O HUMANO COMO SONHO DE UMA SOMBRA
O que primeiro existiui foi o Caos. De Caos nasceram Érebro e a negra Noite, e destes, unidos pelo amor, nasceram o Éter e o Dia. Assim começa a teogonia de Hesíodo, Sec.VIII a. C. contemporânio, discutido, de Homero.
O rústico camponês lavrador Beócio de Ascra partilhava da idéia própria das sociedades primitivas que entendiam o dia, e consequentemente também a "claridade", como a resolução da noite, e portanto posterior a esta. Portanto, o ambiente inicial era de escuridão e só depois, de sí, nasceu a luz do dia, a claridade. Da Noite descendem directamente o Destino, Sono, Sonho, Fim, Morte, Fome, Dores, Traição, Amor, Discórdia, etc., numa filiação ligada à sua condição de "obscuridade". Da união íntima entre Noite e Dia, entre escuridão e claridade nasceu a sua Filha, forma presente vizível e impalpável, imaterial: a Sombra.
Vimos da Noite e vamos para a Noite: de um antes e para um depois inexorável de escuridão sem fim. A Noite é a Mãe vigilante do grande regaço do sono e do sonho e depois da eternidade. E vigilante porque, mesmo quando submetida ao Dia, desde o primeiro instante de luz, deixa bem à vista e caminhando agarrada a nós, a marca filha de sua natureza sombria como uma revelação permanente, aos nossos olhos e sentidos, da sua presença indissociável da nossa existência.
O rústico camponês lavrador Beócio de Ascra partilhava da idéia própria das sociedades primitivas que entendiam o dia, e consequentemente também a "claridade", como a resolução da noite, e portanto posterior a esta. Portanto, o ambiente inicial era de escuridão e só depois, de sí, nasceu a luz do dia, a claridade. Da Noite descendem directamente o Destino, Sono, Sonho, Fim, Morte, Fome, Dores, Traição, Amor, Discórdia, etc., numa filiação ligada à sua condição de "obscuridade". Da união íntima entre Noite e Dia, entre escuridão e claridade nasceu a sua Filha, forma presente vizível e impalpável, imaterial: a Sombra.
Vimos da Noite e vamos para a Noite: de um antes e para um depois inexorável de escuridão sem fim. A Noite é a Mãe vigilante do grande regaço do sono e do sonho e depois da eternidade. E vigilante porque, mesmo quando submetida ao Dia, desde o primeiro instante de luz, deixa bem à vista e caminhando agarrada a nós, a marca filha de sua natureza sombria como uma revelação permanente, aos nossos olhos e sentidos, da sua presença indissociável da nossa existência.
A Sombra, tal como o sono, necessidade para o repouso dos trabalhos diários, e tal como o sonho, necessidade que pretende traçar caminhos, dar esperança e ambição à vida diária, indica-nos claramente a nossa condição de mortais. Ela, sendo imaterial é contudo bem visível e não se desapega de nós, como se fôra uma nossa segunda consciência. Uma consciencia, toda semiótica, sempre presente arrastando-se, agarrada a nós, que nos indica a todo o momento que somos terrrenos e não aéreos: que o nosso lugar é a terra e não o céu; que pertencemos aos humanos e não aos deuses. Ela, filha dos deuses Noite e Dia, avisa como uma deusa menor que nos acompanha e vigia, que não devemos subir alto ao ponto de querer tapar ou assaltar a fonte de luz, pois nesse caso dá-se a "escuridão" total, isto é, cria-se a Noite onde cairemos sem retorno. Ela é a deusa delegada da Noite junto do homem para funcionar como nosso oráculo individual: não diz nem informa, apenas indica.
Os Gregos, primeiros a obter tais conhecimentos sobre estes deuses e a racionalizar sobre os seus atributos, trataram filosoficamente a sua relação com os humanos. Tales de Mileto, um dos sete sábios da antiguidade, mediu a altura das pirâmides egipcias através da sua sombra projectada no solo, estabelecendo a primeira noção de interdependência entre um corpo e a sua sombra. Pitágoras, seu contenporâneo, afirmava que o branco (claridade) tinha a natureza do bem e o negro (escuridão) tinha a natureza do mal, certamente tendo em mente o dia como o tempo da visibilidade e labor humano e a noite como o tempo do sono semelhnte à morte.
Mais tarde, o grande poeta Píndaro, na sua VIII Ode Pítica pergunta e afirma: Tu que existes exposto ao que os dias te trazem, o que é ser Alguém? O que é não ser Ninguém? O humano é o sonho de uma sombra. É impossível uma interpretação correcta remetida ao pensamento do autor que viveu um tempo de há 2500 anos. Uma coisa é certa, é que o autor poeta-filósofo, interliga o humano (o homem? o que é humano, a humanidade?) com o sonho e a sombra numa trilogia de puros conceitos mentais que parece querer lembrar que temos uma costela vinda e ligada ao transcendental(divino). Nesta trindade pindárica, podemos pensar que a Sombra(Noite, deusa-mãe omnipresente e impassível) teve o sonho (a vontade divina omnipotente) de, ligando-se por amor ao Dia, provocaria a condição necessária para a existência de vida e do humano. Deste modo fica esclarecida a proposição do poeta que será de total coerência com o estádio de conhecimento grego daquele tempo segundo o qual o mundo é um cosmos ordenado pelos deuses.
Também o grande Demócrito, pai da escola filosófica do materialismo, além da sua teoria de que tudo era constituido de vazio e átomos e que da sua combinação por necessidade nasciam todos os compostos, tinha o costume de afirmar: A palavra é a sombra da acção. Produzidas num intevalo de quase um século depois, o sentido alegórico será porventura o mesmo: troque-se palavra por humano (notar que a fala, a palavra, é o que define o humano), acção por sonho (notar que acção, agir, é consequência lógica do sonho), e temos uma construção lógica racional interna muito semelhante a Píndaro. Aqui, contudo, trata-se ainda de palavra apenas e não já de acção, actuação. Entre ambas está como testemunho alerta da palavra dada a Sombra que é prenúncio vigilante, sinalização e aviso para a acção terrena.
Ainda o grande imperador macedónio Alexandre, cuja grandeza imperial, ganha nas conquistas, o levou a pensar ter obtido o estatuto de divino, foi ter com o filósofo Diógenes designado "o cínico" porque vivia como um cão, e pondo-se na sua frente disse: Pede-me o que quizeres e eu te darei, ao que o filósofo miserável lhe respondeu: tira-te da minha frente que me estás fazendo sombra. O imperador queria colocar o filósofo sob a sua sombra, isto é, sob a sua protecção, sob o seu desígnio. Contudo Diógenes que era filósofo e não bruto guerreiro imperador, tinha perfeita consciência da sua própria existência constituida de corpo, intelecto (saber) e sombra. Era sob e com o seu desígnio humano que queria viver livre, albergado como cão no seu tonel, cuidando do aviso sinalizado por sua sombra própria projectada ao mundo, e jamais à sombra de quem quer que fosse. Diz-se que morreram no mesmo dia, Diógenes em Corinto com cerca de noventa anos, Alexandre em Babilónia com trinta anos: o sonho de glória e ambição de atingir a divindade sem sombra terrena, deu a Alexande um terço de vida do quinhão dado a Diógenes.
E mellor que ninguém, Platão, na sua célebre "Alegoria da Caverna", nos coloca a quetão da unidade indestrutível estabelecida de forma trancendental entre o humano e a sombra. Colocado o homem, desde sempre, obrigado apenas a ver sombras das realidades que llhe passam por detrás, esse homem tomará inevitavelmente as sombras pela própria realidade. Quer dizer, o homem posto desligado da sua própria existência física, fica impossibilitado de conhecer igualmente, a existência física dos outros homens e objectos. Isto é, fica desligado da realidade objectiva, material, palpável, contudo não deixa de lhe estar ligado, às coisas reais, pela sua representação sincronizada imaterial mas vizível, a sombra, que se torna, à falta do ser real, a realidade no ser intelectual.
E mellor que ninguém, Platão, na sua célebre "Alegoria da Caverna", nos coloca a quetão da unidade indestrutível estabelecida de forma trancendental entre o humano e a sombra. Colocado o homem, desde sempre, obrigado apenas a ver sombras das realidades que llhe passam por detrás, esse homem tomará inevitavelmente as sombras pela própria realidade. Quer dizer, o homem posto desligado da sua própria existência física, fica impossibilitado de conhecer igualmente, a existência física dos outros homens e objectos. Isto é, fica desligado da realidade objectiva, material, palpável, contudo não deixa de lhe estar ligado, às coisas reais, pela sua representação sincronizada imaterial mas vizível, a sombra, que se torna, à falta do ser real, a realidade no ser intelectual.
Na trindade humana, corpo, intelecto e sombra, a prisão ou imobilidade de um não implica a anulação dos outros, pelo contrário, reforça e agudiza os atributos dos restantes. Vimos da Noite, escuridão, ligados a um cordão umbilical vital que é cortado com a chegada ao Dia, a luz. E nesse momento, outro cordão umbilical vitalício é ligado à nossa existência: a Sombra.
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