domingo, novembro 29, 2020

OS ANTI-SISTEMA NÃO TÊM SISTEMA?

Haverá na realidade da vida prática uma organização sem uma ideia base modelo de um sistema de funcionamento? 

A observação da realidade faz-nos crer que em todo o modelo de organização há um sistema: parte do povo fala acusatoriamente de cada sistema como sendo um cancro com ramificações metastésicas no interior do corpo da sociedade que a torna doente e leva ao apodrecimento; casos típicos são o muito falado e acusado "sistema" do futebolismo, do judicialismo, das adudicações de obras públicas, do financeirismo, da traficância de influências e, sobretudo, da política e do partidarismo. 

Os filósofos e a filosofia, desde a sua origem até nossos dias, com base no método céptico ou na dúvida metódica criaram, cada um, o seu sistema de conhecimentos lógicos ético, físico e metafísico de crítica e oposição ao sistema dos predecessores, sucessivamente até hoje. Alguns, criadores de sistemas filosóficos que foram fundamento de utopias sociais as quais sempre que postas em prática foram combatidas e repudiadas, desde Platão a Marx passando pela iluminista revolução francesa a qual após o derrube do sistema monárquico passados apenas dez anos já tinha à frente da nação um sistema montado à volta e sob a tutela de um imperador com poderes absolutos.

Marx, na sequência de antigos filósofos que acusaram o Estado de ser um sistema ao serviço dos poderosos contra os mais fracos, após estudos aturados, concluiu que o mesmo era, precisamente, a super-estrutura dos sistemas de poder. Farto de estudar explicações acerca dessa super-estrutura do sistema do mundo queria transformá-lo; actualmente, isso já não chega, há quem pretenda, não uma transformação, mas sim uma destruição.

São os auto-proclamados libertadores combatentes anti-sistema. Proclamam que no actual "sistema" democrático todos os políticos exploram e roubam os mais pobres fazendo-os viver na miséria enquanto se governam e enriquecem; os políticos são vistos como as árvores a quem basta serem implantadas no terreno certo para criar fortes raízes e dar belos frutos que depois são desfrutados a belo prazer e proveito próprio. Para tais libertadores salvadores dos desgraçados pobres roubados e oprimidos pelos corruptos todo o mal tem sua fonte no sistema generalizado, instalado e explorado pelos corruptos políticos que, claro, são todos com excepção daqueles que dizem ser anti-sistema e se fazem passar por incansáveis combatentes contra a dita corrupção dos outros, os corruptos.

Contudo, tais falsos combatentes organizam-se segundo um sistema de ideias e acções para combater os corruptos e jamais, nem levemente, falam do seu sistema operatório para derrubar e destruir a corrupção e muito menos acerca de que modelo anti-sistema ou não-sistema dispõem para manter o poder contra os corruptos destronados e os eventuais corruptos do novo poder à espera de vez. 

O que observamos nesses tais combatentes libertadores-salvadores é tecerem um nada claro "sistema" através do qual proclamam suas ideias aos quadro ventos; que tais ideias proclamadas incluem ameaças veladas e directas ao sistema democrático; que, sem o nomear e escondendo-o, afinal o que nos dizem é que não querem o sistema eleito pela vontade da maioria mas sim um sistema escolhido por eles próprios e concebido à sua imagem ideológica anti-democrática; que são apenas contra o sistema de livre escolha e querem implantar o sistema de controlo total da sociedade por eles próprios executada de forma policial; que detestam as leis de garantias dos cidadãos em favor da lei arbitrária; que, toscos intelectualmente, são incapazes de compreender a complexidade das ideias e conhecimento actuais para dirigir a sociedade democrática; que, dadas tais deficiências mentais, actuam por proclamações tipo pregoeiros de rua vendendo de borla agora o que depois vão cobrar "n" vezes mais mais tarde, oportunamente.

A luta anti-sistema, feita de formulações e propostas simplistas de acabar com o mal aniquilando-o ou metendo-o nas prisões à força, é a mesma de todos os sistemas utópicos e déspotas de sempre; é o pensamento maniqueísta reduzido à dualidade moral entre bem e mal; que o mundo é o palco de uma batalha entre o princípio do bem e princípio do mal: logo, prende-se ou aniquila-se o mal de raiz e assim resta apenas o bem sob o céu; afinal, o método usado pelos anti-sistema é, precisamente, aquele que combate o mal pelo uso e abuso da maldade humana, pura e dura.

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