quinta-feira, outubro 08, 2009

O ELOGIO DA SOMBRA 3


DIÁLOGO ENTRE ALMA E SOMBRA (CONT.)

Sombra:
Precisamente, eu sombra representação individual de cada e todas as almas, grandes e pequenas, a minha condição é rastejar na superfície da terra e fazer ver a qulquer alma inferior ou superior, que quando se eleva muito alto, para lá das nuvens, desliga-se e perde-se de mim. Sendo eu o seu sinal terrestre, perdendo-se de mim fica sem referência e, sem rumo e orientação, acaba perdida de sí própria e do mundo.

Alma:
Queres dizer que não posso perder-te de vista?

Sombra:
Quero dizer, para teu bem, que não deves perder-me de vista.

Alma:
Só posso viver arrastando-me com os pés no chão agarrados a ti?

Sombra:
Podes subir às mais altas montanhas ou elevar-te acima delas, como quizeres, nunca deves é perder de vista o outro teu lado de condição rastejante, isto é; o sinal da tua sombra, a tua referência existencial.

Alma:
Afinal que és tu a mim? Uma sósia minha? Uma segunda alma? A minha alma negra?

Sombra:
Uma sinalização de ti. O sinal da tua condição humana. Mais que uma signalética simples sou toda um compêndio de semiótica sempre presente à vista, vigilante e avisadora.

Alma:
Enganas-te Sombra, eu não sou corpo, sou Alma imaterial e invisível que paira algures levada pelo pensamento, não tenho morada certa, vivo onde surgem as idéias, sou pura abstracção sem sombra, apenas congemino ideias que vão determinar e accionar o corpo, essa massa mole e ignorante.


Sombra:
Cada corpo tem a sua alma e cada alma está adstrita ao seu corpo correspondente. Sais dele à procura de idéias e sonho mas o vazio deixado vai atrair-te novamente e sempre. Vives em comunidade de vida e morte solidária com o corpo e comigo: tudo que é de um é comum a todos. És a marca elitista do teu corpo e eu sou, não por acaso, o sinal mancha-preta-evidência da marca e prova existencial de ambos. Mesmo quando devaneias por fora, alada pelo espaço, representas e velas pelo teu corpo correspondente, que pelos outros velam as suas almas inerentes, e eu represento o sinal inapagável de aviso permanente, comum aos dois.

Alma:
Dizes que somos indivisíveis? Que um não vive sem os outros? E para mais queres tu, réptil réplica difusa de gente a duas dimensões, sem intelecto nem transcendência, simples mancha sem pés nem asas, viuva acompanhante sujeita cega surda e muda, queres tu ter e partilhar importância e igualdade comigo?
Esqueceis que sou o sopro divino que vos dá vida?

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