quinta-feira, janeiro 18, 2007

GORJEIOS I

SÃO SAUDADE

Um português são dois na prática,
é alma, terra pedra fixa apática,
é corpo, carne sangue a ferver,
desta ligação antagónica
faz o português a sua crónica
de vida feita desta maneira de ser
dois e diferente,
de ser dois e toda a gente
filhos dests elástica dualidade
entre o deixa andar e o tumulto,
entre ser vilão ou ser vulto,
entre o génio e a boçalidade.
entre Aljubarrota e Quibir,
entre ser ou não ser, lutar ou fugir.

Entre descobrir mundos, índias, brasis
ou descobrir imundos "bidonvis",
entre alma mole e corpo de genica
passa os dias o nosso ser paradoxal,
marcado desse pecado original
dum corpo que parte e uma alma que fica
penélopiando em espera dependente
do corpo desejado ausente.
Com a alma perdida, o corpo sem sina
ou vontade própria, corre ao Deus dará,
estrebucha, luta, é escravo ou marajá
fixado no regresso à unidade uterina.
Noutros povos corpo e alma são unicidade,
no português corpo e alma são saudade.

Do livro Gorjeios

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