terça-feira, janeiro 08, 2008

MARAFAÇÕES XXXIX



FASCISMOS

Acontece sempre que o nosso tempo passa e aquilo que foram as nossas utopias cada vez se afastam mais de qualquer realização à vista ou entrevista. Quando jovens sonhadores pretendemos mudar o mundo, se o mundo não muda de acordo connosco, não segue as nossas bandeiras, somos nós que, derrotados, perversamente mudamos de bandeira. No começo somos guerreiros bota-abaixo de todas as tradições velhas, bafientas e desajustadas do nosso tempo, que foram estímulo e força moral para a acção dos nossos avós, até que novos e contemporâeos pensamentos e ideologias se tornem dominantes e informem a acção dos homens em sociedade. Lutamos para mudar as tradições caducas tornadas entraves do progresso e por isso tidas e ditas reacionárias. E por isso dizemos, dos que ainda estão ligados e se regem pelas tradições antigas, que são reacionários ou fascistas.
António Barreto é um caso paradigmático, ele não sabe se o 1º ministro é fascista mas lá vai adiantando que é a mais séria ameaça contra a liberdade e uma tendência insaciável para o despotismo. Isto é, insinua que caminhamos a passos largos para o fascismo, logo quem sinaliza o caminho do fascimo é fascista. Silogisticamente perfeito para dizer, não-dizendo. Como prólogo do seu retrado semanal lá vem passando a mão pelo pêlo dos que lhe chamaram fascista no seu tempo de alentejana Reforma Agrária, para obter o aplauso deles hoje, desculpando-os mentirosamente ao afirmar que o faziam em nome da liberdade. Em nome da liberdade recém-adquirida, Barreto aceitou vir do exílio e ser ministro da agricultura, então em nome de que tipo de liberdade algum povo o apelidava, definia e colocava nas paredes " Barreto fascista" e " lei Barreto fascista" ? Decerto não era a sua liberdade.
Em 1943, aqui na Sociedade Recreativa dos Gorjões, havia um letreiro-aviso à porta da sala de baile onde se proibia: ter o chapéu na cabeça; cuspir no chão; fumar na sala de baile. E todos aceitaram essas imposições e para os desrespeitadores lá estavam os homens da Direcção. Para os hábitos daquele tempo, num meio rural analfabeto e costumes sanitários ligados à estrumação da terra, foi um avanço civilizacional importante para o sítio. O hábito de cuspir no chão ainda hoje se mantem apesar de há décadas ser motivo de chacota de estrangeiros e estrangeirados. Numa disputa cuspir significa desprezo pelo outro, talvez nos portugueses cuspir para o chão queira significar o constante escárneo e mal-dizer e permanente insatisfação com o seu próprio país.
Barreto, Pulido Valente, Sousa Tavares e tuti quanti, face ao desuso e iminente queda das tradições que fizeram e fazem a sua delícia diária, reagem inflamados de moral e paternalismo, clamando que o fascismo está em marcha e só o medo impede o povo de declarar guerra. Esquecem-se estes palavrosos senhores que a maioria já não é fumador e está-se nas tintas para os prazeres pessoais e vícios de charuto significantes de poder e abastança.
Hoje, tais pessoas, ao quererem manter tradições ultrapassadas para uso e gozo pessoal, tornaram-se reacionárias, o fascismo está na sua mentalidade envelhecida agarrada aos velhos costumes e hábitos que entretanto entraram em perda na caminhada da convivência social. É dentro de si próprios que devem procurar o fascismo e não nos outros ou na Lei.

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