quarta-feira, julho 28, 2021

A MARAVILHA DAS PALAVRAS DE JOÃO MIGUEL TAVARES (JMT)

 

 

Referindo-se ao ministro Eduardo Cabrita acerca de alguma explicação sua sobre problema ou caso  de sua alçada hierárquica JMT ironizou, política e direita-mente, com "a maravilha das suas palavras" trocadilhando fedorentamente ao estilo "governo sombra", a palavra maravilha no sentido figurado de "palermilha", "aldrabilha"ou coisa assim.

Mas estas incursões humorísticas são próprias de sua já caríssima ligação ao fedorento-mor e ligeirezas de faladuras permitidas à imagem da chacota geral que é o "governo-sombra"; são estilos de linguagem fácil devidas à sobrecarga de trabalho por mor das carradas obrigatórias de crónicas semanais para os media de baixa referência que há; são pequenos desvios ou momentos de distracção à ortodoxia neoliberal-iliberalista; são para o grande pensador o mesmo que o descanso do guerreiro após a batalha; são, tão só, subprodutos do seu verdadeiro pensamento profundo.

E o seu pensamento profundo está plasmado, depois de semanas de pesca nas águas profundas do seu intelecto, nas declarações fortes construídas de convicções firmes estudadas e estruturadas literária e politicamente no seu discurso aos portugueses nas comemorações do 10 de Junho de 2019; tão fortes, tão convictas, tão reflexão do seu pensamento profundo, tão queridas, que já estão inscritas em livro de seus pensamentos pessoais.

O seu já famoso discurso aos portugueses é inteiramente centrado em si e sua família exemplar e parte desse exemplo modelo familiar fechado construído à custa de muito trabalho, grande honestidade e modéstia para, desse círculo de pessoas obreiras simples, extrapolar conceitos gerais que propõe em oposição ao estado actual como solução para os males do país. 

Este circulo familiar exemplo do que deve ser o futuro da nação vai do avô estabelecido com casa de pasto em Portalegre, passa pelos pais funcionários públicos, pelos sogros que tiveram de fugir de Moçambique aquando da independência em 1975 e até por três mulheres que viajaram do outro lado do mundo para tratarem de um bebé que é hoje a sua mulher; os 10 de Junho hoje, no Séc XXI, devem ser uma festa do português anónimo, da arraia-miúda como o avô, os sogros e mulheres que viajam do outro lado do mundo para tratarem de bebés nascidos em Moçambique; as vidas destas pessoas são "histórias de vida impressionantes" como já não há e tanta falta fazem como exemplo de futuro e modernidade segundo JMT.

O já famoso discurso à nação de JMT em 2019 está dividido em IV partes ou capítulos sem título; à maneira de ensaio; abre com o assunto geral como preâmbulo e termina abrindo o tema do assunto particular seguinte; o assunto de uma parte é a introdução do que vem a seguir, assim:

Em I descreve a luta dos portugueses pela  liberdade e como nesse período o país progredia; os pais tinham mais oportunidades que os pais deles; sacrificavam-se pelos filhos que iam estudar; tinham esperança de que eles alcançariam ser "alguém". 

Tendo como base de observação e estudo o caso familiar dos "pais", os "meus pais" e a "geração dos meus pais" chega à conclusão que até finais dos anos'90 o país avançou; "Lisboa ficava a mais de 4h de Portalegre", "eu estudei mais anos e tive mais oportunidades do que os meus pais", "a minha família investia parte do salário a comprar livros e enciclopédias que chegavam pelo correio e esses livros representavam o conhecimento e a educação que as famílias ambicionavam para os filhos". 

Mas... "é possível que eles (os pais) tenham tido aquilo que mais nos tem faltado nos últimos 20 anos: um objectivo claro para as suas vidas  e um caminho para trilhar na sociedade portuguesa pois, não é fácil saber porque é que estamos a lutar hoje em dia".

Qual era esse objectivo que os pais teriam tido e mais nos tem faltado não nos é confidenciado; seria a conquista da liberdade que, agora, uma vez obtida e instalada se pensa um facto irreversível? Em II explana o seu ponto de vista acerca das causas da estagnação, dá explicações para o fracasso e a sua percepção de que as pessoas não sabem porque lutam hoje em dia; começa pelos fracassos da nossa integração na Europa; das auto-estradas onde não passam carros; traçámos planos grandiosos que nunca se cumpriram; afundámo-nos em dívida; três vezes já tivemos de pedir auxílio externo em 45 anos de democracia; é demasiado, diz. 

Sem nos confidenciar porquê os planos grandiosos traçados nunca se cumpriram JMT entra a matar na questão política e dos políticos, afinal o mal de todos os males do país; a corrupção é um problema real mas "a classe política" recusa enfrentá-la; que não é pelo talento e pelo trabalho  que se ascende na vida; que é preciso ter os amigos certos ou nascer na família certa; que um jovem talentoso que queira singrar na carreira pelo mérito, a melhor solução é emigrar; guardamos os bons sentimentos para as relações pessoais porque os "políticos não se recomendam". 

Tudo isto e mais umas quantas tiradas moralistas lacrimosas acerca do desespero, da falta de esperança, do fatalismo português, dos sonhos de amanhã, etc. para chegar ao preconceito discriminatório, algo de sentido racista, de que "Há o 'eles', os políticos, as autoridades, as elites e o 'nós', eu, a minha família , os meus colegas , os meus amigos; "entre o 'nós' e o 'eles' há uma distância atlântica com raríssimas  pontes pelo meio"; "que 'Eles' não têm nada a ver connosco e 'Nós' não temos nada a ver com "eles".

Notar desde logo que o mesmo JMT não precisou emigrar para singrar ao ponto de ser considerado pelo PR um pensador de Portugal logo, ou foi por mérito próprio ou teve os tais amigos certos; que o mesmo vota pois faz apelo ao voto e todos os seus comentários e opiniões escritas ou faladas se dirigem, de forma apologética ou por crítica de erros cometidos segundo o seu ponto de vista, a bem definidas classes políticas do espectro partidário actual logo, nem todos os políticos são irrecomendáveis; para uns políticos não irão mas para outros irão o aplauso e os bons sentimentos de JMT.

Em III entretem-se em considerações acerca da nossa heróica história antiga e do nosso lado trágico de hoje quando receamos utilizar o termo "descobrimenos"; acerca de povos melhores ou piores para concluir que também não precisamos de ser melhores. Basta acreditar numa ideia de comunidade onde os portugueses são aqueles que estão ao nosso lado. E isso conta e conta muito. E continua; "sendo já poucos os que acreditam nas grandes narrativas, continuamos a acreditar nas pessoas que temos a nosso lado. E esse é o caminho para a identificação possível dos portugueses com Portugal". Por fim cita um caso bíblico para fundamentar um outro pensamento de que faz seu ideal forte, assim; "Num país algo desencantado, o grande desafio está em tentar desenvolver um sentimento de pertença que vá além dos prodígios do futebol". 

E deste modo, lança a tese de um sentimento comum de pertença que vai desenvolver em IV, assim; que os políticos, sejam eles de esquerda ou de direita, nos dêem alguma coisa em que acreditar; que ofereçam um objectivo claro à comunidade que lideram; nós precisamos de sentir que contamos para alguma coisa; que somos capazes de coisas extraordinárias desde que nos façam sentir que estamos a fazê-las por um bem maior; que todos têm currículo, diferentes uns dos outros mas são currículo e todos contam igualmente.

De salientar que, de tudo o que diz JMT, a substância do seu pensamento está assente em duas ideias-chave acerca dos males que detecta na sociedade portuguesa: primeira, na distinção-discriminação que diz existir na sociedade portuguesa entre "nós", os sérios, modestos, trabalhadores e que contam e "eles", os corruptos e os políticos que protegem a corrupção e nos tramam a vida: segunda, a falta de objectivo mobilizador, uma ideia fixa para todos, uma proclamação de meios e fins claros, um caminho e uma meta com grandeza galvanizadora, um desígnio de grandeza capaz de unir e galvanizar todos como um só; talvez uma ideia-força mental induzida em "nós" e "eles" como realidade alcançável que faça desaparecer as diferenças intelectuais entre  humanos e, desse modo, se torne forte e una como pertença de todos os portugueses; atingida a identidade objectiva de pertença a um desígnio-força maior nós alcançaremos a nossa  identidade comum para uma luta comum; enfim, a sua ambicionada "identificação possível dos portugueses com Portugal". 

Daqui podemos constatar desde logo que para JMT a ideia de democracia não só não é mobilizadora como, para mais, conduz a políticos e políticas corruptas; o jogo da dialéctica histórica, ou luta de classes segundo as classificações de filósofos, que foi o modo bárbaro para resolver conflitos desde o primitivismo e do qual, após milhares de anos de brutalidades, brotou e assentou no jogo actualmente da discussão e disputa de classes ideológico-sociais nos parlamentos, não tem interesse teórico ou prático para o nosso pensador; quer a resolução de conflitos quer a definição dos meios e políticas consensuais por via democrática não chegam ou não prestam; à democracia falta-lhe saber criar o tal desígnio para que possamos sentir uma pertença vigorosa social total que nos una. 

Mas tal desígnio, para a pertença e identidade una de todos os portugueses, não nos é confidenciada; não é jamais um plano de obras grandioso universal impossível à nossa escala de nação económica; nem um plano de planos de obras bem dimensionadas e ordenadas em ciclos produtivos ligados organicamente de modo a elevar o nosso pib, produtividade e conhecimento aumentando a nossa riqueza pois, já houve quem tivesse essa iniciativa e forças destruidoras demoliram tudo; nem investir tudo em ciência, tecnologia & inovação para criar um país-laboratório apenas exportador e ficar dependente do exterior para tudo mais que é fundamental à existência; o mesmo para o caso de nos dedicarmos exclusivamente ao turismo, sem mais. 

Enfim, JMT teve uma ideia, pensou em alguma ideia ou veio-lhe à mente alguma ideia suscitada por  leituras históricas de casos trágicos fundamentados e iniciados, precisamente, pela ideia fixa de "nós", os bons e de raça ou classe pura e "eles", os maus incompetentes e contaminados. Ele, do "nós", quis escrever nas entrelinhas do discurso à nação o seu discurso populista de cunho totalitarista contudo, talvez entusiasmado pela oportunidade, inverteu o objectivo e pôs a descoberto o que queria esconder ou, pelo menos, dissimular; afinal, escancarou à audiência no 10 Junho de 2019 a parte do ice-berg que queria submesso. 

Segundo José Gil em "Caos e Ritmo", Relógio D´Água Editores, 2018, «O capitalismo global apodera-se das novas tecnologias e aumenta exponencialmente o seu poder disruptivo. O caos lavra nas subjectividades, os imperativos de segurança (contra o terrorismo e 'acrescento contra pandemias') esmagam princípios éticos e morais; a globalização instaura, instantânea e brutalmente , a confusão e mistura culturas, costumes, religiões, estéticas»...«O campo abre-se, escancarando-se, a um tipo esquecido de discurso: o discurso populista»...«O discurso populista é contra os políticos e situa-se acima da 'política' tradicional; pretende destruir o sistema, trocando-o por um corpo social que restitua a vitalidade perdida à nação corrompida».

Hannah Arendt em "As origens do Totalitarismo " 8ª Edição D. Quixote, 2018, diz que «A sociedade competitiva de consumo criada pela burguesia gerou apatia e até mesmo hostilidade em relação à vida pública, não apenas entre as camadas sociais exploradas e excluídas da participação activa no governo do país, mas acima de tudo entre a sua própria classe»...«A consciência da nenhuma importância e da dispensabilidade deixava de ser a expressão da frustração individual e tornava-se um fenómeno de massa.»...«Bakunin em 1870 já havia confessado que "não quero ser eu, quero ser nós

JMT também quer que todos sejamos "nós" como ele sem entender que ser-mos todos "nós" ou todos "eles" é a mesma coisa socialmente; em qualquer dos casos é sempre ser-mos todos um e igual, o objectivo final de todo o totalitarismo.          

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