quarta-feira, dezembro 16, 2020

ACERCA DO QUE SIMPLESMENTE ACONTECE

Como todos sabemos directamente do nosso existir há os factos que o homem faz acontecer por deliberação própria, por negligência, por imprudência ou ignorância e aqueles que por acaso ou acidente simplesmente acontecem.

Dos factos que o homem faz acontecer, uma vez que são previsíveis, foram criadas as correspondentes leis, regulamentos, códigos, preceitos, recomendações e respectivas punições ou condecorações de acordo com a gravidade, ou bondade, do facto cometido.

E acerca dos factos que simplesmente acontecem; como ajuizá-los? 

Sim, aos factos surgidos inesperada e imprevisivelmente na comunidade como os devemos tratar? Um acidente, uma homicídio por uma disputa casual de um bem, um homicídio por roubo, ferimentos graves por uma disputa mesquinha, matar por loucura, matar por descuido ou em legítima defesa e outra formas violentas de provocar danos e dores a terceiros, como os ajuizar, defini-los e enquadrá-los nas leis dos códigos vigentes? 

Certo, todos os graves crimes de sangue injustificáveis onde intervém a mão do homem e praticado de seu livre-arbítrio terá uma causa motivadora, original que levou ao acto do crime; a justiça apurará os responsáveis mentores e fautores do crime e aplicar-lhe-à a punição devida segundo a lei. Contudo, nos crimes que simplesmente acontecem surge a dúvida se em casos de um sistema hierarquizado, os chefes hierárquicos devem ser também eles corresponsabilizados pelos actos criminosos praticados por terceiros totalmente alheios a si pessoalmente, à entidade organizada que chefiam assim como aos estatutos, regras internas, acções de formação, valores e prática cultural da dita organização. 

No caso do homem morto por alguns subalternos agentes de uma corporação estatal, o SEF, sob que ponto de vista político pode ser corresponsabilizado um governante, neste caso o ministro da tutela? 

Volta-se sempre aos exemplos históricos; qual o crime de Sócrates? Heresia e corrupção (mental) dos jovens atenienses; e foi condenado à morte. Porque na sociedade grega desse tempo não havia um pensamento ou sistema moralista com sansões tais acusações foram sentidas e tomadas como atentado à polis. É claro que tais acusações que condenaram Sócrates se enquadram integralmente no que o pensamento moderno influenciado pelo cristianismo considera, hoje, valores morais. 

Qual o crime de Eduardo Cabrita? Não ter adivinhado que o crime ia acontecer? Bem, digo eu, podia ter perguntado à Manuela F. Leite ou à multidão de oráculos grunhos que pululam por aí e também nos media e sabem sempre tudo acerca do que "estava-se mesmo a ver que ia acontecer" ou "toda a gente sabia que um dia isto ia dar-se" ou aos mais sofisticados como o sempre afofado contentinho tudólogo Daniel Oliveira que, pelo que o ministro "fez" já deu para ter a certeza de que o homem está morto, matado e decapitado pelos oliveiras pois eles já decretaram que o homem não tem cabeça; se o virem por aí será um seu fantasma porque, ele mesmo e a sua persona, estão mortos, enterrados pelos pensadores oliveiras, coveiros de políticos.

A filosofia moral moderna, depois de Kant, perante um facto que simplesmente acontece, do acaso, impensável, questiona-se acerca do "que devo fazer?" no sentido de um "dever" moral e não distingue entre o "ético" e a moralidade. Ora, o processo em curso do combate político, no encalço da moralidade kantiana, já reduziu a política à moral e com esta tenta criminalizar os adversários políticos. 

Precisamente, trata-se de equiparar e equivaler o sistema de moralidade corrente e suas correspondentes "obrigações" morais ao sistema de leis da justiça e seus "deveres" políticos; de imediato qualquer uma obrigação moral é assimilada como um dever político. E, claro, uma vez um "dever político" não cumprido equivale a uma "responsabilidade política" não cumprida levada ardilosamente ao exagero como se fora uma promessa política incumprida, falsa.

Contudo, na realidade, a falsidade está no ardiloso sistema de equivalências entre o político e o moral que igualiza conceitos de justiça inscritos nas leis com preconceitos morais prescritos por parábolas. Pois, o sistema de moralidade preocupado com uma situação particular que, simplesmente acontece surgida inesperada e imprevisivelmente na comunidade, não exige qualquer obrigatoriedade de responsabilidade política indirecta de toda uma hierarquia mas sim da ética e a ética republicana é o respeito e o dever perante a lei da República e não perante mandamentos, epístolas, parábolas, evangelhos ou credos.

Se se entender e aceitar responsabilidades políticas por deveres morais, como é o sentido actual nas democracias, estas estarão condenadas ao desaparecimento em favor dos déspotas à maneira (Maquiavel explicou) das repúblicas das cidades-estado italianas; muito rapidamente se instalará uma corresponsabilização imparável em cadeia hierárquica que não permitirá governar; então atingiremos a tal situação observada cá pelos romanos há séculos; "nem se governam nem se deixam governar", logo é preciso um "imperador-governador-salvador" qualquer.

No caso presente, o facto em questão, pela sua barbaridade medieval concita uma generalizada repulsa de consciência moral e deve levar o Estado a uma reparação condigna. Contudo tal reparação deve ser efectuada sob condições de justiça democrática provados todos os factos e seus aspectos particulares e nunca sob uma chuva diluviana de carpideiras quase a exigirem, por um lado a restituição da vida ao morto e por outro a morte do ministro.

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