quinta-feira, setembro 02, 2010

O ELOGIO DE QUARTEIRA II


No princípio era o caos depois foi o big-bang
milhões de anos de fogo sem vida ou sangue
uma natureza bárbara horrível sob fogo
em bolas incandescentes à solta no espaço
livre sem limites sujeições ou regras de jogo
escolásticas morais éticas ou grosso calhamaço
académico de juizos estéticos sobretudo
porque o homem estava ainda a milhares
de milhares de anos de nascer e ter olhares
sobre um mundo criado cego surdo e mudo.


Reunidas as condições e massa crítica surgiu
tremulante célula ser mínimo mãe que pariu
o reino vivente incluído este macaco racional
comedor papa tudo primeiro a pensar a natureza
dos sentidos e de olhos abertos sentiu a beleza
à vista e vida feliz nela na sua idade inicial
até experimentar a necessidade e o perigo
para sentenciar de vez com o seu umbigo
que existir e viver era belo belo não fora o mal
ser obreiro do mundo. Preso deste original
pecado congénito foi de macaco a macacão
pela esperteza de nomear tudo dar atributos
dominar o pensamento para os mais astutos
submeterem o macaco-pobre seu irmão.


Atribuiram conceitos de bem-mal feio-bonito
bom gosto-mau gosto popular-erudito
belo-horror magnífico-estúpido estrumeira
-jardim enfim criaram estéticas na pista
de sua escola imaginação ou ponto de vista
cultural tido superior vanguarda sobranceira
abrilhantada por companheiros de carreira.


Assim ao homem feio nu esteticistas zelotas
taparam com parras peles e panos os pelotas.
Às figuras inscritas na rocha pelos paleolíticos
ditaram; infantilidades uns ignorância os críticos.
À imortal beleza inscrita em pedra nos frisos
Parténon o sapiens fez paiol sob palmas e risos.
Ao simples surgir do inédito "boca-de-xarroco"
carro invulgar povo e eruditos "fizeram-pouco".
Outrotanto com o "ora-bolas" do espanto ao oh!
para mais tarde decretarem espantos de pópó.
A merda qualquer que seja é sempre merda
salvo se for merda de Duchamp que é soberba.


Coberto de tese filosófica simbolismo fetiche patine
estético-metafísica até o porno volve sublime
arte para mestres dos mistérios do ser e não ser
do digno e não digno do belo e não belo da gnose
e do vulgar da mente superior em culta overdose
e da gente piolhosa que se atreve mudar e erguer
em aldeias piscatórias da fome outro lugar e viver
outro espaço outra forma outra originalidade
outra fome menor outro ser social outro tecido
económico outro salto em frente ganho obtido
sobre elites poderosas que alheias à necessidade
gostam desejam querem fazer ninho e pôr ovos
em ambiente reservado fora do pagode dos povos.


Eram os chalés elites na praia criadas na praça
serrenhos e montanheitos em toldos de lencóis
com farnéis de garrafão e fogareiro braços dois
a dois tirando barcos do mar pescadores à caça
de restos com moscas pelas tascas escuras sujas
decoradas com pilhas de remos redes enfusas
d'apanhar polvo copos de vinho e peixe agulha
seco sobre mesas de oleado oleadas a peixe frito
alimento parco dos homens corajosos e esp'rito
forte ditos "homens do mar" mar mãe e pulha.


Homens da pesca à intempérie do sol e chuva
foram homens do mar ou homens de viúva?
Quantos destemidos devido à fome e penúria
tiveram de enfrentar o mar revolto em fúria?
Perdidos nas covas das ondas na faina do arrasto
sobre barquitos a remos e sem porto de abrigo
farol ou rádio apenas sujeitos ao mar inimigo
sepultura mole de quantos ficaram no cadastro
de exactos "homens do mar" os do peixe pasto.


Um mundo estático igual como sempre tenha sido
é sonho de aristocrata em busca do tempo perdido.
Manter aldeias no atraso turístico "very typical"
fotográfico é o sonho catita da snobeira intelectual.
A memória guarda o vivido o futuro é um gatuno
que nos rouba o passado bonito é uma maldade
do tempo que apaga o vivido e dá vida à saudade
lamúria retrospectiva de quem foi feliz com Juno
em céu limpo e agora só vê nuvens e mau tempo
sobre o que outrora fora "giro" e hoje é lamento.


A arte popular sempre assim foi: começa maldita
resta maldita gerações até virar cartão de visita
para mais tarde um novo histórico arremesso
a transfigure novamente no sentido do progresso.
E nova escola estética irá levantar-se contra
tal nova "popularunxada" e de dedo em riste
aponte saudoso entre o que foi e já não existe
mais e o contraste entre ser pilha ou ser montra.
A tal snob gente que quando mui lhes convém
aval do povo soberano se fingem submissos
beatos deixemo-los com os seus gostos postiços
tanto que lhes faz o povo mal cheiroso cheirar bem.
E a toda manhosa raposa quadrúpede personagem
que te qualifica de lugar horrendo que não presta
pedimos que cá não venha estragar ao povo a festa.

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