UM DIA NO HOSPITAL DE FARO III
AS IMPRESSÕES
Para concluir a minha experiência ao vivo, passada no interior do Hospital de Faro como "acompanhante" de um paciente, durante 20 horas, entre as 8,30 H do dia 2 e as 16,30 H do dia 3 deste mês, vou agora descrever as impressões mais fortes que tal experiência me deu observar. Tendo passado todos os momentos junto do paciente, pude observar de perto e ouvir conversas e diálogos pelos corredores e salas de tratamentos, as quais entendidas à luz dos acontecimentos vividos, dos protestos e reclamações brandas ou exaltadas, me permitiu fazer os seguintes juizos a partir dessas impressões então registadas.
i) Na espera para o tratamento da ferida nas "pequenas cirurgias", um senhor também "acompanhante" encostado ao corredor junto da maca do seu doente, de repente exaltou-se e fixei o seguinte: ... como querem que esteja calmo, como? Digam-me. Depois de 5 horas de espera e vejo outros entrarem e sairem e eu aqui, não sei de nada e ninguem me diz nada. E pedem-me calma e que fale baixo? Por acaso esta maca com o doente e eu próprio somos invisíveis? O que eu acho é que quando o doente tiver alta o "acompanhante" está capaz para ser internado.
Certeiro. Também eu, por fim, senti igualmente uma fraqueza humana inultrapassável, uma angústia impotente, uma revolta já sem voz, apenas dor. É-se "acompanhante" de alguém muito amigo ou familiar querido, não por obrigação ou dever de ofício, logo o mal do paciente tanbém é o nosso mal: acrescentar mais mal ao mal, a certo ponto, torna-se insuportável. Aquela imagem dada pelo tal "acompanhante", tem muito de pertinente: quando, por fim e ao fim de uma situação tipo Kafkiana, o doente vai ter "alta" o respectivo "acompanhante" está em condições mentais de dar "baixa" e ser internado. Ou então ser levado à Esquadra da Polícia próxima por ilegal estado de loucura.
ii) Quando esperava à porta do "Balcão Verde-Azul", perguntei a uma enfermeira se me podia dizer quando previa que a doente fosse atendida, se o serviço estava muito demorado porque a ferida da paciente continuava a sangrar. Respondeu que se se tratava de uma ferida devia esperar à porta da "pequena cirurgia" e apontou o local. Respondi que tinham mandado esperar à porta daquele "Balcão Verde-Azul". A enfermeira respondeu: - então não sei nem posso dizer mais nada -. Pouco tempo depois, uma "acompanhante" fez uma pergunta semelhante a uma outra enfermeira que desabafou: - nós somos as enfermeiras, somos as executantes, os doutores diagnostificam e receitam, nós apenas executamos. Sabemos bem o trabalho que temos a fazer e executamos, sobre outras coisas tem de perguntar aos doutores-. E falava em voz alta de modo que os doutores, na sala em frente de portas abertas, ouvissem directamente de viva voz.
A segunda impressão a retirar deste diálogo da enfermeira com a "Acompanhante" mas dirigido aos doutores é: que não existe cooperação solidária de esforços para bem servir o doente entre os diversos agentes que servem a eficácia do acto médico. Dá-se a entender que tudo é feito por obrigação e disciplina, por procedimentos burocratizados onde não cabe a boa-vontade e espírito de serviço ao doente.
iii) As situações vividas no caso da radiografia onde a doente entrou na sala e foi posta no corredor e sobretudo o caso do tac onde a doente esteve na máquina pronta para fazer o exame e foi recusado fazê-lo e de novo posta no corredor, ficando neste caso como em situação de doente "perdida" por apagão informático do hospital. Tudo porque o sistema de informática interno não comunicava entre serviços e, como a ficha da doente não aparecia no computador do serviço de tac, foi-lhe interdito fazer o tac e colocada em abandono à porta do respectico serviço tac.
Terceira impressão a retirar deste modo de proceder dos serviços: a existência de uma burocratização e guetização dos serviços exagerada. Os serviços não comunicam "humanamente" mas apenas mecanicamente, não comunicam "medicamente" mas apenas "responsabilitavelmente". Cada serviço é apenas responsável, e sobretudo vigilante, pelo "bom serviço" do seu departamento: os serviços são compartimentados e fechados sobre sí próprios sem inter-ajuda e "fala humana" entre eles. Assim o hospital torna-se ainda mais desumanizado sobre a pessoa já fragilizada pela doença.
iiii) É inadmissível que face a uma falha dos sistemas informáticos entre serviços, não esteja estabelecida uma alternativa, um plano b para manter os serviços em funcionamento. Pois em caso de um "apagão" informático o hospital, em poucas horas, fica inoperacional, infuncionável, em estado comatoso e explosivo devido à acumulação de doentes e acompanhantes pelos corredores em estado de espera indefinida.
Porque carga de água, em casos de falha de "entrada" de um doente no computador de um serviço este, não pode pedir uma confirmação escrita (uma nota de serviço interna) ao médico que requereu o serviço, responsabilizando-se este pelo pedido? O doente que aparece à pota do serviço para fazer um tac certamente não aparece ali por acaso: o chefe do serviço de tac sabe-o perfeitamente mas não dá passo para desbloquear a situação. Inadmissível.
iiiii) Quando soubemos, depois de 3 horas de espera, que o médico do "Balcão Verde- Azul" afinal tinha receitado fazer o tac à doente, reclamámos que não nos tinham falado em tal nem o médico da "pequena cirurgia" falara dessa necessidade depois da rádiografia. Este foi falar com o colega do Balcão mas não o convenceu a desistir do tac.
Ficámos com a impressão de que o médico do Balcão, mais por receio futuro de qualquer nefasta ocorrência, jogou pelo seguro e quiz-se munir de todas as cautelas: e assim insistiu e ordenou o tac. Nota-se, subjacente a esta cautela exagerada, o receio interiorizado de uma possivel futura acusação de "negligência médica". Ainda mais quando o médico é jovem e, consequentemente sem muita experiência, e provávelmente contratado, visto não ser português, tudo se conjuga para que se jogue pelo seguro.
iiiiii) Racionalmente ficamos com a sensação de que dada a compartimentação de cada serviço individualizando-os, com os seus agentes de tratamento afectos apenas a cada serviço, cria muita duplicação de pessoal auxiliar ou menos especializada. Observámos, durante as longas esperas nos corredores, que o pessoal interno de "batas verdes", batas azuis" e "batas cinzentas", desloca-se constantemente de um lado para o outro, quase invariávelmente assomando-se ou entrando pelos serviços adentro, perguntando algo ou trocando conversa com o pessoal adstrito. Há uma constante invasão dos serviços por pessoal de outros serviços o que, normalmente, faz interromper momentaneamente em muitos momentos, o trabalho e a atenção do técnico sobre o doente.
iiiiiii) Reconhecemos, para além das impressões atrás referidas, que podem ser falsos alarmes com base em uma situação ocasional, que ir hoje a um hospital nada tem a ver com uma ida antes ou mesmo muito depois de Abril. Os cuidados e a atenção médica prestada ao doente, são hoje em dia, incomparavelmente diferentes para melhor. Nesse tempo e neste caso concreto, o doente ia ao enfermeiro para fazer o "curativo" da ferida e era mandado "curado" para casa.
Também a existência da figura do "acompanhante" é uma medida de muita validade. Assim o doente nunca está nem se sente só, desprotegido, abandonado além de permitir-lhe estar informado do andamento do seu processo clínico. E como ficou demonstrado neste caso, evita que o doente possa ficar esquecido ou perdido no hospital, por qualquer falha burocrática. Pode ficar horas exageradas à espera nos corredores, mas aí o vigilante "acompanhante" terá sempre a possibilidade de interpor uma revolta declarada em voz alta. Isso é um ganho importante de cidadania.
i) Na espera para o tratamento da ferida nas "pequenas cirurgias", um senhor também "acompanhante" encostado ao corredor junto da maca do seu doente, de repente exaltou-se e fixei o seguinte: ... como querem que esteja calmo, como? Digam-me. Depois de 5 horas de espera e vejo outros entrarem e sairem e eu aqui, não sei de nada e ninguem me diz nada. E pedem-me calma e que fale baixo? Por acaso esta maca com o doente e eu próprio somos invisíveis? O que eu acho é que quando o doente tiver alta o "acompanhante" está capaz para ser internado.
Certeiro. Também eu, por fim, senti igualmente uma fraqueza humana inultrapassável, uma angústia impotente, uma revolta já sem voz, apenas dor. É-se "acompanhante" de alguém muito amigo ou familiar querido, não por obrigação ou dever de ofício, logo o mal do paciente tanbém é o nosso mal: acrescentar mais mal ao mal, a certo ponto, torna-se insuportável. Aquela imagem dada pelo tal "acompanhante", tem muito de pertinente: quando, por fim e ao fim de uma situação tipo Kafkiana, o doente vai ter "alta" o respectivo "acompanhante" está em condições mentais de dar "baixa" e ser internado. Ou então ser levado à Esquadra da Polícia próxima por ilegal estado de loucura.
ii) Quando esperava à porta do "Balcão Verde-Azul", perguntei a uma enfermeira se me podia dizer quando previa que a doente fosse atendida, se o serviço estava muito demorado porque a ferida da paciente continuava a sangrar. Respondeu que se se tratava de uma ferida devia esperar à porta da "pequena cirurgia" e apontou o local. Respondi que tinham mandado esperar à porta daquele "Balcão Verde-Azul". A enfermeira respondeu: - então não sei nem posso dizer mais nada -. Pouco tempo depois, uma "acompanhante" fez uma pergunta semelhante a uma outra enfermeira que desabafou: - nós somos as enfermeiras, somos as executantes, os doutores diagnostificam e receitam, nós apenas executamos. Sabemos bem o trabalho que temos a fazer e executamos, sobre outras coisas tem de perguntar aos doutores-. E falava em voz alta de modo que os doutores, na sala em frente de portas abertas, ouvissem directamente de viva voz.
A segunda impressão a retirar deste diálogo da enfermeira com a "Acompanhante" mas dirigido aos doutores é: que não existe cooperação solidária de esforços para bem servir o doente entre os diversos agentes que servem a eficácia do acto médico. Dá-se a entender que tudo é feito por obrigação e disciplina, por procedimentos burocratizados onde não cabe a boa-vontade e espírito de serviço ao doente.
iii) As situações vividas no caso da radiografia onde a doente entrou na sala e foi posta no corredor e sobretudo o caso do tac onde a doente esteve na máquina pronta para fazer o exame e foi recusado fazê-lo e de novo posta no corredor, ficando neste caso como em situação de doente "perdida" por apagão informático do hospital. Tudo porque o sistema de informática interno não comunicava entre serviços e, como a ficha da doente não aparecia no computador do serviço de tac, foi-lhe interdito fazer o tac e colocada em abandono à porta do respectico serviço tac.
Terceira impressão a retirar deste modo de proceder dos serviços: a existência de uma burocratização e guetização dos serviços exagerada. Os serviços não comunicam "humanamente" mas apenas mecanicamente, não comunicam "medicamente" mas apenas "responsabilitavelmente". Cada serviço é apenas responsável, e sobretudo vigilante, pelo "bom serviço" do seu departamento: os serviços são compartimentados e fechados sobre sí próprios sem inter-ajuda e "fala humana" entre eles. Assim o hospital torna-se ainda mais desumanizado sobre a pessoa já fragilizada pela doença.
iiii) É inadmissível que face a uma falha dos sistemas informáticos entre serviços, não esteja estabelecida uma alternativa, um plano b para manter os serviços em funcionamento. Pois em caso de um "apagão" informático o hospital, em poucas horas, fica inoperacional, infuncionável, em estado comatoso e explosivo devido à acumulação de doentes e acompanhantes pelos corredores em estado de espera indefinida.
Porque carga de água, em casos de falha de "entrada" de um doente no computador de um serviço este, não pode pedir uma confirmação escrita (uma nota de serviço interna) ao médico que requereu o serviço, responsabilizando-se este pelo pedido? O doente que aparece à pota do serviço para fazer um tac certamente não aparece ali por acaso: o chefe do serviço de tac sabe-o perfeitamente mas não dá passo para desbloquear a situação. Inadmissível.
iiiii) Quando soubemos, depois de 3 horas de espera, que o médico do "Balcão Verde- Azul" afinal tinha receitado fazer o tac à doente, reclamámos que não nos tinham falado em tal nem o médico da "pequena cirurgia" falara dessa necessidade depois da rádiografia. Este foi falar com o colega do Balcão mas não o convenceu a desistir do tac.
Ficámos com a impressão de que o médico do Balcão, mais por receio futuro de qualquer nefasta ocorrência, jogou pelo seguro e quiz-se munir de todas as cautelas: e assim insistiu e ordenou o tac. Nota-se, subjacente a esta cautela exagerada, o receio interiorizado de uma possivel futura acusação de "negligência médica". Ainda mais quando o médico é jovem e, consequentemente sem muita experiência, e provávelmente contratado, visto não ser português, tudo se conjuga para que se jogue pelo seguro.
iiiiii) Racionalmente ficamos com a sensação de que dada a compartimentação de cada serviço individualizando-os, com os seus agentes de tratamento afectos apenas a cada serviço, cria muita duplicação de pessoal auxiliar ou menos especializada. Observámos, durante as longas esperas nos corredores, que o pessoal interno de "batas verdes", batas azuis" e "batas cinzentas", desloca-se constantemente de um lado para o outro, quase invariávelmente assomando-se ou entrando pelos serviços adentro, perguntando algo ou trocando conversa com o pessoal adstrito. Há uma constante invasão dos serviços por pessoal de outros serviços o que, normalmente, faz interromper momentaneamente em muitos momentos, o trabalho e a atenção do técnico sobre o doente.
iiiiiii) Reconhecemos, para além das impressões atrás referidas, que podem ser falsos alarmes com base em uma situação ocasional, que ir hoje a um hospital nada tem a ver com uma ida antes ou mesmo muito depois de Abril. Os cuidados e a atenção médica prestada ao doente, são hoje em dia, incomparavelmente diferentes para melhor. Nesse tempo e neste caso concreto, o doente ia ao enfermeiro para fazer o "curativo" da ferida e era mandado "curado" para casa.
Também a existência da figura do "acompanhante" é uma medida de muita validade. Assim o doente nunca está nem se sente só, desprotegido, abandonado além de permitir-lhe estar informado do andamento do seu processo clínico. E como ficou demonstrado neste caso, evita que o doente possa ficar esquecido ou perdido no hospital, por qualquer falha burocrática. Pode ficar horas exageradas à espera nos corredores, mas aí o vigilante "acompanhante" terá sempre a possibilidade de interpor uma revolta declarada em voz alta. Isso é um ganho importante de cidadania.
Etiquetas: algarve saúde hospital faro
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