A SABEDORIA DO POVO
Não é preciso saber antropologia ou história para ter a ideia lógica certa de que o povo, qualquer povo, tem sabedoria própria; e como não, se é o próprio povo que desde o homem primitivo foi descobrindo, criando e arquivando o saber, de experiência feito, e transmitindo-o de memória de geração para geração.
Desde o seu aparecimento na Terra que o homem individual e depois em grupo aprendeu a defender-se em grutas, a caçar e colher o fruto das árvores, inventou o fogo e a roda, a domesticar os animais para ajuda nos trabalhos pesados, a construir armas e utensílios de silex, inventou o barro, descobriu e utilizou em seu benefício os metais, inventou o arado e a utilização da terra para produzir o seu alimento e foi sempre acumulando um saber de experiência praticada ao vivo ao longo de milhares de anos; tais descobertas de conhecimentos lhes proporcionaram mudanças de paradigmas na forma de ver e encarar o seu mundo em cada momento de inovação histórica e assim sucessivamente; e tudo isso passado de memória de pais a filhos sem que houvesse escolas ou academias para tratar e fomentar especificamente o ensino de transmissão de conhecimentos adquiridos.
É a prova provada de que o conhecimento prático, empírico, adquirido da experiência directa com a vida e suas necessidades de constante melhoramento e aperfeiçoamento para novas respostas a velhas e novas questões não precisa de graus académicos para que seja tão válido e útil à vida como o obtido no ensino por via da Escola.
Aliás, o que prevalece na sobrevivência face a uma catástrofe, relativamente à vida humana, não é a sabedoria dos livros mas sim a sabedoria prática de como organizar e realizar uma produção de subsistência para manter a espécie; ainda hoje o saber dos livros só por si vale pouco perante as necessidades básicas da existência humana; vive-se sem livros mas não se vive sem alimentos.
Quando o Virgílio dos Gorjões, que desde que nasceu viveu junto dos trabalhos da terra e dos animais de criação (mesmo em França na refinaria de Leão trabalhava nas valas e criava animais, galinhas, coelhos), respondeu ao exímio músico de jazz que "as minhas galinhas cantam melhor que o Zé Eduardo" expressava exacta e precisamente o sentimento primitivo do primado do conhecimento prático sobre o livresco; porque ele entendia o canto das galinhas, o berrar das cabras ou o balir dos cordeiros que criava na pastagem como se estivessem dialogando consigo numa linguagem que ambos liam e entendiam sem erro; o canto das galinhas era ópera para o Virgílio e o canto de ópera de palácio tal como o jazz era, para ele, barulho, ruído incomodativo ou mesmo insuportável.
No caso da futura casa Museu José Pinto Contreiras nos Gorjões dever-se-á respeitar ambos os saberes e aproximá-los tanto quanto possível, fazê-los interagir entre eles sem nunca os deixar desligar ou perder de vista; fazer que aprendam uns com os outros, o saber rural dos montanheiros com o saber de escola, académico.
O saber do Virgílio é um exemplo real de que é preciso preservar e fazer aproximar saberes diferentes assim como a declaração da Anabela Afonso, "eu hoje tenho muita pena de não ter guardado comigo muita da sabedoria do meu avô analfabeto, que era grande" é outro exemplo de que é preciso saber entender, apreciar e preservar o valioso saber da tradição passada de pai a filhos.
Contudo, por outro lado, muito menos podemos perder de vista o importante saber civilizacional gerado pela observação e olhar crítico histórico e científico acumulado e perpetuado pelas escolas e academias de elites escribas e sacerdotais, pelo menos, desde o aparecimento da escrita cuneiforme na Mesopotâmia suméria-semita-acádia a partir do 3º milénio a.C. pois esta, tende cada vez mais, a ser a força de reboque do avanço civilizacional.
Tal como Lavoisier disse que "na natureza nada se perde, tudo se transforma" também na natureza do saber e do conhecimento nada se deve perder mas sim, transformar.
Etiquetas: casa museu JPC e saber da tradição
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