segunda-feira, fevereiro 16, 2009

"CANTOS"


DO CISNE, DA SEREIA.
Alguém me respondeu "que muito pior que o canto da sereia, que pelo menos até é melodioso, só o canto do cisne, esse sim terminal e a marcar o fim de uma maneira de ser". Hoje, de repente, dei comigo a pensar no assunto. Assim :
Antes de mais, retirarei da frase o final, "e a marcar o fim de uma maneira de ser", por ser descabida, dado que o canto do cisne não termina "uma maneira de ser" mas pura e simplesmente o ser (do cisne). O cisne, como animal irracional apenas tem ser instintivo, e nunca "maneiras de ser", que é exclusivo único do ser racional pensante. Estava na frase porque dava jeito para fechar, de acordo, com a formulação da tese defendida na argumentação. Está ali como figura de retórica.

Nunca ouvi o canto do cisne, mas dizem que é o canto antes da morte, será o canto último, um aviso por belo-canto para anunciar a chegada da morte. Será, por conseguinte um canto terminal como diz o autor da frase. Mas não um canto piedoso, pois diz-se que também é um canto melodioso imperial, um Réquiem mozartiano, uma despedida em beleza. O cisne tem grandeza, à hora da morte é um artista de génio, anuncía a morte com um canto de trombetas mavioso e não com um canto de medo choramingas. O cisne na hora da morte é um herói. E sobretudo é verdadeiro, o seu suspiro de morte cantado, alerta para a verdade imparável que é a morte certa de quem é vivente. O cisne é autentico e sem resquícios de ingerências ou subterfúgios no seu canto.

Também nunca ouvi o canto da sereia, mas diz a mitologia e a literatura, que é maravilhosamente belo e melodioso à vista e ouvido humano. Contudo, diz o mito e o seu uso literário, que o seu canto é divinamente irresistível e encantatório para levar à perdição quem o ouve. O seu canto é, portanto, uma ilusão traiçoeira, um feitiço de engano, uma atracção fatal, uma armadilha, uma falsidade. Tal como a víbora, produz um encantamento para conduzir o encantado à sua boca, propositada e artificiosamente para satisfazer a sua fome, a sereia encanta para satisfazer a sua fome de vingança. Ao contrário do canto do cisne que é didático e heróico, o canto da sereia é embuste destrutivo e malévolo crime premeditado. Afinal o cisne não mente, é sempre cisne; a sereia é em sí mesma uma mentira, nem é peixe nem é mulher.

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