segunda-feira, junho 08, 2020

DA VONTADE DA NATUREZA E DA VONTADE DO HOMEM



“Como se a Natureza tivesse uma vontade”.

Num dos últimos governo-sombra o inteligente poeta, crítico de literatura e conselheiro presidencial Pedro Mexia quis fazer passar por crédulos ou estúpidos aqueles que incluem o caso covid 19 (e outros casos maiores de origem natural e do tipo ameaças ambientais contra a vida humana) como mais um problema do grande problema ambiental geral do planeta poluído, insolado, destemperado, atacado, devastado, devassado e mui mal tratado a caminho da impossível habitabilidade dele pelos seres vivos. 
E argumentava superior e filosoficamente aos muitos crédulos ou palermas que ligam esses factos, tão violentos ou subtis mas todos altamente perigosos e danosos para a vida dos viventes, a uma resposta de revolta da Natureza contra a sua devassa, afirmando categórico; “Como se a Natureza tivesse uma vontade”.

A declaração de Mexia não contém qualquer valor de verdade de modo a torná-la verdadeira pelo que, mediante a dúvida céptica carteseana, melhor será tomá-la, em princípio, como falsa.
Tanto mais que as leis fisico-matemáticas, prova de verdade científica, pressupõem uma ordem das coisas e, em particular, de uma ordem estabelecida rigorosamente pela Natureza. Se esta não fosse um cosmos mas sim um caos não haveria lugar para a pesquisa científica: logo a Natureza é una.
A ciência diz-nos que a Natureza é uma totalidade cósmica e a opinião de Mexia pressupõe o homem fora da Natureza; existiria assim uma natureza para o homem com vontade e outra para o resto do cosmos sem vontade. 
As leis científicas provam e refutam inteiramente tal dualidade ou multiplicidade de naturezas segundo as qualidades de cada coisa e é, precisamente, nessa falsa distinção que está o erro de Mexia.
No fundo este pretende medir-se a si próprio, como homem animal racional pensante da Natureza, com a própria Natureza cósmica indefinida e incomensurável de que ele, qual micróbio no cosmos, não tem a mínima capacidade ou perspectiva para poder analisar e muito menos tecer juízos ou opinar comentários jocosos e, portanto, daquilo que não se sabe, e não se pode dizer, mais vale estar calado.    

Claro, a Natureza não tem uma "Vontade" filosófica no sentido de um poder da vontade humana segundo Schopenhauer, contudo um poder tem e tão sem medida, tão incomensurável, que nos aparenta a ilusão de que não existe ou, tal como o Sol parece existir à nossa volta e não ao contrário, assim estamos nós relativamente à Natureza, donde, uma certeza podemos afirmar; é a Natureza que nos envolve e circunscreve e não ao contrário; é a Natureza global que ordena e governa segundo leis científicas universais o macrocosmos no qual se inclui o planeta Terra e todo o tipo de vida que nela existe; é a Natureza que nos impõe "necessidades", "acasos" e "determinismos" para os quais, apesar do grande desenvolvimento da ciência humana, apesar de toda a capacidade de pensar e vontade do homem, apesar de sua liberdade e livre-arbítrio, o homem não tem hipótese de escapadela possível.
É a Natureza que em última análise dotou o homem de suas capacidades físicas e intelectuais entre as quais sobresaiem o pensamento e a vontade e até a vontade de ultrapassar o inteligível, como é o caso de Mexia.
O próprio progresso da ciência e leis dependentes umas das outras mostra que as suas inter-relações não são acidentais, mas sim orgânicas. 
O argumento de Mexia é, uma falácia de alguém crente e presumido supramacista humano que pensa que o homem é a medida e o centro do universo e, portanto, da Natureza e não o contrário.

Mexia, ao expressar-se como o fez coloca a vontade do homem como o poder mais elevado e acima da Natureza, o poder supremo.
Desse modo, ele, usando do seu poder acima de tudo, poderia dar-se ao gozo de atirar-se de um precipício abaixo e, usando da sua vontade poderosa, contrariar a lei da gravidade.  
Se a Natureza não tem Vontade e Mexia tem vontade e força de vontade quanto baste porquê Mexia não subsiste à falta de ar, água, Sol ou alimentos?
Porquê Mexia não voa como os pássaros, não luta com um leão ou tem medo de uma lagartixa e não usa a sua vontade para superar tudo isso em que é fraco?

Pois é, Platão foi dos primeiros a ter esse pressentimento de que havia algo nas coisas que as fazia ser como eram porque isso era o melhor para as coisas. Foi ele que, tal como havia uma força cósmica que governava o universo e todas as coisas do mundo e as ordenava organicamente, pressentiu haver em cada e todas as coisas um microcosmos que as governava independentemente da mão ou da vontade do homem.
Uns chamaram-lhe Deus, outros o Buda, o Acaso, a Vontade, o Super-Homem, o Grande Relojoeiro, etc. Platão, como é claro no mito de ER, chamou-lhe a “Necessidade”.

Etiquetas: