quinta-feira, abril 12, 2007

MARAFAÇÕES XIII

ELITISMO, HERANÇA SALAZARISTA

Finalmente, na discussão do curriculo do 1º ministro de Portugal, começa a vir ao de cimo o elitismo salazarista dos pequenos doutores. A discriminação elitista dos antigos senhores entre Liceu(bifes) e Escolas Industriais(costoletas) prolongava-se pela vida escolar ad eternum obrigatóriamente; os das Escolas só podiam ser electricistas, mecânicos, etc., ou chegar a Agentes Técnicos para condutores de obras, e os do Liceu podiam ser bancários, funcionários públicos ou chegar a Engenheiros e Doutores para directores de secretária. Ainda durante a ditadura o poder viu-se obrigado a renconhecer os diplomados dos Institutos Industriais(actuais ISEL) como Engenheiros Técnicos por conveniência de estatística educacional portuguêsa perante a Europa.
Após Abril esta situação mantem-se a mesma; as Ordens defendem ultra-corporativamente a superioridade do ensino superior, não reconhecem outras Escolas criadas, aprovadas e certificadas pelo governo, recusam títulos adquiridos legitimamente, ocupam todos os lugares importantes da Administração Pública e deste modo, por intermédio das relações entre pares, perpetuam-se indefinidamente como classe dominante. A designação "ensino superior", para se demarcar dos ensinos inferiores, reflete e traduz fielmente a mentalidade elitista e a sua manutenção recria e mantem deliberadamente essa mentalidade desejada pela élite dirigente. A mentalidade e comportamento dos nossos nobiliarquicos Engenheiros e Doutores face aos não titulares de tais nobrezas escolares, é culturalmente parecida com a dos cidadãos da antiga cidade grega que considerava constitucionalmente os artesãos próximos dos escravos. Como a escravatura foi abolida e é orgulho nacional, a elite portuguesa de mentalidade salazarista, estabeleceu a discriminação prática através das remunerações; em nenhum país europeu evoluido é maior a diferença de vencimento entre um quadro superior e um oficial operário especializado e correpondentemente a diferênça social. E em Portugal um quadro superior é todo aquele que tem um curso superior e não aquele que tem, reconhecidamente, um conhecimento e capacidade superior.
Hoje em dia, quando todo o saber está e é continuamente publicado em livros e revistas dedicados a cada área específica do conhecimento e aberto a quem dele queira apropriar-se individualmente, é quase uma aberração fazer distinções pessoais a partir de títulos académicos. Aliás, a história da evolução da ciência, prova que quem mais fez avançar a ciência e as artes foram os que foram contra e romperam as regras preconceituosas estabelecidas pelos academistas. Uma das críticas que se fazem, actualmente à Universidade, é que se abra ao exterior, que colabore com as fábricas, com os agricultores, etc., isto é, que aprendam juntos,um com o outro, o teórico e o prático.
A discussão com o 1º ministro anda à volta de ser ou não ser engenheiro, de ter obtido o título numa Universidade criadora de Engenheiros legítimos e verdadeiros cientistas ou numa que fabrica artesanalmente por medida engenheiros condutores mestre-d'obras. Quem propõe tal tema à discussão pública sabe perfeitamente que, o não ter um titulo académico altissonante, é uma desclassificação pessoal perante o português de educação salazarista subserviente. Até com este elitismo salazarento se faz baixa política além dos interesses partidário-comerciais (Sic/Expresso), de negócios(Jornal Público/Sonaecom/Opa Galp), subserviências financeiro-partidárias(Sol), todos em aliança com os desesperados pelo retorno ao poder e suas altas benesses e baixas migalhas.
Veja-se o argumento que, para além da desclassificação doutoral elitista implícita, tenta atingir o carácter moral do governante e que é:«fazer passar-se por aquilo que não é revela uma falha de carácter». Deduz-se que o 1º ministro quereria fazer passar-se por falso engenheiro o que politicamente seria acto de falso-carácter. Ora Sócrates, que se saiba, nunca exerceu nem quiz exercer engenharia, e tem-se dedicado à política como é vizível e sabido. Nenhuma Ordem deontológica, nenhuma Justiça, nenhuma Entidade pública ou privada o pode acusar e processar por falsificação ou abuso profissional.
Mas o mais caricato de toda esta encenação de baixa política é que o homem é Engenheiro Técnico e como tal poderia mesmo exercer e praticar actos de engenharia se o desejasse. E não deveria envergonhar-se, face ao elitismo analfabeto, de se intitular engenheiro com a legitimidade que lhe confere o curso do ISEL. Como disse atrás a ditadura salazarista incluia os formados pelos antigos IIL na lista "engenheiros"que enviava para a Europa para tapar a falta de quadros técnicos formados em Portugal, contudo internamente discriminava-os tratando-os acintosamente, a pedido das élites dos pequenos doutores, como na presente discussão se pretende fazer ao 1º ministro de Portugal. Na ditadura a hipocrisia era imposta pela polícia política, na democracia a hipocrisia é ditada política de polícia.

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