CONTRATADOS DE ANGOLA
CÂNTICO DOS CONTRATADOS
A roça Rodrigues & Irmão ficava a 80 kms do Terreiro, Posto de Bolongongo, próximo da nascente do rio Dange numa zona de pequenos fazendeiros de café feitos a braço próprio. Os próprios fazendeiros viviam no centro da zanzala de contratados Bailundos numa casa tipo cubata melhorada de paredes caiadas. Era uma zona bastante inóspita onde a água tinha de ser filtrada e tratada a "alozone", mesmo assim do pelotão destacado, ao fim dos quinze dias previstos, metade do pessoal já tinha contraído paludismo.
Foi neste local que passei o Natal de 1962 e pude assistir à festa que os cerca de cem contratados bailundos da roça, homens mulheres e crianças, fizeram para comemorar o fim do contrato e o regresso às suas aldeias natais no Sul. Na cantina da roça fazia-se a multiplicação do vinho do barril com água, mesmo assim os contratados comeram e beberam da mistura o suficiente para aquecer alegrias corpos e cânticos.
Todos, homens, mulheres e crianças sairam para o terreiro, formaram grupo, e iniciaram um cântico-de-graças pelo regresso à aldeia e casa nativa, feito de vozes, tambores rudimentares, latas, tábuas, pedras, palmas e assobios. Entusiasmado, peguei no gravador mono "okicorder" que tinha comprado em Luanda um ano antes, e acompanhando o desfile cantante à volta da sanzala fui gravando a melodia de contentamento dos contratados.
O Adão, herdeiro desse gravador, usou-o para outras gravações suas quando ele próprio foi para a tropa, tinha conhecimento desta gravação. Agora, passados 45 anos, descobriu a respectiva fita e conseguiu recuperar todos os registos incuindo este feito no Natal de 62 na roça Rodrigues & Irmão em Angola.
Foi neste local que passei o Natal de 1962 e pude assistir à festa que os cerca de cem contratados bailundos da roça, homens mulheres e crianças, fizeram para comemorar o fim do contrato e o regresso às suas aldeias natais no Sul. Na cantina da roça fazia-se a multiplicação do vinho do barril com água, mesmo assim os contratados comeram e beberam da mistura o suficiente para aquecer alegrias corpos e cânticos.
Todos, homens, mulheres e crianças sairam para o terreiro, formaram grupo, e iniciaram um cântico-de-graças pelo regresso à aldeia e casa nativa, feito de vozes, tambores rudimentares, latas, tábuas, pedras, palmas e assobios. Entusiasmado, peguei no gravador mono "okicorder" que tinha comprado em Luanda um ano antes, e acompanhando o desfile cantante à volta da sanzala fui gravando a melodia de contentamento dos contratados.
O Adão, herdeiro desse gravador, usou-o para outras gravações suas quando ele próprio foi para a tropa, tinha conhecimento desta gravação. Agora, passados 45 anos, descobriu a respectiva fita e conseguiu recuperar todos os registos incuindo este feito no Natal de 62 na roça Rodrigues & Irmão em Angola.
É exactamente esse registo musical original, captado pelo gravador mono marca "okicorder", que se reproduz aqui inserido no video anexo, com imagens de Angola da altura.
Etiquetas: contratados de roça
2 Comments:
PORTO, 2007.11.29
MEU CARO ADOLFO,
Aí vai poesia.
Carta De Um Contratado
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos na capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escoindesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....
Eu queria escrever-te uma carta...
Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também.
Porto, 2007.11.29
Mais uma vez, MEU CARO ADOLFO.
Utilizei a tua roça do RODRIGUES & IRMÃO que penso ser de pessoal dos BRACIAIS para utilizar no meu barcosaoalto.
Em troca aí vai mais um poema de ANTÓNIO jACINTO e um abraço do
João Brito Sousa
POEMA DA ALIENAÇÃO
Antonio Jacinto
Não é este ainda o meu poema
o poema da minha alma e do meu sangue
não
Eu ainda não sei nem posso escrever o meu poema o grande poema que sinto já circular em mim
O meu poema anda por aí vadio
no mato ou na cidade
na voz do vento
no marulhar do mar
no Gesto e no Ser
O meu poema anda por aí fora
envolto em panos garridos
vendendo-se
vendendo
“ma limonje ma limonjééé”
O meu poema corre nas ruas
com um quibalo podre à cabeça
oferecendo-se
oferecendo
“carapau sardinha motona
jí ferrera ji ferrerééé”
O meu poema calcorreia ruas
“olha a probíncia” “diááário”
e nenhum jornal traz ainda
o meu poema
O meu poema entra nos cafés
“amanhã anda a roda amanhã anda a roda”
e a roda do meu poema
gira que gira
volta que volta
nunca muda
“amanhã anda a roda
amanhã anda a roda”
O meu poema vem do Musseque
ao Sábado traz a roupa
à Segunda leva a roupa
ao Sábado entrega a roupa e entrega-se
à Segunda entrega-se e leva a roupa
O meu poema está na aflição
da filha da lavadeira
esquiva
no quarto fechado
do patrão nuinho a passear
a fazer apetite a querer violar
O meu poema é quitata
no Musseque à porta caída duma cubata
“remexe remexe
paga dinheiro
vem dormir comigo”
O meu poema joga a bola despreocupado
no grupo onde todo o mundo é criado
e grita
“obeçaite golo golo”
O meu poema é contratado
anda nos cafezais a trabalhar
o contrato é um fardo
que custa a carregar
“managambééé”
O meu poema anda descalço na rua
O meu poema carrega sacos no porto
enche porões
esvazia porões
e arranja força cantando
“tué tué trr
arrimbuim puim puim”
O meu poema vai nas cordas
encontrou cipaio
tinha imposto, o patrão
esqueceu assinar o cartão
vai na estrada
cabelo cortado
“cabeça rapada
galinha assada
ó Zé”
picareta que pesa
chicote que canta
O meu poema anda na praça
trabalha na cozinha
vai à oficina
enche a taberna e a cadeia
é pobre roto e sujo
vive na noite da ignorância
O meu poema nada sabe de si
nem sabe pedir
O meu poema foi feito para se dar
para se entregar
sem nada exigir
Mas o meu poema não é fatalista
o meu poema é um poema que já quer
e já sabe
o meu poema sou eu-branco
montado em mim – preto
a cavalgar pela vida.
Recolha de
João Brito Sousa
Enviar um comentário
<< Home