A GAIANA E BUÑUEL
CLANDESTINAMENTE
No princípio dos anos cinquenta, frequentava o 2º ou 3º ano do Liceu, os grande desafios de bola entre Liceu e Escola (Bifes e Costoletas) marcavam-se para o melhor terreiro de jogo que havia e que era o "Campo dos Blocos", junto à antiga prainha de Faro. Muitas vezes juntávamo-nos na baixa e, em grupo, apanhávamos o caminho do Bom João que, a partir da ponta da Alameda era todo de areia solta. Num local isolado à beira esquerda desse caminho, numa barraca elevada sobre uma espécie de duna, morava a família do "Gaiana". Uma irmã deste, sua gémea de andrajosa miséria física e mental, passava o dia metida no interior do seu horrível habitáculo escuro feito de tábuas podres e latas ferrugentas.
Uma vez, um do grupo que morava para aqueles lados e passava pelo caminho frequentemente, quando íamos para uma jogatana no campo dos blocos, disse-nos: hoje vamos tirar um retrato ao grupo. Olhámos uns para os outros mas ninguém tinha máquina fotográfica. Pensámos todos que era "balela", mas quando chegámos em frente da tal barraca o mesmo dá em chamar alto pela "Gaiana". Quando ela aparece à umbreira da porta o tal do grupo começa a pedir: tira um retrato, tira um retrato. Ela desceu pela duna e aproximou-se do grupo, parado no caminho em baixo, e o colega insistia: tira um retrato, tira um retrato.
Eis senão quando a borbulhenta e feia matrona "Gaiana", próximo e sobreelevada em relação a nós, joga as mãos e levanta por cima da cabeça o sujo vestido de saia rodada até aos pés, única peça de roupa que tinha sobre a pele. E a todos que pediram um retrato ela repetiu o gesto e retratou bem de frente para que nenhum pormenor ficasse desfavorecido.
O segredo do "retrato de grupo" estava desvendado e nós tinhamos levado uma aula prática de educação sexual à maneira do tempo, clandestinamente. E quando vi nos anos sessenta, também clandestinamente no cineclube em Lisboa, o filme "Viridiana" de Buñuel 1961, onde há uma cena semelhante bem encenada e fortemente interpretada pela bela Sílvia Pinal, desde então mais se tem reforçado na memória o sentimento de que foi imcomparável a pureza e veracidade maior do rude realismo e gozo dionisíaco que trespassou a "Gaiana" animalesca e a nós imberbes iniciáticos. Hoje revejo a nossa retratista na beleza de Sílvia Pinal mas, nessa imagem, representando a força telúrica de mulher está sempre a "Gaiana".
Uma vez, um do grupo que morava para aqueles lados e passava pelo caminho frequentemente, quando íamos para uma jogatana no campo dos blocos, disse-nos: hoje vamos tirar um retrato ao grupo. Olhámos uns para os outros mas ninguém tinha máquina fotográfica. Pensámos todos que era "balela", mas quando chegámos em frente da tal barraca o mesmo dá em chamar alto pela "Gaiana". Quando ela aparece à umbreira da porta o tal do grupo começa a pedir: tira um retrato, tira um retrato. Ela desceu pela duna e aproximou-se do grupo, parado no caminho em baixo, e o colega insistia: tira um retrato, tira um retrato.
Eis senão quando a borbulhenta e feia matrona "Gaiana", próximo e sobreelevada em relação a nós, joga as mãos e levanta por cima da cabeça o sujo vestido de saia rodada até aos pés, única peça de roupa que tinha sobre a pele. E a todos que pediram um retrato ela repetiu o gesto e retratou bem de frente para que nenhum pormenor ficasse desfavorecido.
O segredo do "retrato de grupo" estava desvendado e nós tinhamos levado uma aula prática de educação sexual à maneira do tempo, clandestinamente. E quando vi nos anos sessenta, também clandestinamente no cineclube em Lisboa, o filme "Viridiana" de Buñuel 1961, onde há uma cena semelhante bem encenada e fortemente interpretada pela bela Sílvia Pinal, desde então mais se tem reforçado na memória o sentimento de que foi imcomparável a pureza e veracidade maior do rude realismo e gozo dionisíaco que trespassou a "Gaiana" animalesca e a nós imberbes iniciáticos. Hoje revejo a nossa retratista na beleza de Sílvia Pinal mas, nessa imagem, representando a força telúrica de mulher está sempre a "Gaiana".
Etiquetas: crónica memórias
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