segunda-feira, setembro 19, 2011

JOSÉ CRISTINO, O CONTÍNUO "CRISTINA" E Ti CRISTINA "O EMPREGADO D' ESTADO"


LICEU CENTRAL DE FARO, ANOS' 50

Depois de seu nascimento em 1836 como Liceu Nacional de Faro e oficializado em 1851 por D. Maria II, passou a designar-se em 1911 de Liceu Central de Faro e em 1929 de Liceu de João de Deus, ao mesmo tempo que ia crescendo e mudando de instalações.
Em 1941 é decidido construir, para visibilidade da grandeza do "Estado Novo", no Alto de Santo António, um grande, moderno e vistoso edifício para albergar o centenário Liceu criado em 1836. Inaugurado em 28 de Abril de 1948, o novo e monumental edifício abraçando e olhando a Cidade lá do Alto do santo e António, foi baptizado de novo como"Liceu Central de Faro".
De registar que este invulgar edifício para a época, foi construido com brilho técnico pelo empreiteiro de obras públicas Eduardo Pinto Contreiras, um ilustre gorjonense, aluno continuador da escola de "empreiteiros de estradas" criada por seu avô e parentes do Estanco nos Gorjões.


Para a equipa de "contínuos" do Liceu acabado de inaugurar, comandados pelo chefe Paulino, entra o nosso conterrâneo gorjonense Sr. José Cristino, logo no início dos anos cinquenta baptizado, reconhecido e apontado pelos alunos como " O Cristina".


Sempre direito e impecável, quer envergando a sua farda de cotim ou de gala com as suas estrelas, botões e escudo nacional dourados bem à vista na farda e boné oficial, o contínuo "Cristina" marcava a sua autoridade e respeito só pela sua presença junto dos alunos. Talvez imitando o severo reitor Ascenso, também ele andava pausadamente, muito direito, mãos atrás das costas e cabeça levantada para tornar visível aos alunos a sua figura investida de uma autoridade que era para ser respeitada completamente.
E, realmente, os alunos num misto de medo e respeito, onde se apresentava "O Cristina" logo, qualquer indisciplina de comportamento à severa regulamentação não escrita mas duramente aplicada e sentida, terminava sem que o nosso contínuo precisasse de abrir a boca ou fazer um gesto: o ambiente social repressivo da época aliado do seu ar sério e pose ríspida faziam imperar a disciplina nos corredores e recreios.


Contudo, " O Cristina", que cultivava o uso de uma máscara de pessoa dura para pôr em respeito os alunos, era na verdade um homem que não fazia mal a uma mosca. Bastava-lhe a exibição dessa máscara de "cara de ferro" para obter o resultado eficiente de obediência a que era obrigado pelo patrão Estado.
Muitas vezes, observando atentamente, depois de imposta a boa ordem pela sua presença, raramente não se via no seu rosto um sorriso maroto seguido de uma observação benevolente para com os alunos "garotos cheios de malícia". Sendo o contínuo responsável pelo laboratório de Física ou Quimica, ajudava outro mausão "cara de ferro", o professor Pestana de Olhão, nas experiências de Torricelli sobre pressão atmosférica, sobre vácuo ou combustão e outras, e nesses momentos de ajuntamento e curiosidade dos alunos, brincava e trocava palavras de simpatia e bondade com eles, demonstrando-lhes afecto e amizade.


O mesmo se passava nos Gorjões, sua terra natal e onde sempre residiu. Conhecido como "Empregado d' Estado" pelos gorjonenses, fazia gala de nas tardes de Verão fardado a preceito e puxando com uma mão a sua velha pasteleira, passar a pé frente ao povo local reunido na rua junto das tabernas bebendo ou jogando às cartas, metido na pele de um ar acima de trabalhador rural, mais por força do hábito que por sobranceria, e respeitosamente cumprimentava todos e por todos era igualmente considerado e respeitado.
Nesse momento ao seu rosto assomava um sorriso quase imperceptível de felicidade que se percebia, lhe inundava a alma.
O povo todo do Lugar de Gorjões, novos e velhos, conheciam a sua história de luta honesta feita de força de vontade e resistência contra a adversidade quando, de sete filhos nascidos apenas sobreviveram dois, e mais tarde a coragem de aprender a ler e escrever como adulto e auto-didata para poder vir a ser contínuo e "Empregado d'Estado", com emprego e ordenado certo.

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