sábado, agosto 01, 2020

DESERTIFICAÇÃO OU ATRACÇÃO À DESLOCALIZAÇÃO HUMANA

 FARO HOJE E LIMITES ANOS 50 - 60 (Clique para aumentar)
Desde os anos'60 do séc. XX com a chegada do turismo, da guerra colonial, da emigração e sobretudo da desvalorização dos "frutos secos", figo, amêndoa e alfarroba, secular fonte de alimentação e depois a tradicional e maior riqueza do Algarve em grande medida proveniente do Barrocal, local de sequeiro entre o Mar e a Serra, que se fala de desertificação contínua e regular dos campos, quer dos povos seculares das aldeias, quer de pequenos lugarejos familiares, quer de casais dispersos por vales e encostas junto de suas pequenas parcelas de terra plantadas daquelas árvores autóctones que davam os ditos frutos secos, fonte maior e quase única de seus rendimentos e alimentação.
Igualmente, desde então, por motivos de desvalorização dos produtos da terra, da guerra e consequente emigração em massa e fuga à miséria dos campos, se fala invariavelmente da desertificação do interior de norte a sul do país.
Mas será que se trata de uma verdadeira desertificação?
Ora neste período a população do país não diminuiu, pelo contrário, aumentou e até ultrapassou os dez milhões de habitantes. É evidente, portanto, que o fenómeno não é de desertificação mas sim de abandono e fuga do campo interior para o litoral.
Vejamos o nosso caso do Conselho de Faro (ver foto acima). Nos anos'50-60 a Cidade era circunscrita pela linha da chamada Rua da Circum-Valação que nascia no Posto de Viação - Refúgio Aboim Ascenção - cruzamento Rua do Alportel - Praça Faro (Mercado em construção início anos'50) - Estrada de Olhão - Alto Sº. António - Liceu - Bom João.
Fora desta linha apenas existiam os núcleos habitacionais A: Montinho e duas ou três ruas laterais sul e poente, B: São Luís á volta da Capela, incluindo rua de S. Luís e Estádio S. Luís do Farense, e C; Alto-Rodes. Eram três pequenos núcleos suburbanos relativamente à centralidade da Cidade que se concentrava no eixo Doca - Jardim Bivar - Rua de Santo António.
Da foto acima e comparando a olho nu o perímetro actual com o dos anos'50-60 podemos constatar que a área de urbanização e construção na Cidade quase triplicou desde o final dos anos'50 até hoje. Se acrescentarmos a actual área do Montenegro, Aeroporto e Polo Universitário da UALG podemos dizer garantidamente que a primitiva área da Cidade+Montenegro quintuplicou e o número de habitantes, hoje de cerca de 75.000, terá quintuplicado também. 
A realidade demonstra que durante todo este período de tempo ao movimento de abandono dos campos e consequente desertificação das aldeias e povoados rurais há uma atracção da Cidade ou Vila próxima sobre essas populações que além de perderem o seu tradicional sustento da terra se vêem sós, abandonadas e sobretudo sobrecarregadas de proibições, interdições e ilegalizações de poderem utilizar as sua terras para qualquer outro tipo de utilização de exploração industrial-comercial doméstica como a pedra, medronho, rebanhos de gado, leite, queijo, fruta ou horticultura para venda local.
E sobre todas estas dificuldades impostas administrativamente é-lhes imposta a ilegalidade de poder construir casa para os filhos nas suas próprias terras porque ou não existe saneamento básico ou trata-se de "zona de reserva agrícola"; imaginem a estupidez de criar uma interdição por consideração de ser o local "reserva agrícola" onde já não existe um único hectar de agricultura e toda a terra arável se está transformando rapidamente em mato.
E mesmo quanto ao argumento proibitivo de construção de casa própria por falta de saneamento básico e rede de águas potáveis é um putativo argumento quando, como disse o Presidente Macário Correia na sessão solene de assinatura do contracto de adjudicação para construção das redes para Santa Bárbara de Nexe e Gorjões, essas redes, afinal tão necessárias, chegavam aqui com 30 anos 30 de atraso: deviam ter sido feitas logo aquando da nossa entrada para a CEE com dinheiros a fundo perdido, disse também Macário Correia.     
É inegável que os factores desde logo citados inicialmente acima são decisivos para a deserção e deslocamento humano do mundo rural para a Cidade mas também é visível que nada foi feito para os contrariar, antes pelo contrário. Deixou-se que tudo se conjugasse no sentido de tornar a Cidade um centro de gravidade fortemente atractivo para onde tudo e todos ao redor fossem dar.
A Cidade alimentou-se e engordou da "construção civil" desenfreada dos pedreiros construtores de dormitórios sem paisagem, arquitectura, ou qualquer beleza e meio ambiente onde foram alojados camponeses pais, filhos e netos que venderam as terras herdadas dos antepassados para adquirir o seu apartamento numa qualquer rua desconhecida e indiferenciada  da Grande Cidade indefinida repleta de gente desconhecida que se sente satisfeita porque "ali tem tudo à mão".
Ter tudo à mão significa, precisamente, ter tudo aquilo que a Cidade nunca lhes proporcionou e muitas vezes lhes negou.       

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