A NÃO GUERRA DE PACHECO PEREIRA
O QUE MOVIA QUEM FOI E QUEM RECUSOU A GUERRA COLONIAL?
-A guerra engendrou o mundo, reina sobre o mundo-, disse Heraclito no princípio do século V(a.C.), no sentido de que o mundo (cosmos) é o teatro de uma luta incessante entre elementos opostos, e esta luta gera uma mudança perpétua. Ontem, mais através da guerra violenta, hoje mais através da guerra de idéias, o conflito de perpectivas opostas sobre as melhores soluções é o grande princípio gerador de evolução e desenvolvimento intelectual e material. Também a causa má, a ditadura, que levou à guerra colonial, gerou uma consequência boa, a queda da ditadura e a instauração da liberdade democrática, condição sem a qual não seria possível as benfeitorias de que o país beneficiou. A ditadura levou-nos obrigados à guerra e a guerra gerou no seu interior as condições de acabar com a própria guerra acabando com a causa da guerra, o regime ditaturial existente.
Quer isto dizer que devido às contradições geradas pela guerra no seu seio, foi possível a criação de um espaço de liberdade para originar um movimento de opinião e discussão da guerra. Foram os contínuos mortos e feridos sem soluão de parar que fez os militares repensarem a questão da guerra e tirar conclusões. Sem o sacrifício de milhares de Soldados a tomada de consciência dos comandos intermédios despolitizados nunca teria sido interiorizada nem a guerra questionada. Foi no interior das matas africanas, com sangue, que se inscreveu na consciência dos militares a necessidade de libertar o país da guerra. Jamais os refractários ou desertores por convicção política e anticolonialismo, a trabalhar nas "profissões menores" em fábricas ou restaurantes, a estudar ou a cantar nas ruas de Paris, seriam contributos decisivos para mudar o que quer que fosse cá dentro.
O conceito de liberdade absoluta comporta dois tipos de liberdade relativa: a da exterioridade determinada pela vivência em sociedade e consagrada na lei; a da interioridade determinada pela vontade no foro íntimo do indivíduo. Um exilado, por força do exílio, perde inapelávelmente a primeira liberdade pois fica automáticamente fora dos direitos de cidadania, quanto ao segunto aspecto da liberdade da vontade interior, dado que está fora do meio social onde pode agir, esta apenas lhe pode servir individualmente na forma de estoicismo para suportar as condições duras do exílio. Foi por isso que Sócrates preferiu a morte ao exílio e que mais tarde os gregos ao perderem definitivamente a condição de cidadãos livres em Queroneia, viraram-se para a única liberdade que lhes restava e dedicaram-se a inventar filosofias de vida de refúgio e resistência individual como o estoicismo e o epicurismo.
Pacheco Pereira pertenceu àquele pequeno grupo que podia auto-exilar-se para não fazer a guerra ao contrário de; "aqueles homens, rudes, vindos de um Portugal então muito rural, desajeitados, com capacetes de aço feitos para a II Guerra Mundial". Mas agora, vistos do "lado oposto" à distância de quase 50 anos, tenta pôr em pé de igualdade de "patriotismo" os combatentes e os desertores e até descobre que "também não era o medo da guerra, porque de um modo geral havia mais coragem em recusá-la do que em fazê-la". O artigo de PP (Público, 19 de Abril), tresanda a moralismo paternalista de quem tomando uma actitude de escape face ao perigo, quer desculpar-se fingindo sobranceiramente compreender e desculpar os outros que lutaram. Diz que não foi por medo, mas o certo é que nas ruas de Paris e outras cidades da Europa apenas havia o medo da perda de conforto pessoal e não o medo de vida ou morte; diz que foi por ideologia e anticolonialismo mas o certo, como depois se constatou, é que a guerra proporcionava mais liberdade de promover proficuamente o anticolonialismo que nouto local qualquer (registe-se que os pides infiltrados nas Unidades Militares não tinham a coragem de denunciar os companheiros que arriscavam a vida a seu lado); diz que foi por anti-salazarismo mas o certo é que foi na guerra do mato que se gerou o movimento consciente que levou ao derrube do salazarismo e não nas cidades-luz dos auto-exilados.
Certamente ingénuos politicamente, simples e rudes socialmente, ignorantes culturalmente, inocentes quanto a altos juizos sobre guerras justas ou injustas, foram enviados obrigados à força para as matas e picadas de África e cumpriram o seu dever do momento. Comeram dia e noite a ração de combate diária e o pó das matas e picadas africanas, meses seguidos sob o permanente risco de vida. Não precisam nada, mesmo nada, eu recuso-o totalmente, do comísero paternal atestado de "patriotismo" que PP quer atribuir aos combatentes de 1961 " tão capazes de uma heroicidade simples como a que louvamos nos de 'quinhentos' ". Passados estes 50 anos, visto sob a serenidade de julgar que tal afastamento proporciona, cada vez se torna mais evidente que a História apreciará mais e registará primeiramente quem lutou e não quem se auto-excluiu. Não é apenas porque a sua música era superior que o José Afonso foi sempre mais ouvido e importante que os outros cantores exilados, foi também e sobretudo porque lutou, enfrentou e sofreu cá dento junto dos seus.
Por fim, PP propõe que " uma natural proximidade devia envolver os homens desses dois mundos, cada um patriota a seu modo" porque, "bem vistas as coisas, a esta distância, é a mesma actitude" a que ambos tomaram, quer os auto-exilados quer os combatentes. Só numa concepção da imaginação se pode dizer que foi a mesma actitude, porquanto PP ao ver as imagens dos soldados de 1961 na guerra de Mauser na mão, pode ver-me a mim que estava lá, mas nunca a ele que se recusou participar.
O mesmo fragmento de Heraclito citado na abertura deste texto, traduzido-interpretado por Simone Weil é mais completo e diz: -A guerra é mãe de todas as coisas, rainha de todas as coisas, e revela alguns como deuses, outros como homens, e torna uns livres e outros escravos-.
Quer isto dizer que devido às contradições geradas pela guerra no seu seio, foi possível a criação de um espaço de liberdade para originar um movimento de opinião e discussão da guerra. Foram os contínuos mortos e feridos sem soluão de parar que fez os militares repensarem a questão da guerra e tirar conclusões. Sem o sacrifício de milhares de Soldados a tomada de consciência dos comandos intermédios despolitizados nunca teria sido interiorizada nem a guerra questionada. Foi no interior das matas africanas, com sangue, que se inscreveu na consciência dos militares a necessidade de libertar o país da guerra. Jamais os refractários ou desertores por convicção política e anticolonialismo, a trabalhar nas "profissões menores" em fábricas ou restaurantes, a estudar ou a cantar nas ruas de Paris, seriam contributos decisivos para mudar o que quer que fosse cá dentro.
O conceito de liberdade absoluta comporta dois tipos de liberdade relativa: a da exterioridade determinada pela vivência em sociedade e consagrada na lei; a da interioridade determinada pela vontade no foro íntimo do indivíduo. Um exilado, por força do exílio, perde inapelávelmente a primeira liberdade pois fica automáticamente fora dos direitos de cidadania, quanto ao segunto aspecto da liberdade da vontade interior, dado que está fora do meio social onde pode agir, esta apenas lhe pode servir individualmente na forma de estoicismo para suportar as condições duras do exílio. Foi por isso que Sócrates preferiu a morte ao exílio e que mais tarde os gregos ao perderem definitivamente a condição de cidadãos livres em Queroneia, viraram-se para a única liberdade que lhes restava e dedicaram-se a inventar filosofias de vida de refúgio e resistência individual como o estoicismo e o epicurismo.
Pacheco Pereira pertenceu àquele pequeno grupo que podia auto-exilar-se para não fazer a guerra ao contrário de; "aqueles homens, rudes, vindos de um Portugal então muito rural, desajeitados, com capacetes de aço feitos para a II Guerra Mundial". Mas agora, vistos do "lado oposto" à distância de quase 50 anos, tenta pôr em pé de igualdade de "patriotismo" os combatentes e os desertores e até descobre que "também não era o medo da guerra, porque de um modo geral havia mais coragem em recusá-la do que em fazê-la". O artigo de PP (Público, 19 de Abril), tresanda a moralismo paternalista de quem tomando uma actitude de escape face ao perigo, quer desculpar-se fingindo sobranceiramente compreender e desculpar os outros que lutaram. Diz que não foi por medo, mas o certo é que nas ruas de Paris e outras cidades da Europa apenas havia o medo da perda de conforto pessoal e não o medo de vida ou morte; diz que foi por ideologia e anticolonialismo mas o certo, como depois se constatou, é que a guerra proporcionava mais liberdade de promover proficuamente o anticolonialismo que nouto local qualquer (registe-se que os pides infiltrados nas Unidades Militares não tinham a coragem de denunciar os companheiros que arriscavam a vida a seu lado); diz que foi por anti-salazarismo mas o certo é que foi na guerra do mato que se gerou o movimento consciente que levou ao derrube do salazarismo e não nas cidades-luz dos auto-exilados.
Certamente ingénuos politicamente, simples e rudes socialmente, ignorantes culturalmente, inocentes quanto a altos juizos sobre guerras justas ou injustas, foram enviados obrigados à força para as matas e picadas de África e cumpriram o seu dever do momento. Comeram dia e noite a ração de combate diária e o pó das matas e picadas africanas, meses seguidos sob o permanente risco de vida. Não precisam nada, mesmo nada, eu recuso-o totalmente, do comísero paternal atestado de "patriotismo" que PP quer atribuir aos combatentes de 1961 " tão capazes de uma heroicidade simples como a que louvamos nos de 'quinhentos' ". Passados estes 50 anos, visto sob a serenidade de julgar que tal afastamento proporciona, cada vez se torna mais evidente que a História apreciará mais e registará primeiramente quem lutou e não quem se auto-excluiu. Não é apenas porque a sua música era superior que o José Afonso foi sempre mais ouvido e importante que os outros cantores exilados, foi também e sobretudo porque lutou, enfrentou e sofreu cá dento junto dos seus.
Por fim, PP propõe que " uma natural proximidade devia envolver os homens desses dois mundos, cada um patriota a seu modo" porque, "bem vistas as coisas, a esta distância, é a mesma actitude" a que ambos tomaram, quer os auto-exilados quer os combatentes. Só numa concepção da imaginação se pode dizer que foi a mesma actitude, porquanto PP ao ver as imagens dos soldados de 1961 na guerra de Mauser na mão, pode ver-me a mim que estava lá, mas nunca a ele que se recusou participar.
O mesmo fragmento de Heraclito citado na abertura deste texto, traduzido-interpretado por Simone Weil é mais completo e diz: -A guerra é mãe de todas as coisas, rainha de todas as coisas, e revela alguns como deuses, outros como homens, e torna uns livres e outros escravos-.
Etiquetas: guerra colonial
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