GORJEIOS IV
O PATEGUISMO
Dizia eu no texto publicado “Crónicas Ligadas”, que o abandono do campo por parte dos nossos edis responsáveis se devia a uma cultura patega.
Queria agora desenvolver este tema para explicar qual a mentalidade que racionaliza esse tipo de cultura e depois se exterioriza na forma do pateguismo. Em primeiro lugar a mentalidade da cultura patega é filha da obscura instrução e prática censória autoritária do salazarismo ao longo de muitos anos. Em segundo lugar deve-se ao rompimento abrupto dessa prática, imposta à força e medo, com o 25 de Abril. Em terceiro lugar o vazio criado por essa ruptura brusca abriu portas à ascensão rápida e pertinaz dos pequenos doutores formados no quadro de valores do salazarismo.
A ditadura do Estado Novo, como todas as ditaduras, criou uma bipolarização entre os a favor e os contra. A favor eram todos os que, mais ou menos, beneficiavam com o estado das coisas e daí serem situacionistas. Do contra eram todos os outros, apelidados de comunistas, mas que englobava gente de todos os matizes ideológicos: comunistas puros e duros, amigos da liberdade pela liberdade, e amigos da oportunidade.
Estes últimos, moldados na instrução escolar vigente para senhores entre serventes, no vazio pós 25 de Abril enfiaram-se rapidamente e em força, pelos centros de controlo mais próximos da tomada do poder. Tomaram posições, reposições e reajustamentos de acordo e à medida que o poder se ia estabilizando. Batida a vaga comunista pura e dura pelos amigos da liberdade como bem maior, introduziram-se pelos lugares secundários de 2ª, 3ª, 4ª e 5ª ordem do poder democrático instituído. Entre estes lugares conta-se o poder autárquico, o qual é disputadíssimo pelo crescente aumento de verbas, lugares e acessos de que dispõe e distribui. Alguns anos passados e já os tais ocupavam de alto a baixo, maioritariamente, quase todos os escalões do poder e usaram-no, mais ou menos, dentro do formato mental transmitido pela mesquinha e atrasada ordem salazarenta.
A instrução escolar elitista ideologicamente dirigida ao senhor doutor para mandar e ao povo rude da 3ª classe para ser obediente, amassou o barro humano que iria ser trabalhado e moldado sob as novas bandeiras da liberdade. Mas o barro humano fora amassado pelos métodos antigos e os meios, processos de trabalho, hábitos e costumes dos agora doutores ceramistas livres, eram forçosamente os mesmos de antigamente dado, à altura, não conhecerem outros. Contudo, sentindo-se liberto de entraves políticos e morais repressivamente impostos, o ceramista tosco, julgou-se um verdadeiro artista e autoridade na arte de moldar a cidadania do povo.
Neste cadinho, o barro pobre mal amassado, o ceramista tosco feito autoridade, a retórica progressista, a liberdade acrítica, tudo caldeado com pósinhos oportunistas, gerou-se a massa critica mãe da cultura patega. A tal que deixou invadir os centros históricos de vilas e cidades por altas e grossas pateguices arquitectónicas, que tapou os buracos disponíveis das cidades e vilas com pateguices arquitectónicas de pedreiro, que rodeou vilas e cidades com pateguices de caixotes repetidos e repetidos para dormitórios sem vida como arrumos de gente respeitadora, que leva as pateguices de cidade para cima duma língua instável de dunas de areia para se apropriar do mar, que enxota os moradores dos centros históricos ao transformar ruas em passeios que depois não têm passeantes, que fazem e refazem sem cessar pavimentos de ruas, passeios, largos, jardins, fontes, estacionamentos, que se relaciona preferencialmente com construtores civis e tertúlias de futebol.
A mentalidade que promove pateguices em série só pode ser filha duma estruturação cultural patega. Claro, a mentalidade patega nunca se vê ou reconhece como tal e serve-se da esperteza, poder e mando para obter algum reconhecimento entre pares. Mas o pior da mentalidade patega é ver-se e pensar-se como autoridade ideológica, moral, estética, dos costumes, etc., e tomar, quem não se enquadra nos seus padrões, como pategos. Para a mentalidade patega, habituada à linguagem corrupta dos negócios, as pessoas honestas simples do campo, sem instrução nem exigências finas, directos sem subentendidas subtilezas linguísticas são, sob o seu posicionamento invertido dos valores, tomadas como gente inferior com cidadania de 5º ordem. Pelo processo mental do patego cultural a rudeza e apresentação fora dos modos citadinos, é sinal de menoridade intelectual e inferioridade social, e como tal merecedor de pouca atenção.
O pateguismo transforma os sinais exteriores de apresentação e representação, próprios de sua etnografia camponesa, num preconceito carregado de juízos de valor diminutivos. Assim, bem esperaram e podem esperar as gentes do campo para obter condições de vida civilizacional actuais. Foram precisos cinquenta anos para que a electricidade chegasse de Faro aos Gorjões a 13 Kms. Outro tanto para alcatroar a estrada e fazer recolha de lixo. Quase outro tanto para haver o primeiro telefone. A água e os esgotos são uma promessa constantemente adiada. O estado da EM nº 520 de acesso à freguesia está hoje pior que muitos caminhos rurais. Em tempo de seca prolongada jamais alguém se lembrou de levar água às populações rurais aflitas.
A cultura pateguista consiste em considerar que o campo não precisa das necessidades citadinas e sobrevive feliz no seu atávico atraso civilizacional. A prática pateguista consiste em actuar de forma a que a cidade viva actualizada e que o campo aguente ou vá parar aos dormitórios da cidade.
Resta a esperança nas novas gerações culturalmente formadas fora do passadismo salazarista e do confusionismo de Abril. Mas cuidado que os pósinhos oportunistas podem tornar-se dominantes no cadinho.
Queria agora desenvolver este tema para explicar qual a mentalidade que racionaliza esse tipo de cultura e depois se exterioriza na forma do pateguismo. Em primeiro lugar a mentalidade da cultura patega é filha da obscura instrução e prática censória autoritária do salazarismo ao longo de muitos anos. Em segundo lugar deve-se ao rompimento abrupto dessa prática, imposta à força e medo, com o 25 de Abril. Em terceiro lugar o vazio criado por essa ruptura brusca abriu portas à ascensão rápida e pertinaz dos pequenos doutores formados no quadro de valores do salazarismo.
A ditadura do Estado Novo, como todas as ditaduras, criou uma bipolarização entre os a favor e os contra. A favor eram todos os que, mais ou menos, beneficiavam com o estado das coisas e daí serem situacionistas. Do contra eram todos os outros, apelidados de comunistas, mas que englobava gente de todos os matizes ideológicos: comunistas puros e duros, amigos da liberdade pela liberdade, e amigos da oportunidade.
Estes últimos, moldados na instrução escolar vigente para senhores entre serventes, no vazio pós 25 de Abril enfiaram-se rapidamente e em força, pelos centros de controlo mais próximos da tomada do poder. Tomaram posições, reposições e reajustamentos de acordo e à medida que o poder se ia estabilizando. Batida a vaga comunista pura e dura pelos amigos da liberdade como bem maior, introduziram-se pelos lugares secundários de 2ª, 3ª, 4ª e 5ª ordem do poder democrático instituído. Entre estes lugares conta-se o poder autárquico, o qual é disputadíssimo pelo crescente aumento de verbas, lugares e acessos de que dispõe e distribui. Alguns anos passados e já os tais ocupavam de alto a baixo, maioritariamente, quase todos os escalões do poder e usaram-no, mais ou menos, dentro do formato mental transmitido pela mesquinha e atrasada ordem salazarenta.
A instrução escolar elitista ideologicamente dirigida ao senhor doutor para mandar e ao povo rude da 3ª classe para ser obediente, amassou o barro humano que iria ser trabalhado e moldado sob as novas bandeiras da liberdade. Mas o barro humano fora amassado pelos métodos antigos e os meios, processos de trabalho, hábitos e costumes dos agora doutores ceramistas livres, eram forçosamente os mesmos de antigamente dado, à altura, não conhecerem outros. Contudo, sentindo-se liberto de entraves políticos e morais repressivamente impostos, o ceramista tosco, julgou-se um verdadeiro artista e autoridade na arte de moldar a cidadania do povo.
Neste cadinho, o barro pobre mal amassado, o ceramista tosco feito autoridade, a retórica progressista, a liberdade acrítica, tudo caldeado com pósinhos oportunistas, gerou-se a massa critica mãe da cultura patega. A tal que deixou invadir os centros históricos de vilas e cidades por altas e grossas pateguices arquitectónicas, que tapou os buracos disponíveis das cidades e vilas com pateguices arquitectónicas de pedreiro, que rodeou vilas e cidades com pateguices de caixotes repetidos e repetidos para dormitórios sem vida como arrumos de gente respeitadora, que leva as pateguices de cidade para cima duma língua instável de dunas de areia para se apropriar do mar, que enxota os moradores dos centros históricos ao transformar ruas em passeios que depois não têm passeantes, que fazem e refazem sem cessar pavimentos de ruas, passeios, largos, jardins, fontes, estacionamentos, que se relaciona preferencialmente com construtores civis e tertúlias de futebol.
A mentalidade que promove pateguices em série só pode ser filha duma estruturação cultural patega. Claro, a mentalidade patega nunca se vê ou reconhece como tal e serve-se da esperteza, poder e mando para obter algum reconhecimento entre pares. Mas o pior da mentalidade patega é ver-se e pensar-se como autoridade ideológica, moral, estética, dos costumes, etc., e tomar, quem não se enquadra nos seus padrões, como pategos. Para a mentalidade patega, habituada à linguagem corrupta dos negócios, as pessoas honestas simples do campo, sem instrução nem exigências finas, directos sem subentendidas subtilezas linguísticas são, sob o seu posicionamento invertido dos valores, tomadas como gente inferior com cidadania de 5º ordem. Pelo processo mental do patego cultural a rudeza e apresentação fora dos modos citadinos, é sinal de menoridade intelectual e inferioridade social, e como tal merecedor de pouca atenção.
O pateguismo transforma os sinais exteriores de apresentação e representação, próprios de sua etnografia camponesa, num preconceito carregado de juízos de valor diminutivos. Assim, bem esperaram e podem esperar as gentes do campo para obter condições de vida civilizacional actuais. Foram precisos cinquenta anos para que a electricidade chegasse de Faro aos Gorjões a 13 Kms. Outro tanto para alcatroar a estrada e fazer recolha de lixo. Quase outro tanto para haver o primeiro telefone. A água e os esgotos são uma promessa constantemente adiada. O estado da EM nº 520 de acesso à freguesia está hoje pior que muitos caminhos rurais. Em tempo de seca prolongada jamais alguém se lembrou de levar água às populações rurais aflitas.
A cultura pateguista consiste em considerar que o campo não precisa das necessidades citadinas e sobrevive feliz no seu atávico atraso civilizacional. A prática pateguista consiste em actuar de forma a que a cidade viva actualizada e que o campo aguente ou vá parar aos dormitórios da cidade.
Resta a esperança nas novas gerações culturalmente formadas fora do passadismo salazarista e do confusionismo de Abril. Mas cuidado que os pósinhos oportunistas podem tornar-se dominantes no cadinho.
Etiquetas: crónica
1 Comments:
Esta é, realmente, uma reflexão soberba e arrebatadora.
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