sexta-feira, fevereiro 27, 2009

HISTÓRIAS DA EMIGRAÇÃO


1. POSTAIS DA EMIGRAÇÃO
Nos fins do anos sessenta, ainda nos princípios da grande fuga para a emigração, a salto ou por carta de chamada, e quando ainda não havia poupanças para "vacanças" nem para vir à terra com carro de quinta mão, escrevian-se postais ao gosto dos nossos emigrantes mas muito parisienses.





2. "SALAZAR" EM PARIS
Num Verão de fins dos anos sessenta passados, a Domicília, filha da Tia Emília das alcagóitas e do Tio João Santos, mulher analfabeta mas honrada e valente como um homem nos duros trabalhos do campo, veio passar as primeiras vacanças aqui à terra depois de alguns anos de emigrada em França.
Eu também estava de férias na nossa terra comum e encontrámo-nos. Uma irmã dela tinha ajudado a minha mãe a criar-me a mim e aos meus irmõs e ela também dera uma ajudinha. Eramos velhos conhecidos e amigos e por isso, à maneira do campo, ela tratava-me como aos filhos dela, como se também eu fosse um pouco seu filho. Inevitável conversarmos sobre a emigração, a vida dos portugueses em França, e sobretudo da vida dela em Paris.
Às tantas diz-me ela: - Vocês aqui dizem tanto mal do Salazar mas em Paris existe uma plaçe e uma gare enormes com o nome dele, lá em França gostam dele -.
De repente, fiquei um pouco atrapalhado sem perceber, mas pensei para comigo que tal não podia ser e respondi que devia haver engano. E logo ela me retorquiu: - é verdade, sim senhor, todos os dias de trabalho eu desço de madrugada na "gare Salazar" e apanho o metro na "place Salazar", para chegar ao meu serviço em Paris -.

Afinal, para a Domicília, analfabeta de português e muito mais de francês, na sua inocente honestidade e franqueza de pensar e falar verdade, enganada pela deseducação da propaganda salazarista, no entoar da designação "
Saint Lazare" no apressado silabar e pronúncia parisiense de gente seus companheiros no trabalho rude, ouvia soar o nome do ditador. No seu entendimento portugues formatado, só podia ser o nome do ditador alcunhado e aclamado cá como "obreiro de Portugal", metido à força na cabeça do povo como familiar e o maior dos portugueses.
Grande gente, grande alma generosa esta do povo emigrante que, explorado, obrigado, abandonado, curvado e humilhado no seu país, e mais curvados e humilhados ainda em países estranhos sob a necessidade opressora do pão para a boca, sempre levados no engano a vida inteira, bastava-lhes um qualquer leve e inocente sentimento de patriotismo, mesmo falso, para aliviar o pesado fardo da sua existência feita de nulidades, sofrimento e opróbio.

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