domingo, agosto 03, 2008

APONTAMENTOS DE FÉRIAS II


EX-MINISTROS E DOR-DE-COTOVELO

1. O ESTRATEGA
Dizia-se muito, antigamente, e ainda hoje se diz que em Portugal o que dá mesmo é ser ex-ministro. Verdade que grande parte, no seu afã ministerial prepara-se, sobretudo, para os tempos pós-ministro e vê-se claramente como tantos, mal termina o curto período de recato, "conseguem" logo altos empregos altamente bem pagos nas áreas de sua antiga tutela. Estes são os ministros menos ambiciosos politicamente e mais ambiciosos domesticamente, a maior parte remete-se ao silêncio do recato de alma dos negócios e, num abrir e fechar de olhos, nós que os vimos chegar com uma mão atrás e outra à frente, em pouco tempo os vemos aparecem como homens ricos ou muito ricos e sempre com um património invejável.
Esta espécie entra cedo na política, é trabalhador, prepara-se cuidada e minuciosamente, traça planos de médio-longo prazo, sobe lenta mas seguramente, é estratega, faz a tarimba completa sempre na mira do objectivo. Tal espécie só sente uma forte dor-de-cotovelo se não atingir o patamar que dê a alta competência e empregabilidade devida ao seu ex-ser. Nesta categoria integram-se aqueles que se apressaram a telefonar, aos saltinhos de contente, a comunicar: "pai já sou ministro, já sou ministro, sou ministro, sou ministro pai" e, hoje o pai espantado pode dizer, "filho ganhaste a vida bem e depressa, bela carreira meu filho".
A esta espécie já não interessa voltar a ser ministro, mas não querem, não lhes convém perder a política de vista, tornam-se influentes, conselheiros, avalistas de credibilidade política e a partir de adquirido esse estatuto que também procuram ter, fazem e gerem uma política de capitais próprios e alheios à sucapa enquanto mediaticamente proclamam grandes princípios.

2. O TÉCNICO
Ao contrário do estratega de carreira existe o que, não por plano, mas por uma espécie de carambola lhe vem parar às mãos, inesperadamente, um convite para ministro. São os, quase sempre denominados independentes, não políticos mas ditos apenas técnicos. O cavaquismo tem dos primeiros mas tem ainda mais desta espécie, da qual o próprio Cavaco é modelo sob o aspecto da sua actuação política que não da sua indiscutível integridade moral e comportamental.
Mas a regra comportamental desta espécie, uma vez sentados no alto da cadeira do poder de decidir, é de imediato aproveitar o tempo a seu favor, não vá o diabo tecê-las e com a mesma rapidez que lhes deu lhes tire, e a oportunidade vai-se sem proveito. Então esta espécie, antes de mais, sob o aspecto de grande actividade a bem da nação, mexe-se sobretudo na direcção de sí próprio.
O período de sua actividade política é uma viagem tumultuosa e frenética para obter a independência doméstica para o resto da vida. Como ex-ministros técnicos, com o alto grau adquirido na cátedra ministerial, vão parar a todo e qualquer conselho de administração de qualquer grande empresa de qualquer área e especialidade.
Menos influentes, depois, que os primeiros, isso não lhes provoca qualquer dor-de-cotovelo, eles rodam dentro das administrações ultra-bem pagas auto-regulamentarmente até obterem uma reforma milionária antecipadamente. E ainda vão fazer biscates dourados de consultadoria para conduto do bojudo orçamento familiar. Costuma finalmente botar, mediáticamente, grandes tiradas moralistas clamando atenção para os pobrezinhos desgraçados e desprezados, acusando os outros de nada fazerem pela classe mais frágil e desprotegida.

3. O DOUTRINAL
Provenientes da espécie dos primeiros ou dos segundos, que por via de sua própria índole e auto-importância política se julgam eternamente ministeráveis, aparece uma terceira categoria de ex. São ex mais dedicados à intervenção mediática, uns através de artigos de estudos e pensamento de estilo ensaístico, académico e doutrinal, outros de estilo estrela pop sempre à procura de palco e holofotes para sorrirem e dizerem banalidades como se fossem coisas de sábios ou insinuarem permanentemente ir desvendar um rol de enigmas políticos que só a eles foram revelados.
Esta espécie "anda sempre por aí" mesmo depois de passarem por vários assentos ministeriais onde pouco fizeram ou fizeram menos que mais ou pior que melhor, e aproveitam toda a ocasião propícia para aparecerem criticamente em bicos de pé. Normalmente, esta espécie auto-sapiente, atribui-se tão grande importância acima dos mortais vulgares que não critica este ou aquele caso ou deslize, mas as políticas seguidas na generalidade, umas vezes na forma outras no conteúdo, fazem análises por sentimento e prognosticam males e desgraças futuras tão inevitáveis como a chuva, o sol ou a morte.
Outro aspecto característico desta espécie é que, dada a sua alta auto-estima e valor, sentem-se qualificados para 1º ministros, e tendem a substitui-los no programa e acção do governo, contudo jamais se rebaixarão a suar e comer pó de estrada para aturar o mau cheiro dos camponeses ou peixeiras numa campanha eleitoral. A sua auto-avaliação de que são possuidores ou foram investidos de uma categoria extra, apadrinhada por interesseiros, fá-los sentirem-se mais aptos para os cargos que os eleitos.
Esta impressão sobrevalorizada e desajustada de si mesmos que trazem consigo e consideram inerente à sua pessoa, é a mãe da forte dor-de-cotovelo que sentem permanentemente e de que já não conseguem libertar-se. Tomam-se como mais merecedores da missão de governar do que aqueles que os eleitores elejeram. Muitos fazem-se opinadores comentaristas de obstinada critica dos abusos de modos e moral da governação, outros tornam-se fingidores defensores dos males e dores alheias, alguns fingem de Moisés eleito de Deus de quem receberam as leis divinas para reger o povo, os sequiosos integram-se em grupos com "sedes" especiais que se instituem e funcionam como bolsa de sábios ministeriáveis sempre prontos e disponíveis.
Nestes, o grande perigo está no facto de fingirem que estão além ou fora da política, que querem ser actores e não autores de política, contudo, quando no elenco logo reclamam ser o figurinista, o encenador e a prima-dona.

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