quinta-feira, outubro 31, 2019

RICARDINO BEXIGA, POETA PENSADOR DA AMIZADE COM BALANÇA


É um dado adquirido que a poesia popular exprime a alma do povo e não podia ser de outro modo pois o poeta popular expressa, por via da quadra, sua inquietação num diálogo mental constante entre os seus sentimentos próprios de justiça, moral, trabalho, costumes, tradições, convivências pessoais face à realidade de sua experiência e vida quotidiana totalmente embebida e circunscrita ao povo real anónimo que trabalha e emigra para sobreviver.
Os seus juízos de valor serão, inevitavelmente, concebidos e feitos dessas massas mentais variadas e contraditórias vividas no dia a dia que questionam o sentimento do poeta acerca do que é e conta para todos em abstrato e do que devia ser para contar para si em concreto.
Então o poeta popular expressa-se por versos feitos de grande simplicidade através de linguagem do povo comum  sem conceitos elaborados nem preconceitos mas que, quantas vezes, não atingem a profundidade da mensagem dos grandes poetas e estudiosos das ideias filosóficas.
O Poeta Ricardino Bexiga que neste livro constrói a sua poesia sobre temas dos seus diálogos do dia a dia com o outro seu companheiro e interlocutor do momento, à maneira de Aleixo, igualmente se inspira neste grande poeta popular para construir a sua mensagem de valores.
Veja-se este belo exemplo elucidativo disso neste poema "não emites" que questiona aquele que nós, na gíria da vida prática, chamamos de fala barato; 
     
Nele ressalta a quadra " Tu ás vezes não te calas/E falas muito sem pensar/Se não sabes do que falas/Não fales por ouvir falar".
Ora o moderno e famoso filósofo Wittgenstein escreveu o afamado "Tratado Lógico-Filosófico (1921) que termina como resumo do tema tratado, precisamente, com a frase "Do que se não pode falar, é melhor calar-se" no sentido de que acerca daquilo que não se sabe, ou só se sabe por ouvir dizer, mais vale ficar calado, tal como nos ensina o nosso Poeta Ricardino.
Também na quadra do mesmo poema onde diz "Há muita gente repêsa/De dizer, mas sem saber/Tu se não tens a certeza/Não digas por ouvir dizer" o poeta interpreta a ideia socrateana/platónica de questionar os que julgam saber mas apenas têm uma opinião por sentimento ou ouvir dizer e, mais uma vez, aconselha-os a ficarem calados.
O seu amigo, também poeta e camarada de muitas tertúlias poéticas pelos cafés da Freguesia, José Vitorino Murta Sousa dedica-lhe a seguinte quadra, "Há um poeta em Bordeira/No improviso é um senhor/Rima rápido e na brincadeira/Mas também é pensador".
Neste seu livro de poesia manuscrita, também uma forma de nos informar acerca das suas impressões digitais de poeta popular, coexistem dois modos de poetar que aliás estão contidos no título: uma, "correndo", que é descritiva e conta suas viagens, corridas e andanças como marinheiro embarcado e outra que é "aprendendo" na qual nos dá conta, precisamente, dos pensamentos nascidos da sua outra corrida de encontros e diálogos casuais com amigos ou desconhecidos que lhe deixaram impressões com valor moral forte que o obrigaram a pensar e dar resposta nestas quadras/poemas.
Este é o lado que levou o amigo Vitorino a dizer-nos que o nosso poeta, além de "começador" repentista e brincalhão de "Charolas" e despiques ocasionais também é pensador e com propriedade.
Ortega y Gasset é que tem toda razão quando diz que "eu sou Eu e minhas circunstâncias" e não o mal assimilado conceito absolutista do poeta Aleixo quando afirma que "é simplesmente o produto do meio onde foi criado".
Como todo o homem intelectualmente normal capaz de formalizar raciocínios e juízos lógicos, isto é, possuidor de um Eu ontológico a funcionar bem, reage ao meio onde foi criado e a própria poesia doída do poeta Aleixo é a prova provada da sua reacção incontida contra o "meio onde foi criado" e com total sucesso. Teria sido simplesmente o produto do meio onde foi criado se apenas se limitasse a deixar-se levar pelo "meio" e tivesse sido apenas e sempre o anónimo trabalhador rural analfabeto, pastor e cauteleiro mas, felizmente para ele e para nós, pelo poder intelectual poético do seu Eu reagiu à miséria do "meio" e o contestou sob a forma de quadras poéticas sublimes que fizeram dele um homem maior que todos os homens ricos juntos de Loulé que faziam chacota e se riam dele.    
Também o nosso poeta Ricardino que, ao contrário de Aleixo, teve andanças e foi andarilho por diferentes meios e ambientes sociais é, igualmente, um produto desses vários meios mas é sobretudo o ser que pensa reagindo ao "meio" e respondendo como poeta.
Pode dizer-se que um poeta é, necessáriamente, e antes de tudo um ser pensante. O nosso poeta Ricardino sente tanto essa necessidade que até se atreveu a "quadrar" um mote de Pessoa servindo-se da quadra que traduz um dos mais requintados e difíceis pensamentos puros do grande poeta; e não se sai nada mal.
Mas é também um pensador de invulgar profundidade quando, em resposta ao seu amigo poeta Vitorino que lhe propõe a ideia de que, "se a nossa amizade tem algum peso/Não me tens nada a pagar", o nosso poeta Ricardino elabora uma imagem conceptual pura de subtil e soberbo efeito poético acerca do conceito de amizade ao afirmar que "A balança da amizade/não pesa como as demais". 
Por esta e outras coisas simples mas belas que já fez para nosso deleite o poeta Ricardino merece que todos que gostam de poesia se metam no prato da sua balança da amizade.    

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1 Comments:

Blogger sergio said...

Boa tarde Adolfo, vou partilhar no Facebook. Obrigado.

6:44 da manhã  

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