MARAFAÇÕES LXXVIII
CASSANDRICE I
CASSANDRICE II
CASSANDRICE III
O Presidente Cavaco tinha avisado: está nos seus altamente considerados, e universalmente consultados, livros escritos. A sua aluna dilecta Manuela fartou-se de avisar: Pacheco Pereira confirma tudo e explica. E eu também acredito que Cavaco sabe antecipadamente muita coisa: certamente andará sempre bem avisado.
Quando retirou imprevistamente o seu investimento do BPN, com que ajudara e incentivara os seus ex-ministros a criar esse Banco, e com lucros excepcionais para acções não cotadas, decerto Cavaco já fora informado e sabia de uma verdadeira situação insustentável. Só que neste caso, fechou-se em copas, safou o dele e não disse nada ao país. Todos nós pagámos as favas e o culpado foi o Governador do Banco de Portugal.
Na cassandrice para assunto pessoal que lhe pode afectar o bolso familiar, actua. Na cassandrice para assunto político-social que pode afectar o bolso do povo, faz de oráculo.
Quando retirou imprevistamente o seu investimento do BPN, com que ajudara e incentivara os seus ex-ministros a criar esse Banco, e com lucros excepcionais para acções não cotadas, decerto Cavaco já fora informado e sabia de uma verdadeira situação insustentável. Só que neste caso, fechou-se em copas, safou o dele e não disse nada ao país. Todos nós pagámos as favas e o culpado foi o Governador do Banco de Portugal.
Na cassandrice para assunto pessoal que lhe pode afectar o bolso familiar, actua. Na cassandrice para assunto político-social que pode afectar o bolso do povo, faz de oráculo.
CASSANDRICE II
O cassandreiro mais recente e provavelmente o mais hipócrita já visto, é o Dr. Semedo. Tinha, há tempos, dado uma entrevista em que era categórico que em sua convicção Sócrates tinha mentido. O grande argumento convincente retórico genérico para o povo politicamente normalizado: não era possível o PM não saber.
E agora, nas conclusões constantes do seu relatório ao caso "mentiu/atentou contra o estado de direito", o deputado Semedo, ou sem-medo, depois de preencher cento e tal páginas e depois de meses a ecarafunchar na vida profissional de tanta gente, conclui exactamente conforme às suas convicções anteriormente cassandriçadas: tal qual, sem tirar nem pôr. Mas a mor hipócrisia está em que rediz mais de cem páginas para justificar uma sua convicção pré-definida.
Mais de cem páginas cem para, em mais de cem entrelinhas cem, informar a "opinião pública" que o PM mentiu sem ter a coragem de o dizer escrevendo uma linha incisiva, clara e directa à cara do PM.
Ainda hoje, no "DN", Semedo volta à carga com mais cassandrices: "Se Sócrates tivesse respondido com clareza, nada disto teria acontecido". Obviamente, a falta de clareza do relatório não é sua, é do Sócrates. Outra: "Nesta comissão, acho que a maior parte dos depoentes visava esconder responsabilidades". Obviamente o deputado Semedo, político partidário profissional, não esconde responsabilidades nem representatividades: um anjinho de convicções celestiais é o que é e mais nada.
E agora, nas conclusões constantes do seu relatório ao caso "mentiu/atentou contra o estado de direito", o deputado Semedo, ou sem-medo, depois de preencher cento e tal páginas e depois de meses a ecarafunchar na vida profissional de tanta gente, conclui exactamente conforme às suas convicções anteriormente cassandriçadas: tal qual, sem tirar nem pôr. Mas a mor hipócrisia está em que rediz mais de cem páginas para justificar uma sua convicção pré-definida.
Mais de cem páginas cem para, em mais de cem entrelinhas cem, informar a "opinião pública" que o PM mentiu sem ter a coragem de o dizer escrevendo uma linha incisiva, clara e directa à cara do PM.
Ainda hoje, no "DN", Semedo volta à carga com mais cassandrices: "Se Sócrates tivesse respondido com clareza, nada disto teria acontecido". Obviamente, a falta de clareza do relatório não é sua, é do Sócrates. Outra: "Nesta comissão, acho que a maior parte dos depoentes visava esconder responsabilidades". Obviamente o deputado Semedo, político partidário profissional, não esconde responsabilidades nem representatividades: um anjinho de convicções celestiais é o que é e mais nada.
CASSANDRICE III
António Barreto, velha cassandra, já previu:
que no Algarve a única coisa prestável era o Supermercado Apolónia,
que Sócrates era um para-fascista ao impor a lei contra o fumo em locais fechados,
que o computador "Magalhães" era uma desgraça para as criancinhas,
que Portugal estava em risco de desaparecer,
e foi, conjuntamente com todos os letrados que saltaram do país por causa da guerra colonial e se exilaram na Europa, responsável pela imposição de um pensamento dominante contra quem fez a dita guerra. Nesse pensamento dominante valor e coragem estava toda do lado de quem se recusara combater: o único perfil bastante para ser herói era a heroicidade de recusar a guerra. Se para muitos ou poucos, safar-se da guerra tratou-se ou não mais de um caso de medo que de heroicidade, foi sempre um tabu nunca discutido. E o medo, contudo e sobretudo o medo de levar um tiro no meio do mato sem saber donde veio, mete muito medo a muito herói.
Claro, para ilustrados bem-nascidos e já politicamente educados, definidos e integrados com apoios, era fácil sobreviver como exilado bem sucedido e até lhes amealhava a aura de lutadores anti-fascistas, vivendo mais ou menos regaladamente. O vilão bruto e colaboracionista era o humilde e rude analfabeto das vilas e aldeias remotas que, sem hipótese de fuga, acabavam com os costados todos no mato cercados de guerra por todos os lados. Tal pensamento dominante, foi responsável até há pouco tempo, pelo sentimento de culpa que os ex-combatentes sentiam ao ponto de evitarem falar da guerra por vergonha.
É um sentimento perverso provocando uma sensação estranha de total indiferença e dó de alma, para quem observou atento a este evoluir oportunista ao sabor do sentimento geral gerado pelo olhar desfasado do tempo real. À medida que os factos vão passando à História as cassandras ilustres do tempo real vão, inexorável e paulatinamente, sendo desmascaradas.
Para mim, ver António Barreto fazer agora o elogio dos ex-combatentes da guerra colonial, é um dó de alma tão amargo e doloroso como ver ex-combatentes, toda a vida esquecidos e humilhados, desfilarem à civil em parada militar, escondendo mazelas, raivas e catarzes entranhadas nas profundezas do corpo, em pose e passo de marcha militar pretenciosamente garboso, sob a velha boina identificadora de combatentes guerreiros convictos.
que no Algarve a única coisa prestável era o Supermercado Apolónia,
que Sócrates era um para-fascista ao impor a lei contra o fumo em locais fechados,
que o computador "Magalhães" era uma desgraça para as criancinhas,
que Portugal estava em risco de desaparecer,
e foi, conjuntamente com todos os letrados que saltaram do país por causa da guerra colonial e se exilaram na Europa, responsável pela imposição de um pensamento dominante contra quem fez a dita guerra. Nesse pensamento dominante valor e coragem estava toda do lado de quem se recusara combater: o único perfil bastante para ser herói era a heroicidade de recusar a guerra. Se para muitos ou poucos, safar-se da guerra tratou-se ou não mais de um caso de medo que de heroicidade, foi sempre um tabu nunca discutido. E o medo, contudo e sobretudo o medo de levar um tiro no meio do mato sem saber donde veio, mete muito medo a muito herói.
Claro, para ilustrados bem-nascidos e já politicamente educados, definidos e integrados com apoios, era fácil sobreviver como exilado bem sucedido e até lhes amealhava a aura de lutadores anti-fascistas, vivendo mais ou menos regaladamente. O vilão bruto e colaboracionista era o humilde e rude analfabeto das vilas e aldeias remotas que, sem hipótese de fuga, acabavam com os costados todos no mato cercados de guerra por todos os lados. Tal pensamento dominante, foi responsável até há pouco tempo, pelo sentimento de culpa que os ex-combatentes sentiam ao ponto de evitarem falar da guerra por vergonha.
É um sentimento perverso provocando uma sensação estranha de total indiferença e dó de alma, para quem observou atento a este evoluir oportunista ao sabor do sentimento geral gerado pelo olhar desfasado do tempo real. À medida que os factos vão passando à História as cassandras ilustres do tempo real vão, inexorável e paulatinamente, sendo desmascaradas.
Para mim, ver António Barreto fazer agora o elogio dos ex-combatentes da guerra colonial, é um dó de alma tão amargo e doloroso como ver ex-combatentes, toda a vida esquecidos e humilhados, desfilarem à civil em parada militar, escondendo mazelas, raivas e catarzes entranhadas nas profundezas do corpo, em pose e passo de marcha militar pretenciosamente garboso, sob a velha boina identificadora de combatentes guerreiros convictos.
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