sábado, dezembro 24, 2011

GORJÕES E SUA GENTE

JOSÉ DE SOUSA MALAQUIAS

José de Sousa Malaquias, o Tí Malaquias, foi homem das vinte e tal partidas e outros tantos filhos espalhados por meio Portugal .
Contava ele que começou de garoto analfabeto a trabalhar com os empreiteiros de estradas cá da terra. O trabalho nas estradas levou-o para muitos lugares do Algarve e Alentejos com paragens longas em diferentes e estranhas aldeias de muita gente, seu semelhante de humilde condição humana.
Tí Malaquias era vivo como pardal, esperto como raposa e saudável como o sol, tal como se atirava ao trabalho duro de de sol a sol, aproveitava todos momentos de conversa ou convivência com a gente local para pesquisar companhia afim de se libertar da solidão e prestar louvores e honras ao amor. E, metido na sua própria personagem humilde, sem disfarces como Zeus fazia, com artes ancestrais de masculinidade atiradiça, sempre conseguia amparo para a cozinha, cama e roupa lavada.
Com muita genética intrínseca para tentar mulher, com os anos apurou a arte e por onde passou deixou a marca maior de prova de homem: descendência de seu sangue.

Já entrado e aleijado de uma perna por acidente devido à bruteza do trabalho, regressou a casa do pai que vivia com uma mulher ainda jovem. Quando o pai faleceu tomou conta da madrasta do mesmo jeito, vivacidade e alegria com que cuidara das várias companheiras que tivera. E, igualmente, deixou marca de carne viva com alma de Malaquias dentro: filhos gente, que eram irmãos de seus irmãos.

Já velhote, arruinado das pernas e do alcool, só e sem saber dos inúmeros filhos de pai incógnito que pusera no mundo vivos, incluindo os feitos e criados aqui, veio viver para o Alto usando como sua casa uma velha furgoneta abandonada. Já sem capacidade de virilidade para conquistar o amor humano, dedicou-se a uma cabra que o seguia para todo o lado, incluindo a taberna, e era, juntamente com a garrafinha de decilitro de aguardente de medronho, sua companhia de dia e noite.

Sem um queixume ou lamentação, sem uma imprecação aos homens ou ao céu, sem conhecer médico e remédios, tendo a cabra ao lado como agasalho e único bem, uma noite luminosa de bondade o cobriu de sombra e carinhosamente o levou suave e docemente, porque alma tão leve e livre não aceitava desligar-se de tal corpo tão cheio de natureza.

Etiquetas: