MARAFAÇÕES XIX
A CULTURA E O PODER, A RENÚNCIA COMO PODER
No blog amigo BRACIAIS foi colocado o problema da "Cultura e o Poder" a partir dum texto de Sofia de Melo Breymer Andersen, e também o problema da "Renúncia como Poder" a partir duma citação de Fernando Pessoa. Também noutra ocasião o Braciais falara da boémia de Baudelair. Ao desafio de comentar tais assertações respondi como segue:
Karl Popper diz que cultura é tudo aquilo que é produzido pela mão do homem. Num conceito geral de actualidade assim será mas penso que Cultura é apenas o que, após a prova do tempo, históricamente, sobressai da fabricação cultural popperiana, se torna imortal e adoptada como identidade dum povo, como diz SMBA. A Cultura não tem de ser necessariamente anti-poder mas tende a ser contra-poder na medida em que precisa ser subversiva do poder estabelecido dominante. O trabalho da Cultura é denunciar e subverter costumes e estéticas definidas e defendidas oportunisticamente, em cada actualidade, pelos que dela beneficiam. A Cultura que não morre é aquela que derruba cânones, que com base em novas maneiras de ver e encarar o futuro, a partir da realidade existente, propõe uma visão diferente em sintonia com as novas realidades emergentes. Para isso o Homem de Cultura tem de ser alheio a poderes dirigistas e actuar em conformidade com as novas realidades circundantes que lhe despertaram um pensar diferente do homem comum. Contudo o Homem tem uma existência no tempo e não pode ser indiferente aos acontecimentos que o rodeiam e que o podem entusiasmar exaltadamente. As Odes de Píndaro cantam os vencedores olímpicos, o Parténon representava as origens e história da grandeza grega, a Eneida canta os feitos originais da grandeza romana, tal como os Lusíadas relativamente a Portugal. O acto cultural pode até ser apologético mas tem de ser, primeiro, interiormente sentido, nascido duma vontade e necessidade própria sem indicações ou interferências estranhas e muito menos dirigistas. A criação cultural è um acto individualista, solitário, e não de massas. A cultura de massas foi um mito que caiu com o muro de Berlim.
Também é pela Cultura que a renúncia pode ser um poder. Pessoa levou uma vida obscura como escriturário, renunciando a qualquer notoriedade forçosa e apressada, para se dedicar solitariamente ao seu pensamento intimista esotérico. Renunciou a qualquer poder ex-cátedra para futuramente obter um poder efectivo pela obra cultural produzida e cada vez o seu poder é maior na medida em que cada vez mais gente lê, estuda, interpreta e se inspira em Pessoa. Sócrates, o antigo, renunciou à vida no exílio e preferiu a morte pela cicuta e esse gesto de renúncia acarretou-lhe mais grandeza e poder universal no mesmo sentido pessoano. A renúncia à vida pelo suicídio dum Homem de Cultura perseguido é um acto de poder e libertação pessoal face à prepotência do poder odioso oposto, tal como em Antero, Camilo e tantos outros.
Tal como Pessoa, também com Baudelaire a obra sobrepõe-se de longe à conta corrente da vida quotidiana. Condenado por imoralidade em 1857 pelo poema As Flores do Mal (tal como Flaubert por Madame Bovary), é reabilitado em 1949, 92 anos depois, com a anulação pelo Supremo Tribunal da Justiça de Paris, da sentença de 1857. Tal como Pessoa e tantos outros, hoje fazem parte do panteão dos imortais dos seus países. A maioria dos grandes Homens de Cultura o foram ou pela renúncia ou pela subversão e no seu tempo foram considerados respectivamente obscuros ou malditos. Hoje são, no seu conjunto, a nossa identidade histórica.
Karl Popper diz que cultura é tudo aquilo que é produzido pela mão do homem. Num conceito geral de actualidade assim será mas penso que Cultura é apenas o que, após a prova do tempo, históricamente, sobressai da fabricação cultural popperiana, se torna imortal e adoptada como identidade dum povo, como diz SMBA. A Cultura não tem de ser necessariamente anti-poder mas tende a ser contra-poder na medida em que precisa ser subversiva do poder estabelecido dominante. O trabalho da Cultura é denunciar e subverter costumes e estéticas definidas e defendidas oportunisticamente, em cada actualidade, pelos que dela beneficiam. A Cultura que não morre é aquela que derruba cânones, que com base em novas maneiras de ver e encarar o futuro, a partir da realidade existente, propõe uma visão diferente em sintonia com as novas realidades emergentes. Para isso o Homem de Cultura tem de ser alheio a poderes dirigistas e actuar em conformidade com as novas realidades circundantes que lhe despertaram um pensar diferente do homem comum. Contudo o Homem tem uma existência no tempo e não pode ser indiferente aos acontecimentos que o rodeiam e que o podem entusiasmar exaltadamente. As Odes de Píndaro cantam os vencedores olímpicos, o Parténon representava as origens e história da grandeza grega, a Eneida canta os feitos originais da grandeza romana, tal como os Lusíadas relativamente a Portugal. O acto cultural pode até ser apologético mas tem de ser, primeiro, interiormente sentido, nascido duma vontade e necessidade própria sem indicações ou interferências estranhas e muito menos dirigistas. A criação cultural è um acto individualista, solitário, e não de massas. A cultura de massas foi um mito que caiu com o muro de Berlim.
Também é pela Cultura que a renúncia pode ser um poder. Pessoa levou uma vida obscura como escriturário, renunciando a qualquer notoriedade forçosa e apressada, para se dedicar solitariamente ao seu pensamento intimista esotérico. Renunciou a qualquer poder ex-cátedra para futuramente obter um poder efectivo pela obra cultural produzida e cada vez o seu poder é maior na medida em que cada vez mais gente lê, estuda, interpreta e se inspira em Pessoa. Sócrates, o antigo, renunciou à vida no exílio e preferiu a morte pela cicuta e esse gesto de renúncia acarretou-lhe mais grandeza e poder universal no mesmo sentido pessoano. A renúncia à vida pelo suicídio dum Homem de Cultura perseguido é um acto de poder e libertação pessoal face à prepotência do poder odioso oposto, tal como em Antero, Camilo e tantos outros.
Tal como Pessoa, também com Baudelaire a obra sobrepõe-se de longe à conta corrente da vida quotidiana. Condenado por imoralidade em 1857 pelo poema As Flores do Mal (tal como Flaubert por Madame Bovary), é reabilitado em 1949, 92 anos depois, com a anulação pelo Supremo Tribunal da Justiça de Paris, da sentença de 1857. Tal como Pessoa e tantos outros, hoje fazem parte do panteão dos imortais dos seus países. A maioria dos grandes Homens de Cultura o foram ou pela renúncia ou pela subversão e no seu tempo foram considerados respectivamente obscuros ou malditos. Hoje são, no seu conjunto, a nossa identidade histórica.
Etiquetas: da cultura
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