quarta-feira, junho 20, 2018

A "QUESTÃO BORDEIRENSE": UMA TESE (2)


Mas atentemo-nos às origens da tradição. Tanto a "Velha Guarda" grupo que engloba os primeiros conviventes discípulos e nobre herdeiros directos dos criadores da tradição como alguma "Nova Guarda" charoleira, que mais derivou para a "questão bordeirense" actual, são unânimes a confirmar que o verdadeiro pai fundador da "tradição" foi o Mestre José Ferreiro (Pai), brilhante acordeonista e compositor.
Foi o conjunto da sua Música de tal forma bem construída e tão bela e adequadamente ritmada que, no caso do corridinho, podemos afirmar que ele inventou o ritmo e harmonia modelo daquele tipo de composição.     
Mas, para os bordeirenses, o maior contributo e fundamento para o nascimento da sua contagiosa   "tradição" está na sua magnífica composição de batida forte e compassada de cunho militarista a qual na sua letra, da autoria de António Aleixo certamente influenciado pelo pensamento do recém-Soldado de guerra, há palavras de exortação que são pronunciadas e cantadas como se fossem gritadas a toque de clarins, trombetas e tambores gigantescos em marcha rumo à vitória ou morte, como os espartanos.
E que são e dizem assim:

Oh! Bordeirenses
Como é bonito,
Desta Bordeira,
O chão bendito!

Bordeira amada
Em que nascemos
Se fores atacada
Todos te defenderemos.

Esta composição designada Marcha de Bordeira, de acentuado cunho e sentido guerreiro na música e na letra, não nasceu assim porque o Poeta Aleixo ou Mestre José Ferreiro tivessem em mente qualquer suspeição de ataque militar, terrorista, ou de bandoleitros estrangeiros ou vizinhos numa tentativa de invasão da terra natal.
O Mestre compositor, havia pouco tempo ainda, tinha desembarcado vindo da 1º Grande Guerra de 1914-1918 para onde embarcara em 05/Julho/1917 e da qual desembarcara em Lisboa a 10/Julho/1919 depois de ser colocado, como ferreiro, nos Serviços Auto em 13/11/1917 e depois nos Serviços de Trem em 09/Março/1918 precisamente um mês antes de La Lys (ver imagem acima).
O Soldado José das Neves Vargues colocado desde cedo no Trem-Auto das tropas portuguesas do CEP, certamente, pouco conheceu das trincheiras mas seguramente viu-se envolvido quase permanentemente de desfiles e paradas com suas respectivas fanfarras de marchas e cantos militares que, como tocador de acordeão de raro instinto musical, lhe inundaram a "alma" e fizeram transbordar a sensibilidade artística criativa.
Nos serviços de retaguarda, de apoio à frente, também teve oportunidades várias de visitar as vilas e aldeias francesas dos arredores do acampamento e frequentar as Sociedades Recreativas locais para ouvir e apreciar grandes acordeonistas da melhor "Bal Musette" tão tipicamente francesa e famosa naquele tempo. 
Encantado, e de "alma" cheia de clarins e daquela bela música moderna que lá era dita de "acordéon" e não de "foles" ou "concertina" ganhando estatuto de música à séria, o Mestre mal chegado da guerra começou a aplicar a sua forte intuição musical compondo modernas e belas melodias para serem tocadas por ele próprio e cantadas pelos grupos de "janeiras" no 1º de Janeiro e dia de Reis.
E a "tradição" nasceu.

(continua)

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