terça-feira, dezembro 23, 2008

UMA HISTÓRIA GORJONENSE



CONTADA PELO TIO MANUEL DA CÂNDIDA

Um garoto que uma vez fugiu à escola no primeiro dia de aulas para casa dos avós para ajudar a tratar das terras e do gado, e porque lá era mais fávil matar a fome pois sempre havia na velha arca de castanho e à mão figo torrado para comer, nunca mais deixou o trabalho duro do campo, depois nas pedreiras, depois no transporte de pedra com carroças e depois com camião. Chegado aqui, já homem maduro, precisava tirar a carta de condução para poder guiar. O camião era guiado pelo irmão que fizera exames e tirara a carta na tropa, mas ele também queria ter a carta para manter a sua independência e guiar-se a sí próprio como gostara e sempre fizera com bons resultados.


Foi falar com a professora Otília da escola primária dos Gorjões que lhe propôs ensinar a 3ª classe, necessária para tirar a carta ambicionada. Quaze trinta anos de trabalhos árduos e luta dura na escola da vida pela subsistência do dia a dia, haviam-lhe calejado as mãos e aguçado as qualidades de uma inteligência viva inata, instruida e preparada na nobre rudeza das relações diárias com a natureza e os homens. Frequentada e feita a prova dos nove na escola da vida prática, não precisou mais que seis meses para estar pronto a enfrentar os professores examinadores das provas oficiais da 3ª classe.

Em Faro, posto frente a um júri de três professores examinadores, estava à vontade e confiante que iria responder com conhecimento às perguntas, tinha acumulado saber de duas escolas e com um ou com outro responderia, nenhuma pergunta ficaria sem resposta. Mandaram-lhe fazer contas de somar, subtrair, multiplicar, dividir e até um pequeno problema de tirar, pôr e quanto resta que lhe foi fácil pois já fazia tais contas e problemas "de cabeça" no seu comércio do dia a dia.
Tudo corria bem quando foi colocado perante um gigantesco mapa geográfico e apontando-lhe para uma linha azul que atravessava Portugal lhe perguntaram se sabia onde nascia aquele rio. Aí o nosso aluno puxou do seu conhecimento da escola da vida prática e muito sábiamente respondeu: " à minha porta corre um regato que apanha as águas do alto da Fonte da Murta, do Palmeiral, da Cerca do Lobo, das Raposeiras e da Palhagueira e eu não sei onde nasce o regato como é que posso saber onde nasce esse rio tão grande que vem de Espanha? Não, não sei responder a essa pergunta". Os professores estupefactos com tão natural resposta emudeceram e o aluno, que achava que respondera com total sinceridade e verdade, ficou receoso.

Caídos em sí racionalmente, os examinadores entenderam a viva e límpida lição, nascida da vida e não do caderno da escolástica, contida na resposta deram, logo ali, o exame por terminado. O aluno foi considerado apto com distinção.
A sua história de vida, já longa até hoje, prova quanto os professores tinham razão.



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