sexta-feira, junho 22, 2018

A "QUESTÃO BORDEIRENSE": UMA TESE (3)


E a "tradição" nasceu e cresceu sucessivamente com a fundação dos Grupos Charoleiros "Mocidade União" em 1918 e "União Bordeirense" fundada em 1919 pelo próprio Mestre José Ferreiro culminando em 1937 com a fundação da Sociedade Recreativa Bordeirense enquanto, em simultâneo, compunha as extraordinárias criações inigualáveis de corridinhos e da célebre, já referida, Marcha de Bordeira.
António Vitorino Pereira no seu estudo de investigação sociológica sobre o povo de Bordeira refere esse período assim:
"Pode-se dizer que entre os anos 20 e o final dos anos 40, Bordeira viveu a sua "idade de ouro" de construção da tradição e de afirmação identitária a que hoje se refere todo o imaginário colectivo" e continua, "É durante este período entre as duas guerras, nomeadamente com Mestre José Ferreiro, acordeonista e António Aleixo, um dos maiores poetas populares portugueses que aqui passava largas temporadas e ambos autores do Hino da Sociedade, que se vão escrever e gravar na memória dos mais velhos algumas das melhores recordações bordeirenses."
Ora esta "tradição" fundadora única e respeitada impôs-se por si própria dada a inovação e valor incontestável da música do Mestre que, para além de ser o pai fundador, era uma figura de elevadas qualidades humanas tão respeitado quer por bordeirenses quer por todos que alguma vez o conheceram ou conviveram com ele.
A sua elevada estatura como criatura e criador foi-lhe reconhecida por todos face ao valor único do seu trabalho e grande bondade e humildade pessoal sem necessidade de recorrer, nunca, a afirmações e atitudes de ostentação individualistas em oposição a outrem.
Portanto a "tradição" original fundadora nasceu de forma natural de seu valor intrínseco sem o mais leve indício de ter recorrido, alguma vez, ao discurso do auto-elogio por contraposição com os de fora.
A "Alma" do Mestre, transbordante de música e valores nobres de combatente na guerra em França, transbordou e fez-se semente de seara única que inundou sua terra natal e nela fecundou uma "tradição" de valores e costumes incomuns num pequeno povo de um lugar perdido no mundo.
É muito provável que tal semente, de germinação tão forte e rápida, tenha sido lançada no local ideal onde se mantinha latente alguma certa predesposição social comunitária no sentido de entreajuda e da auto-suficiência pois há rumores de afrontamentos antigos de natureza político-religiosos.
Talvez em algum tempo arcaico, acontecimentos já sem data, tenham deixado pegadas na "alma" dos primitivos locais que se transmitiram pelos costumes tão imperceptíveis como a naturalidade e profundidade de uma reminiscência mitológica de terra prometida.
Mas, acima de tudo e todos, a Alma do Mestre era tão grande que a pôde repartir pelo seu lugar natal, pelos lugares vizinhos pelo país e pelo mundo, e sempre bem-vinda, sob a forma de música tecida de Alma e feita corridinhos, hinos e marchas sem nunca perder, dar ou vender a sua própria Alma em troca de qualquer imaginada futura tradição e, muito menos, de pendor narcísico.
E tão forte e inamovível como se fora um sistema gravítico local que atrai todos bordeirenses à substancia da sua Alma fundadora e inspiradora.

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