quinta-feira, abril 24, 2008

CARTA A UM AMIGO CRENTE

Exacto, o homem é diferente do resto dos animais pela sua capacidade de pensar, pela sua capacidade de memória, e com estes materiais (imateriais), armazenados e vindos ao intelecto do homem, este racionaliza os sentimentos e os actos de sua existência. Diria mesmo que racionaliza o seu próprio pensamento (A tentativa de provar racionalmente a existência de Deus ao longo do tempo, desde os escolásticos, é bem a prova disso). Penso que é a esta soma de capacidades que chamas o espírito do homem. Aceito esse espírito, contudo sinto que esse espírito está encerrado, encurralado, num corpo de carne e necessidades, que esse espírito não está acima ou fora da existência física humana. Esse espírito não paira fora ou por sobre a condição humana, pelo contrário esta incluido nela. O mal só existe por oposição, confrontação, com o bem e vice-versa, e a nossa capacidade de sentir dor ou alegria está mais ligada ao corpo do que ao espírito: sou incapaz de sentir dor a partir do puro uso do espírito, não sinto dor de per si pela morte do ente querido mas pelo desaparecimento físico desse ente, não sinto dor ou alegria pelo amor de per si mas pelo sentimento de satisfação ou não de um desejo poderoso, carnal, que está implacável e geneticamente na massa humana.

O nosso apego ao material não é mais que o apego do nosso corpo à terra, é a impossibilidade de fugir à imperiosa necessidade da nossa original ligação à terra, pois só dela e nela podemos existir e subsistir. É sobre a terra e sua natureza que tudo se passa e é a partir das relações dela com ela (entre nós próprios), dela connosco e vice-versa que nós produzimos dor, alegria, felicidade, amor, ódio, e todos os sentimentos e emoções, que mesmo quando nos advêem por via do espírito, as sentimos pela afectação do corpo. Devido à nossa ctónica natureza não temos hipótese de fugir ao apego do material tal como devido ao desenvolvimento da capacidade de pensar e racionalizar o material, não podemos fugir à nossa consciência. Daí a longa luta de pensamento, desde que há pensamento racionalizado, emtre materialistas e metafísicos para saber se é a existência que determina a consciência ou a consciência que determina a existência.

Dizes que a vida eterna são as nossa memórias terrenas, mas que depois da morte apenas perduram as espirituais. Explico atrás que penso que todas as quetões espirituais não pairam fora do corpo, pelo contrário penso que estão inalienavelmente a ele ligadas por herança genética, logo com o regresso do corpo à terra desaparecem quer memórias terrenas quer espirituais. As nossas memórias terrenas serão eternas enquanto vivas num corpo vivo, penso. Da tua carta ainda deduzo que crês sinceramente na exiência de Deus mas não na Igreja porque esta é feita de homens. Um pensamento próprio dum crente que vê na idéia moral de Deus a perfeição e na observação da luta diária dos homens pela subsistência, a imperfeição.
Falas das utopias sociais que puxam o homem para as questões materiais e assim nunca será possível haver um mundo justo. Nunca houve nem haverá um mundo justo no sentido religioso para além do mundo igualitário e justo dos mortos. A idéia e busca da perfeição de Deus, essa sim é a grande utopia do homem.

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