu eleva-se agora à condição de coisa mental, isto é, coisa da memória.
O poeta inclui-se, por fim, já entre
os velhos modelos da carne emocionada, e repudia estar entre os novos e futuros velhos feitos de peças insensíveis transplantadas. Estes são inábeis criaturas que não sabem já morrer, nem são capazes de rir com as palavras geradas entre o peso do sangue e do prazer. Sente que mais ano menos dia terá a meninges gastas e os circuitos fechados mas quer viver essa emoção até ao fim.

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