sexta-feira, agosto 14, 2020

PITÁGORAS, O VISIONÁRIO DO NÚMERO



"Quando podemos medir aquilo de que falamos e exprimi-lo por números, sabemos alguma coisa, mas se não podemos medir e exprimir o de que falamos em números o nosso conhecimento é débil e insatisfatório"
                                                                                                   Lord Kelvin

Falei do Lucas no post anterior como alguém de uma intuição singular para a matemática; compreendê-la, trabalhá-la, transmiti-la, ensiná-la. O Lucas não pôde ir estudar para Lisboa e continuar uma carreira no estudo da matemática o que, certamente, teria sido muito bom e útil para a matemática.
Nos finais dos anos'50 a ideia do turismo e alguma abertura na economia fez que os Bancos viessem em peso para Faro e o Lucas, terminado o 7º ano do Liceu, empregou-se num desses Bancos que chegavam atrás uns dos outros.
O Lucas morreu poucos anos depois sem poder cumprir em pleno a função indicada ás suas faculdades de inteligência e intuição inata: apenas lhe foi concedido o curto tempo de explicar a matemática a alguns, tal qual ela é sem artifícios, claro jogo de lógica pura posta à inteligência dos humanos. 
Se do Lucas só posso dizer que foi o meu bom Mestre na matemática liceal posso, contudo, falar genericamente do primeiro génio sábio conceptual da matemática.
 
Pitágoras de Samos, 572(?)-497a.C. foi o primeiro grande génio e visionário matemático universal a defender a ideia místico-científica de que, uma vez que as formas sensíveis eram mensuráveis, e são os números que exprimem essa medida, cada coisa tem o seu Número, logo esta singularidade das coisas sensíveis constituiria o símbolo da alma própria de cada coisa.
Tales de Mileto, 640(?)-546 a.C., foi o primeiro sábio a tentar procurar a origem misteriosa da matéria tentando pela primeira vez, ir além dos deuses e mágicos, procurar a matéria-prima do universo, o primeiro princípio de tudo que tudo explica e encerra em si próprio a sua própria explicação! Diz a tradição que foi o primeiro a dedicar-se à astronomia e geometria e até teria ensinado a medir a altura das pirâmides aos egípcios através das figuras geométricas das sombras projectadas no plano da terra.
Tales foi Mestre de Anaximandro e Ferecides que, segundo consta, por sua vez foram Mestres de Pitágoras que o teriam iniciado nos rudimentos da astronomia e geometria a qual o levaria à teoria dos números onde o Número seria a tal matéria-prima e primeira causa explicativa procurada por Tales.
Místico religioso e estudioso fanático, para Pitágoras o Número é tudo; o universo mais não é que uma harmonia de números; deles tudo provém e a eles tudo volta; eles são o princípio, a fonte e a raiz de todas as coisas; a presença e a distância das coisas dos seres e do mundo.
A lei do Número domina nos astros, cujas distâncias, grandezas e movimentos são regulados por relações matemáticas, geométricas e numéricas, domina nos sons cujas relações de harmonia obedecem a leis numéricas fixas; domina na vida, onde o bem-estar físico e ou moral resulta de uma proporção harmónica dos elementos.
Essência de todas as coisas, aquilo que as torna o que são, o número torna-as susceptíveis de uma representação matemática de que decorre a sua plena inteligibilidade.
  
Essência de todas as coisas o Número não é apenas uma colecção; é também uma figura, com estrutura geométrica; o um é um ponto, o dois uma linha, o três uma superfície, o quatro um volume. Pela sua estrutura geométrica o número pitagórico possui uma individualidade própria que exprime as relações da parte e do todo no interior de uma harmonia. A música encerra em si mesma toda uma aritmética oculta e os seus estudos sobre escalas, harmonias e sons serviram-lhes de ponto de partida para sublinharem o papel desempenhado pelo número e pela proporção, subjacente a toda uma concepção do mundo que os informava.
O mundo seria como uma lira de sete cordas. Ordenado harmoniosamente, os corpos celestes que o compõem estão distanciados dois a dois segundo as proporções dos sons componentes, produzindo, pelo seu movimento e velocidade de sua revolução, sons harmónicos que constituíam os sons fundamentais que, por serem assim desde sempre e ininterruptos, não seriam apercebidos pelos humanos.
Pitágoras disse que os astros se movimentavam em círculos ou esferas pois que na esfericidade se afirma a beleza e perfeição característica da harmonia de que são dotados. Esses astros eram a Lua, Mercúrio, Vénus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno que com o círculo das próprias estrelas e o círculo da Antiterra seriam ao todo dez, reproduzindo em si a perfeição da chamada Tetraktis ou Década,  número divino dotado de poderes extraordinários sob o qual se prestava juramento na escola pitagórica de Crotona na Sicília.
Esta ideia dos astros em movimentos circulares segundo uma harmonia perfeita inalterável representa uma concepção cosmológica orgânica quase como Newton a previu e concebeu os cálculos matemáticos da relação de forças e distâncias entre astros que determinam o seu equilíbrio, a sua harmonia.
Por outro lado, Pitágoras calculou a ordem dos planeta segundo uma distância crescente em relação à Terra o que, conjuntamente com a ideia dos movimentos circulares dos planetas segundo uma organização harmoniosa, fica implícita que a Terra é um globo que gira suspenso no espaço.
Este conjunto de cálculos e dedução de ideias acerca dos Planetas constitui uma insuficiente mas clara primeira teoria do sistema solar de que se tem conhecimento. Foi Aristarco de Samos, pitagórico, por volta de 260 a.C. que primeiro afirmou que a Terra girava em volta do Sol e foi quando ensinava astronomia ptolomaica na Universidade de Roma que Copérnico tomou contacto com as ideias pitagóricas de Aristarco e com base nelas se retirou do ensino e dedicou-se  sacerdotalmente á sua nova teoria heliocêntrica dada à luz no seu tratado "As Revoluções das Esferas Celestes" em 1543.       
A harmonia pitagórica dos números e dos sons estendeu-se aos estudos arquitectónicos na elaboração das melhores relações de proporcionalidade entre dimensões de grandes construções. Diz Aristóteles que o médico-filósofo discípulo da escola pitagórica, Alcméon de Crotona, introduziu o pitagorismo em medicina através de relações claras entre o cérebro e os orgãos dos sentidos e o primeiro a assinalar a diferença entre artérias e veias sanguíneas.
Além da descoberta luminosa do universal Teorema de Pitágoras este, nos seus estudos de geometria descobriu que a relação da diagonal do quadrado com o lado era incomensurável por uma relação p/q sendo estes números inteiros e concluiu que essa relação era dada por Raiz Quadrada de 2; Pitágoras chamou-lhe os incomensuráveis, de que pi é o exemplo típico, e na matemática moderna são os números irracionais.

Formidável é que Newton só em 1687, mais de dois mil anos depois estabeleça, matematicamente, as relações de força de gravidade e distâncias entre planetas para explicar a sua harmonia e que Einstein 2500 anos depois, basearia a sua obra num entendimento pitagórico do cosmos, reduziu a relação científica energia-matéria a uma reduzida formula numérica.
Contudo, ainda mais fascinante é o desenvolvimento da filosofia analítica segundo a lógica moderna de Gottlob Frege e Bertrand Russel. Uma das realizações alcançadas por Frege, para além do derrube da lógica aritotélica, é a demonstração da continuidade profunda entre a lógica e a matemática.
Frege, como matemático, desacreditara na teoria kanteana de "que toda a verdade matemática é sintética a priori" e propôs-se demonstrar que as verdades aritméticas não são sintéticas mas analíticas, no sentido em que se seguem de leis da lógica tão básicas que negá-las seria incorrer em autocontradição. E, de forma complexa mas inteiramente lógica, derrubou as proposiçõs de Kant como as proposições kanteanas sustentadas de J.S.Mill de que "as nossa ideias dos números são abstracções a partir da experiência". A isso Frege perguntava "O que sãos números? São objectos? São propriedades? São abstracções? E demonstrava, por contradição, que qualquer destes conceitos não podiam incluir, segundo uma lógica analítica, a verdadeira identidade número.
Os pormenores da teoria fregeana são extremamente complexos e incomprensíveis para adeptos iniciados da matemática, como quase nós todos e eu. Certo é que nas mãos de Russel e de Wittgenstein a concepção fregeana da lógica e da matemática havia de dar lugar a uma nova epistemologia, a uma nova metafísica e a uma nova visão da argumentação filosófica.
Seria ainda, no tempo de Pitágoras, uma ideia místico-religiosa dizer-se que o número era a alma do mundo, contudo, é hoje claro a todos que o número é o fundamento e o objecto (a alma) da matemática e da ciência.

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