sexta-feira, fevereiro 14, 2020

LIBERDADE PARA MORRER

 
Vai correndo pelo mundo, e em Portugal também actualmente, uma discussão apaixonada sobre a eutanásia ou morte assistida para pessoas em estado terminal vegetativo ou de dor insuportável ou artificialmente mantidas vivas por moderna maquinaria especial da medicina.
Nesta discussão pela manutenção de vida a pessoas meio-mortas versus dar a morte a pessoas meio-vivas está, sobretudo, o problema da liberdade individual.
Os humanistas e progressistas, mais próximos da ideia do "estado de natureza" e "lei natural" donde pensam e argumentam que foi fonte e origem de toda a ética e moral e que destas deriva a evolução das leis de justiça e liberdade até hoje, estão "naturalmente" e filosoficamente mais inclinados para apoiar a "liberdade de escolha" individual acerca da vida e morte.
Na antiguidade arcaica e ainda mesmo na idade clássica a morte não natural, quando inevitável por questões de guerra, honra ou dignidade e, no caso romano, ainda de acordo com a sua adoptiva doutrina estóica era considerada como uma vitória sobre o sofrimento e uma libertação pelo amor e grandeza de si mesmo: os exemplos clássicos são os dos romanos Catão, Bruto, Cássio, Marco António e outros. Os "kamikazes" japoneses são outro exemplo recente.
Mesmo no cristianismo primitivo os mártires e os condenados aos leões no circo aceitavam estoicamente a morte, também imbuídos de sua liberdade individual de crer no seu Deus único contra o paganismo.
Mas, posteriormente, a Igreja Católica instituída e fortemente enraizada no seu poder religioso e temporal decretou ao seu mundo cristão que a vida era uma dádiva de Deus e, por conseguinte, também só esse Deus tinha o direito de retirar a vida a alguém: as bárbaras condenações da própria Igreja foram sempre feitas em nome do seu Deus.
Mas a Igreja, hoje em dia, face à ciência galopante tornou-se na prática uma sucessiva histórica contradição nos termos: para justificar o mal nos homens e a grandeza da bondade divina a Igreja diz que Deus deu o livre-arbítrio ao homem para decidir ele próprio e livremente sobre a sua vida na terra, contudo, para decidir sobre a sua morte o livre-arbítrio dado à condição humana já não vale nem conta.
Desde sempre, e também actualmente, qualquer homem saudável em plena saúde mental e força de trabalho pode voluntariamente e de moto-próprio, por qualquer forte motivo emocional, dar fim à sua vida mas quando velho dependente incapaz de agir por si mesmo não pode decidir de seu livre-arbítrio porque este lhe é retirado pela mesma entidade desconhecida, impassível, inacessível e absolutamente boa que lhe concedera para sempre esse mesmo livre-arbítrio. Quem dá e tira...  
A Igreja anda nisto desde Giordano Bruno e sobretudo depois do indefensável caso Galileu e continua modernamente com a pílula, o aborto, a inseminação ou fecundação in vitrio, a homossexualidade e casamentos homossexuais e agora com a eutanásia além da desavença interna acerca do casamento dos padres e da consagração da mulher-padre.
Até se compreende, também o mundo religioso, não obstante a tentativa de rejuvenescimento trocando o antigo Deus por Jesus Cristo, isto é o Pai pelo Filho, não evitou o envelhecimento e decadência à imagem de uma trajectória humana: afinal, luta por manter-se viva exigindo aos homens que a imitem na sua agonia.
      

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