segunda-feira, dezembro 07, 2020

ACERCA DO LIVRO "Não me f**** o juízo" de Colin McGinn

O professor de filosofia Colin McGinn diz que a discussão acerca do livro "On Bullshit", (Da Treta) de autoria do filósofo Harry G. Frankfurt, inesperadamente, lhe despertou a atenção para um conceito relacionado mas distinto que era corrente nas discussões coloquiais; "Mindfucking" (f**** o juízo). 

E quando, um dia, após ter feito uma palestra em contexto académico acerca de corpo-mente e consciência em estilo radical para abalar o auditório um colega lhe contou que um aluno da audiência se lhe dirigiu e desabafou que tal palestra lhe "fodera o juízo". Diz Colin que nesse momento compreendeu de imediato o sentido maior do tema da sua palestra e iniciou um estudo mais aprofundado do conceito de não me "f**** o juízo".

Da comparação dos dois conceitos fica a ideia que a essência da treta está na falta de uma preocupação com a verdade e trata-se de "dar tanga" ou "gastar saliva" ou "dar música" num jogo de conversa fiada entre troca tintas para chatear o parceiro; tem sempre o sentido de chatear para gozo próprio e não criar convicções no interlocutor. O foder o juízo pode dar-se no bom sentido de ser uma experiência "reveladora" que nos dá uma nova perspectiva de ver um facto ou assunto e no mau sentido quando é premeditada e executada friamente para perturbar a mente ou fazer uma "lavagem ao cérebro" de outrem; quando é calculada e executada pensadamente segundo métodos de manipulação mental.

Um exemplo benigno de foder o luízo pode ver-se na "Mudança de Paradigma" usada por Thomas Kuhn em "A Estrutura das Revoluções Científicas". Pois em geral as mudanças de paradigma dão-se no sentido da verdade, envolvem mudança profunda de perspectiva, reorientam o pensamento, inspiram choque e admiração, são perturbadoras e excitantes; é citado o exemplo das revoluções de Copérnico e Darwin como sublevação do pensamento, uma revolução na consciência, criação de uma nova realidade.

Como exemplo maior, clássico, de alguém que fode o juízo a outrem dá o caso das ligações entre Otelo e Iago na peça dramática "Otelo" de Shakespeare. Tais ligações levam a relações de sedução, alteração de desejos e consciência, de crenças, sentidos e valores que capturam o outro e o levam até à demência e auto-destruição. Outro caso semelhante que posso citar por impressão própria é o filme "O Criado" de Joseph Losey de 1963 que trata também de um caso de inversão de poder entre patrão e criado sob o signo da vontade de dominação por mudança de mentalidade do outro. É do conhecimento popular as relações entre o ministro e o seu chefe e homens de gabinete na série "Yes Minister" no qual o chefe de gabinete fodia o juízo constantemente ao ministro incompetente e trapalhão.    

Estes são casos, diz, de psicofodas pessoais mas que as há do tipo colectivo, institucionais, em toda a História da Civilização. Estas são relacionadas com doutrinação, propaganda, produção de relações de empoderamento (relações de dependência velada ou óbvia), de logro sistemático ligado a emoções de medo e ódio, de manipulações mentais exploradas por apelos ao ressentimento, ansiedades, mentiras e inversão de valores. O fascismo e o comunismo são exemplos claros mas há de todo o tipo e de sempre; os falsos pretextos da guerra do Iraque de 2003; aquela que os sofistas pregaram a Sócrates e Platão acerca da virtude, o bem e a verdade e a que este nos pregou com o púdico-imaterial "amor platónico"; a gigantesca psicofoda, segundo os pós-modernos, de lavagem ao cérebro que levamos para aceitar a ideia de razão universal e realidade objectiva reforçada pelo capitalismo e religião; os provérbios, frases feitas, lugares-comuns e preconceitos são todos formas de nos foder o juízo, negativamente. Foder o juízo envolve depositar ideias como sementes nos outros, à semelhança do macho-fêmea, para que adquiram vida própria e espalhem pela população.

A verdade, em particular, não é o objectivo adequado da investigação intelectual e ainda menos da política; qualquer discurso que pretenda ser mais do que mera expressão de subjectividade ou solidariedade é em si uma forma de foder o juízo ás pessoas; o discurso de Passos Coelho acerca de que nunca cortaria pensões e salários e que bastava cortar nas "gorduras" do Estado para haver finanças suficientes para resolver os graves problemas do país é o paradigma da psicofoda à portuguesa.     

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