quinta-feira, abril 25, 2024

ONDE ESTAVAS TU NO DIA 25 DE ABRIL DE 1974?

 

 

Na madrugada quando se deu o 25 de Abril de 1974 já tinha ultrapassado os trinta anos de idade e estava deitado a descansar do dia de trabalho anterior. Trabalhava em Lisboa na Efacec na Rua Rodrigo da Fonseca, próximo do Hotel Ritz e do Rádio Clube Português e morava em Queluz onde tinha comprado casa no Monte Abraão.                                                                                                                              Cerca das 07h15 da manhã toca o telefone e um colega e amigo, que já tinha sido alertado por outro seu colega e amigo, muito excitado me informa; - pá! não saias de casa, não venhas para Lisboa que está cercada por militares que não deixam entrar ninguém na cidade; ouve a rádio, o Rádio Clube Português que está a transmitir comunicados à população sobre a revolta dos militares e pedem para todos ficarem em suas casas -. Cerca das 07h30 tentei ligar para o meu irmão mais velho que vivia em Lisboa e já não havia telefones, os CTT-TLP, tal como a TV e todas as estações de Rádio, tinham sido ocupadas e silenciadas pelos militares revoltados contra o regime. Pensei que, pelo visto, a batalha da informação já tinha sido ganha pelos militares revoltosos.

Claro, a partir dessa hora, também o resto da população do país estava a ser informada dos acontecimentos, e já ninguém dormia, pelo que se via na vizinhança, onde as luzes das janelas se acendiam umas a seguir às outra e os moradores começavam a vir para as varandas como que a querer "escutar" algum som de guerra especialmente aqueles que, como no meu caso especial, já tinham feito a Guerra Colonial.

Os comunicados do MFA eram animadores e, realmente, anunciavam um contínuo de tomadas de controlo de posições chave sem oposição. Tudo indicava que o regime caía aos bocados de podre sem apoios e incapazes, sequer, de enfrentar as tropas rebeldes quanto mais detê-las ou vencê-las. Para mais, dado a insistência dos comunicados do MFA em pedir às populações que não se dirigissem à cidade nem se juntassem às colunas militares, tudo indicava que o povo de Lisboa aderira espontaneamente à revolta apoiando, como importante segunda linha, as tropas revoltosas.

Por volta das 10h00 da manhã em Queluz também já se ouviam cantos e grupos de gente com bandeiras no ar. O povo começara a vir para a rua e comentava alto com sorrisos e vivas à liberdade. Uma vontade crescente começara a alimentar a ideia de ir ver a Revolução onde ela estava a acontecer, no centro histórico de Lisboa. Falei com a mulher acerca de que devíamos ir ver a Revolução ao vivo e ela ficou surpreendida pois a rádio aconselhava o contrário. Contudo o povo na rua em Queluz engrossava e as notícias do RCP eram cada vez mais entusiasmantes.

Por volta das 11h00 acabámos mesmo por montarmo-nos no Escort e fomos para Lisboa. Chegados ao Alto das Amoreiras uma barragem de militares do MFA não nos deixou passar. Do Alto das Amoreiras víamos e ouvíamos grupos de gente, cantando e envergando bandeiras, atravessando o Marquês de Pombal em direção à Baixa. Agora, voltar atrás era imperdoável; descobrimos um buraco-lugar para deixar o carro. A pé, descemos pelo jardim das Amoreiras até ao Rato e daqui dirigímo-nos para Avª. da Liberdade que descemos com um enorme grupo de gente entusiasmada que dava vivas à liberdade e agitava bandeiras diversas. A Avenida estava já tomada por grupos como o nosso que descia para o Terreiro do Paço onde o Capitão Salgueiro Maia começara a tomar conta dos diversos ministérios, especialmente, o Ministério da Defesa e tinha tido alguma confrontação com militares situacionistas que se renderam e juntaram aos revoltosos.

Quando chegámos ao Terreiro do Paço o grosso das tropas de Salgueiro Maia com os carros de combate de tipo AM45, Paton, minha especialidade quando fiz o serviço militar em 1960/61 em Santarém e depois em Stª. Margarida, já se tinha deslocado para o Largo do Carmo onde o 1ºM Marcelo Caetano se tinha refugiado no Quartel do Comando da GNR. A multidão de populares que enchiam o Terreiro do Paço e percorriam as ruas circundantes em correrias deslocavam-se, agora, para o Largo do Carmo, e nós também. Pelo caminho algumas mulheres com um braçado de cravos ao colo ofereciam-os aos populares que passavam em passo apressado ou a correr. Assim, o cravo, tornou-se bandeira hasteada ao alto nos braços do povo e no cano das espingardas dos militares tornando-se, assim, símbolo da Revolução.

No Largo do Carmo as tropas do Capitão Salgueiro Maia estavam estacionadas frente ao Quartel do Carmo. Tinha acabado de se dar o confronto, frente a frente, entre a coluna do Regimento de Cavalaria 7, apoiantes do regime, e a coluna da Escola Prática de Cavalaria, ao serviço dos revoltosos, vinda de Santarém e comandada por Salgueiro Maia. Não houvera fogo mas uma dura parlamentação entre as partes e até ordens de fogo dadas às tropas dos apoiantes marcelistas mas, os militares milicianos recusaram-se a disparar o que obrigou as forças do regime a dar meia volta e recolher ao quartel.

Todos os objectivos propostos tomar pelo MFA tinham sido concretizados e, além de uma posição dúbia acerca de uma fragata posicionada no Tejo frente ao Terreiro do Paço, a questão militar estava resolvida. Salgueiro Maia, frente ao quartel do Carmo, ao megafone, gritava pela rendição dos GNR e abertura dos portões do quartel ou abri-los-ia à bomba. Após uns disparos para a frontaria do quartel um oficial GNR apareceu a comunicar que Marcelo Caetano propunha-se entregar o poder ao General António Spínola afim de que o "poder não caísse na rua". Marcelo desconhecia totalmente a admirável organização e disciplina militar feita, não de RDM, mas de companheirismo e fraternidade entre os jovens capitães que fora a constituição do MFA na clandestinidade.       

Consultado o Posto de Comando dos revoltosos, no Quartel da Pontinha, os Capitães de Abril maiores responsáveis pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), concordaram com a solução proposta e comunicaram-na a Salgueiro Maia que a transmitiu ao comando do Quartel do Carmo. Foi uma espera longa até que uma "chaimite" blindada com o General Spínola entrou pelas traseiras do Quartel do Carmo por entre uma multidão de populares aos "vivas à liberdade" e, após a assinatura de rendição, saiu levando dentro o Marcelo Caetano que seria depois enviado para a Madeira e, de seguida, para o Brasil.

Quando a multidão de gente saía do Carmo surgiu um grupo de populares a gritar que os "pides", refugiados na sede na Rua António Maria Cardoso, ali perto ao Chiado, haviam disparado das janelas sobre a multidão postada na rua em frente e feito mortos e feridos. Foi uma correria louca para a sede da polícia política e perante o engrossar da multidão a querer derrubar os portões os pides refugiaram-se no interior. Esta situação durou muito tempo até surgir um corpo de marinheiros fuzileiros que derrubaram   portões, prenderam os pides e ocuparam o edifício.                                                                                         Alguns pides conseguiram fugir por portas esconsas meio secretas. Talvez tenha sido esta a única falha do MFA e que, anos depois, já em democracia voltaria a ser caso político com a condecoração de pides, pelo governo democrático, em detrimento do maior herói da Revolução, o Capitão Salgueiro Maia.

Hoje, passados 50 anos 50, os democratas inconscientes ou distraídos protestam incessantemente pelo que falta fazer ignorando que a Democracia é um ideal sempre inalcançável, pelo que, o que falta fazer nunca acaba.  

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