segunda-feira, outubro 12, 2009

O ELOGIO DA SOMBRA 4

DIÁLOGO ENTRE ALMA E SOMBRA (CONT.)

Sombra:
Precisamente Alma, uma vez soprada no corpo e este animado, tornai-vos indivisíveis porque um não subsiste sem o outro, e na acção sois inseparáveis.
Quando o corpo é accionado não és tu já nele? Quem dá a ordem de acção? E dada a ordem de execução da tua idéia não és tu que estás nele a comandar e a acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos do Corpo? Não és tu, alma desse Corpo, que guia braços e pernas do Corpo pelo caminho das tuas idéias? Se a força das idéias e a força do Corpo não coincidissem em uníssono, como teríamos vindo do oráculo até à Internet?

Alma:
Nessa situação, não há dúvida, dá-se uma coincidência de local e tempo, total e perfeita, entre nós dois. Penso mesmo que é necessária e inevitável tal sincronização. Neste ponto tenho de dar-te razão.
E lembro-me que, após viajar por entre sonhos por mundos inverosímeis, se descubro algum humanamente possível, transporto-me rápido para o Corpo adequado capaz de realizar esse sonho. Esclareço-o e incíto-o a levá-lo a cabo para grandeza sua e minha.

Sombra:
No sonho evadem-se um do outro por artifício transcendental e não físico, mas na acção Corpo e Alma unem-se intimamente como um único. Eleito o sonho a realizar, Corpo e Alma, são um só, uma unicidade, e a Sombra é representação dos dois. Do Corpo representa a sua condição humana, da Alma representa o sinal vizível da sua imaterial invisibilidade, contudo constitutiva e indivisível do Corpo mortal. E, como tal, um sinal que separado e perdido da vista um do outro, rompe a ligação da unidade indivisível levando ao desnorte de cada parte e à perdição de ambas.

Alma:
Também neste aspecto tenho de dar-te razão. Tenho reparado, quando sou águia lá no alto, que a sombra aumenta cada vez que subo mais alto. De acordo contigo percebo agora porquê: quanto mais alto se sobe maior é o risco e, segundo o teu ponto de vista, a Sombra aumenta como sinal de aviso igualmente maior. Isto é, o sinal de aviso é proporcional ao grau de risco.
Podia até, ir junto do Sol e fazer Sombra à Terra inteira, mas antes o Sol derreter-me-ia. O subir demasiado tem sempre à espreita o perigo da perda: ou o Sol nos desfaz derretendo ou, escurecemos o mundo e, onde só existe Noite e sombra perdemos as referências, perdemos a nossa unicidade e ficamos perdidos entre nós. O Corpo perdido sem Sombra própria, por sua vez perdida na Sombra total universal, e eu perdida no cosmos de minha referência corporal, feita Alma errante.
Concordo agora contigo minha amiga e protectora, que eu, fora do meu Corpo e perdida de minha Sombra, à procura de grandeza acima e para além da minha condição de ser parte desta indivisível trinidade de rosto humano, conduz sempre ao castigo e ruina desta terrena Trindade Imperfeita.


Fim

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