sábado, outubro 20, 2007

AINDA O FUTEBOLISMO, PARTE II


"FUTEBOL E RESISTÊNCIA" EM EDUARDO GRAÇA

O texto de EG sobre "Futebol - Fluxo e Resistência" está, nostalgicamente, salpicado de termos como "lugar de resistência", "papel de resistentes", "espaço de resistência", "manifestações de resistência", tal como num primeiro comentário ao futebolismo dizia que o futebol não podia ser apenas isso porque " ele tem também o seu lado de resistência".
O próprio conceito de resistência retirado do seu texto, legitíma a ideia de que o futebol de hoje não é mais o mesmo da nossa juventude, ao crer que nas pequenas ilhas da Culatra aos Açores, da rua à pequena colectividade de bairro, ainda persiste e se pratica o autêntico jogo, o verdadeiro, e que estes espaços são ilhas de resistência em contraponto aos grandes clubes e modernos estádios. Ora, se o que existe nos grandes centros urbanos e grandes países, já não é o futebol original tal como nos habituámos a gostar até com paixão, é porque o que lá se pratica, já é outra coisa ou tende para para coisa diferente. E é normal dado que tudo flui, tudo está em inapreciável mudança permanente, e não é por acaso que os velhinhos clubes se vão tranformando em SADs, os "peões" em cadeirões, os estádios em salas de espectáculos, os jogadores em valores mobiliários. A essa nova coisa em que se vai transformando o futebol antigo, já nítida e visível à vista desarmada, é que eu chamo o futebolismo. E exactamente porque está em marcha um processo de mudança dos valores do futebol pelo jogo, para uma visão do futebol como um plantel cotado em bolsa, que todos nós que vivemos os tempos genuínos de amor e dádiva à camisola, sentimo-nos defraudados e reagimos intelectualmente por fidelidade à tradição, à pureza original, à antiga alegria do jogo.
Em mecânica, resistência é uma força que se opõe ao movimento, no pensamento de EG será uma força que se opõe ao deslizar do futebol para o futebolismo. A saudade faz nascer em EG a ilusão de que existe uma resistência e trincheiras de resistência algures. Pura ilusão, a mudança é imparável, o futebol foi das primeiras actividades a internacinalizar-se globalmente, isto é, a globalizar-se, sem ter nascido com propósitos globais como os jogos olímpicos. O futebol hoje pode considerar-se como o paradigma da globalização total, em marcha acelerada, e nenhuma resistência a travará, nenhuma força nostálgica saudosa a fará regressar à origem. Mesmo nesses escondidos lugares onde EG vê espaços de resistência, não existe mais que meninos e rapazes, a imitarem as estrelas, a querer ser como elas, a pensar como elas e os respectivos pais mais preocupados com a aprendizagem futebolística dos filhos que a escolar.
O futebol actual perdeu a honra mas mantem muito do seu fascínio, dado que o ingrediente prindipal dentro do estádio, para o grande público, ainda continua sendo o elemento jogo, a imprevisibilidade do resultado, o rasgo de habilidade individual, a beleza das triangulações colectivas, o golo ou o falhanço inesperado, etc. Mas cada vez mais isso vai sendo substituido pelo calculismo, pelas tácticas defensivas, pela violência premeditada, pelo fraude teatral estudada e planeada, pela batotice da droga, mas também e sobretudo pela hierarquização do poder de compra dos clubes. Não se trata apenas do poder de compra de jogadores, que só por si, quase invariávelmente, dita o vencedor à partida, mas também esse poder de compra, por grosso, da massa de agentes que mexem no jogo. Actualmente, por sobre o jogo de futebol, sobrepõe-se o jogo de apostas de resultados do próprio futebol, o que está contribuindo, a alta velocidade, para a compra de jogadores não pela sua habilidade mas pela sua falsidade. E qual pescadinha rabo na boca, as empresas de apostas nos resultados financiam o futebol através da publicidade. O perfeito fluxo em moto-contínuo.
Um dia até esse fascínio que mantem viva a paixão das multidões empilhadas dos subúrbios das metrópoles, e que provoca os fluxos de massas humanas e monetárias e a ilusão de resistência em quem pensa intelectualmente o futebol, tambem definhará, murchará e tranformar-se-à em outras fascinações, igualmente necessárias para a reprodução, em boa ordem, da força de produção do trabalho humano.
Tudo isto a mediatização e seus serventuários escamoteiam e a razão pura transcendental não revela, mas a razão prática apreende fácilmente.

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