quinta-feira, março 04, 2021

A GUERRA COLONIAL: EMBARCAR OU DAR O SALTO. 1

Um camarada de guerra alertou-me para o programa "Outras Histórias - Fui Desertor" da RTP passado no dia 08.02.2021 acerca de dois desertores assumidos da guerra colonial. Logo pensei que teria sido mais uma conversa sobre aquela sempre revisitada discussão indeterminada sobre qual das situações contém maior valor de comportamento e heroicidade; ter ido ou ter desertado da guerra; ou quem contribuíra mais para denunciar a guerra injusta do caduco colonialismo e, desse modo de luta, ajudara fortemente a uma tomada de consciência maioritária dos portugueses contra a guerra. 

Logo após o 25 Abril muitos intelectuais regressados do exílio voluntário uns ocuparam altos cargos nos sucessivos governos e outros as redacções de meios de comunicação e todos quiseram sempre criar uma ideia dominante de que, pela coragem de se oporem e denunciar a guerra injusta e suja nas colónias, eram eles os exilados, os certos e verdadeiros opositores e revoltosos combatentes contra a guerra ao contrário dos que embarcaram e lutaram de armas na mão ao serviço do regime colonialista. 

Entre as duas situações limite, desertor-herói e combatente-cobarde e vice versa combatente-herói e desertor-cobarde, que os mais radicais querem fazer passar ainda hoje haverá, certamente, um lugar histórico que o tempo vai fixar depois que a poeira ainda no ar dos que viveram os acontecimentos, assente definitivamente e se possam reunir todos os dados, relatos, registos e documentos verdadeiros para serem compilados, pensados, interpretados, pesados e julgados em conjunto, comummente, afim de estabelecer o papel e o impacto de cada lado e por fim definir o devido lugar de quem foi quem futuramente na história do país. 

A sentimental história destes dois desertores e sua passagem a salto para França é paralela a milhares de pobres emigrantes que fugiram da guerra e miséria como aquela do Juvenal, um gorjonense que no dia de embarque em 1963, após o desfile no cais, atirou a farda ao rio e tomou rumo à Guarda onde passou a fronteira a salto até um monte espanhol onde esperou uma semana por mais dezassete saltantes (mais dois gorjonenses) e guiados por passadores que se revezavam cruzaram a Espanha por carreiros de cabras por montes e vales sempre a pé até à fronteira de França que passaram de carro. 

A história é paralela mas não igual; O Juvenal era um rapaz pobre, aprendiz de pedreiro que ajudava à casa, já tinha familiares, também idos a salto, a trabalhar em França como apoio imediato para tirar os papéis para obter trabalho no bâtiment e residência no bidonville; os nossos jovens da história contada pela RTP eram ex-alunos da Academia Militar para onde entraram em 1961, início da guerra, e depois são desertores do curso de Oficias Milicianos em 1970 criando na descrição de sua história um hiato longo em branco entre uma data e outra: ter-se-iam demitido da Academia Militar e ido para uma Academia civil e serem incorporados e mobilizados em 1970? 

Desde logo uma diferença enorme de significado dá início ao que aparenta ser uma mesma actitude, dar o salto; os ex-alunos da Academia Militar fogem à desgraça da guerra ao passo que o aprendiz de pedreiro foge à guerra para não juntar uma desgraça à miséria. 

 (continua)

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