quarta-feira, agosto 05, 2009

UM DIA NO HOSPITAL DE FARO


VISTO POR "ACOMPANHANTE"
Um dia de vida passado no Hospital de Faro no papel de "acompanhante" de um doente é uma experiência prática de viver no interior dum cosmos verdadeiramente não criado por Deus. Aquele mundo só podia ser inventado por Kafka. Não obstante, diga-se desde já, ser uma coisa boa o facto de agora existir essa figura do "acompanhante" que segue e vigia o familiar ou amigo doente a par e passo por todas as "salas", "blocos", "balcões" e sobretudo pelos inúmeros longos "corredores" a perder de vista onde os doentes passam 90% do tempo de estadia no interior do hospital. Caso contrário seria ainda mais doloroso ser apenas "esperante", às cegas e sem informação do que se passa com o doente familiar. Ver, observando, aquele microcosmos fervilhante de médicos, enfermeiras, auxiliares, doentes, acompanhantes e todo o arrastar contínuo de macas e aparelhagem técnica de um lado para outro por entre conversas médicas, cavaqueiras nos corredores, ordens hierárquicas, revoltas e discussões de aconpanhantes, gritos e falas altas de drogados ou bebados recém-chegados, falas grossas e descabeladas de presos de pulsos amarrados vigiados por guardas prisionais, e tudo isto misturado com sonoros ais, pedidos, gemidos e gritos de dor dos doentes, faz-nos pensar num mundo inconvencional, subterrâneo, sem Deus.
A minha experiência contada sumáriamente foi assim. Chegada via ambulância, entrada e registo administrativo do doente cerca das 20,30 horas do dia 02.08.2009 e saída às 16,30 do dia 03.08.2009, portanto um total de 20 horas passados dentro do hospital ininterruptamente para realizar 4 operações médicas: i) tirar sangue para análises, 15 minutos. ii) pequena cirurgia de tratamento e suturação de uma ferida na cabeça com 3 pontos, 30 minutos. iii) fazer uma radiografia à cabeça, local da ferida, 15 minutos. iiii) fazer um tac à cabeça, 30 minutos. Conclusão, foram precisas gastar 20 horas para se poder realizar 1,5 horas de trabalho efectivamente médico: menos de 8% de aproveitamento útil.
E como foram gastas o resto das horas? De tal forma que tornam as horas intermináveis e o tempo insuportável, quer para o paciente que, sustentando o mal no corpo se resigna, quer sobretudo para o "acompanhante" que desespera pelos corredores junto da maca onde o doente é instalado, depositado e transportado. Fácil é deduzir, da explicação do tempo útil gasto em actos médicos, que o restante tempo é necessáriamente gasto em "esperas" para identificação, "aguardares" para ser atendido à porta das salas de serviços, "abandonos" nos corredores por falhas burocráticas de comunicação internas.
A maior de todas foi, depois de sair cerca das 12,00 horas da radiografia, depois de um abandono durante três horas à porta do Balcão Verde-Azul, e depois de interpelada a enfermeira de serviço, diga-se, atenciosa e que deu imediato seguimento ao questionado, soubemos que à doente tinha sido medicado fazer um tac à cabeça, o que só poderia ser efectuado pelas 10,00 horas dessa manhã. O certo é que o tac das 10.00 horas falhou e só se pôde efectuar às 14,00 horas: uma "espera" de 14,00 horas. E com inadmissíveis procedimentos pelo meio, mas isso vamos contar na próxima.

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