terça-feira, janeiro 16, 2007

MARAFAÇÕES VIII

O HOMEM PROGRAMADO II

Em editorial de Domingo, dia 14, o jornal "Público" pela pena do seu director, a partir da repentina corrida à exposição de Amadeu de Sousa-Cardoso conclui que os portugueses, tal como em Madrid, Paris, ou Londres, também acorrem e sabem apreciar uma boa exposição de pintura ou outra manifestação de arte desde que haja uma política coerente de programação e promoção. Serve-se deste exemplo e alguns mais para criticar os "criadores" que vivem de subsídios e cujos espectáculos não atraem público.
Deixemos de parte a teoria demagógica de que só o que tem público imediato é que é bom. Caso contrário tinhamos de concordar que a "Maria" é óptima e o "Público" é medíocre. E como justificar Camões, Fernando Pessoa, Bach, Van Gogh, A.Vaviações, Mozart, etc., que só tiveram público depois de mortos? E em vida suportaram dezenas de críticos bota abaixo de língua muito mais afiada que actualmente. Que dizer dos belissimos filmes de M.Oliveira em Lisboa com 3 espectadores e uma rectrospectiva de filmes em Loulé de Tereza Vilaverde com 2 espectadores e um terceiro a ressonar mais alto que a banda sonora do filme?
Em Portugal e em maréria cultural a repentina corrida em massa, e à última hora, a uma exposição de pintura só revela o total alheamento dos portugueses face ao acto cultural. Essa corrida não significa uma actitude cultural, uma vontade nascida de dentro para fora, um impulso intelectual, o desejo de observar e tentar interpretar uma obra de arte para enriquecer o seu mundo interior e admirar a capacidade do homem para embelezar o mundo exterior. JMF diz que é preciso uma coerente promoção e programação que responda à solicitação dos públicos que existem, isto é, adequada à mentalidade portuguesa.
Ora se a promoção da exposição, como é timbre da Gulbenkian, foi bastante visível desde o princípio como se justifica que a corrida fosse à última hora? Só pode ser pela mentalidade tablóide programada, pavlovianamente, através da publicidade das tvmaria especialmente telenovelas, programas e notíciários repletos de entrevistas a heróis da bola, das novelas, do pimba jet-set caseiro, dos drogrados, presos, prostitutas, dos dança comigo, das rasquíssimas entrevistas de rua, das passereladas e amores dos cabides-modelo, etc. que subvertem todos os valores que a escola nos ensina sobre história e heróis.
Nos últimos dias, tal como na Expo'98, os media tvmaria deram em propagandear, ao estilo de passeio alegre, a exposição e bastou a Fundação anunciar que estava aberta noite e dia ao fim de semana para despertar o espírito de carreiro. Todos foram a correr em romaria não para ver a exposição mas porque, desencadeada a movida, tinham de confirmar a sua presença imitando-se uns aos outros, e com sorte até podiam aparecer na tv. Enfim, por uma vez, podiam fazer a festarola fora das docas ou centros comerciais, com pretexto fino, à maneira das elites. Algum destes visitantes, movidos a corda, terá ficado apanhado para se dedicar, por si próprio, a visitar e tentar compreender a arte? Se sim, está de parabens quem na Fundação percebeu qual o clic que faz mover o português em fila.
A corrida à exposição não significa qualquer súbito reconhecimento do valor da arte ou o acordar de um gosto adormecido no subconsciente, pois essas qualidades só se obtêm pela frequência regular e estudo. Deu-se porque as trombetas tocaram a reunir naquele local e o homem programado foi a toque. E porque o homem programado é sinal de vida em ciclo helicoidal decadente, um dia, tornado subsidiodecadente será atirado ao caixote de lixo da história.

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