sexta-feira, outubro 23, 2009

TIMEU E TIMÃO


A MEDIDA HUMANA

Quando lia uma interpretação crítica do Timeu de Platão veio-me de imediato à lembrança a palavra "timão" que se usa vulgarmente aqui nos Gorjões.

Defende o autor da crítica que Platão vai buscar aos pitagóricos e sobretudo a um discípulo deles, Protágoras, célebre autor da proposição de que "o Homem é a medida de todas as coisas", os fundamentos das ideias que defende no seu Timeu. Partindo dessa ideia de medida e das combinações imutáveis dos números pitagóricos, Platão tece a sua criação do mundo e do Homem com as suas almas respectivas, que lhes dão vida, distribuidas de forma a prefigurar uma equivalência com as medidas do corpo humano. Diz o autor da crítica: "O universo (cosmos) do Timeu, ao menos em nossa interpretação, apresenta-se como uma cabeça amputada que carrega atrás de sí um tronco fantasma". E ainda que: "Estabelecemos a correspondência, termo a termo, entre certos elementos do Timeu e certas partes, articulações e orgãos do tronco e da cabeça humana". Em suma, diz que Platão se baseou nas medidas proporcionais do corpo humano delineadas no Doríforo do escultor Policleto, também pitagórico, consideradas como as ideais, o "Canôn" (a regra).

Também o "timão", aqui entre nós popularmente usado, designa uma capacidade intrínseca de uma medida humana. O termo "timão" é dito e referido sempre que um jogador tem, quase invariavelmente, uma dose certa de "peso conta e medida" tal que o jogador atinge o objectivo com perfeição total.

De um pastor acertar com uma pedrada ou uma funda numa ovelha diz-se que tem "pontaria". De um jogador de futebol ou ragby acertar num passe longo diz-se que tem "precisão". De um jogador de golf bater uma bola para junto do buraco diz-se que tem "pancada". Contudo, nestes casos ou semelhantes, tanto jogadores como alvos variam de lugares e distâncias entre sí, isto é: a medida varia a cada jogada continuamente. Portanto, nestes casos, não há uma sistematização do jogo que permita uma avaliação da capacidade de medir.

Diz-se de um jogador de "malha", com malhas regulares deslizando sobre base própria, ou jogador de "bicho", com pequenas malhas irregulares jogadas pelo ar sobre um terreiro seco que, quando uma vez e outra e quase continuamente, o jogador consegue a precisão da medida, da força e da direcção exactas, em cada jogada, fazendo coincidir com precisão o pensamento desejado com o acto realizado, então diz-se, repito, que tal jogador tem um "timão" elevado. A característica que individualiza estes jogos, relativamente aos outros, consiste na distância e posição dos jogadores que é sempre a mesma igual em todas as jogadas: o jogador repete invariavelmente a mesma jogada sempre. A repetição permanente, num lançamento sempre identico, permite definir quem tem na mão a melhor e mais certeira medida consoante a maior continuidade de sucessos precisos. É precisamente a esta capacidade de medir sem meios de medida, de atingir o alvo à distância com precisão sem meios de direcção, de transmitir à mão uma medida, uma força e uma direcção que só existe no pensamento, que designamos por "timão".

Se o plano do Timeu é a utilização da medida concreta do corpo humano para idealizar uma criação do mundo à semelhança do Homem, o objectivo do Timão é tornar uma medida idealizada uma coincidência com uma acção concreta do Homem. Parece fatal: a medida está no Homem ou parte do Homem.

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1 Comments:

Blogger à sombra da acrópole said...

Muito interessante! Tímon (o filósofo de Fliunte), o Timão de Atenas (Shakespeare) e o (Timaios/Timon/Timeus) Timeu, de Platão... variações sobre um nome? Em Shakespeare e Platão, o nome tem a ver com a honra. Falta-nos uma Academia que decida destas coisas e fixe o que devia ser fixado.

4:58 da manhã  

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