quinta-feira, janeiro 20, 2011

EM NOVA YORK, COM AMOR E ÓDIO

INQUISIÇÃO

Só porque a psiquiatria faz uma tentativa científica para explicar a mente do homem, acredito mais nela do que na astrologia dos videntes.

Como se sabe, a psicanálise foi inventariada e racionalizada a partir dos mitos gregos. E todos esses mitos representavam tragédias que resultavam das DECISÕES E ACÇÕES que os homens, do tempo dos heróis, tomavam ou eram obrigados a tomar na sua vida ao serviço da Cidade. No mito grego intervinha o jogo dos homens entre sí e os deuses, jogo o qual estes determinavam o resultado enredando os homens heróis em equívocos e dilemas sucessivos até os destruirem.

No mito moderno, o jogo é também com os homens entre sí e os valores sociais dominantes que neste caso substituiram os deuses no mito grego. No mito grego os intervenientes eram homens heróis que queriam, a todo custo, fazer juz a essa sua condição. Na modernidade os intervenientes são homens seres comuns que querem ascender, a todo custo, à fama para serem considerados heróis. E o desejo obcecado de se tornarem heróis da actualidade menor, seja sob que pretexto ou juizo de valor fôr numa sociedade que fez do valor de troca o seu deus e culto, leva-os a usar meios fáceis e à mão para atingir objectivos com fins de glória.

Todos os dias os jornais da especialidade noticiam assassinatos horríveis, tão ou mais bárbaros que o praticado em NY, contudo nunca são sujeitos a análises e mais análises de psiquiatras e mais psiquiatras, de psicólogos e mais psicólogos. São assassinatos que têm uma motivação à vista, uma causa-efeito física, uma realidade objectiva, logo de um entendimento fácil e sobretudo de uma explicação e compreensão óbvia, como partilhas entre familiares, divisões de bens entre vizinhos ou casais. etc. Para estes casos os psiquiatras e psicólogos não puxam dos receituários dos tratados e sebentas onde constam a lista das doenças aplicáveis possíveis de explicar os actos cometidos. Nestes casos não há motivações profundas da mente, alterações psiquiatricas momentâneas, surgimento brusco de estados mentais psicóticos, causas traumáticas remanescentes de má infância.

Contudo, penso eu, em todos os casos que levam o homem ao instante extremo de matar, esse homem, nesse momento, já entrou num estado emocional irracional não inteligível, embora possa ser explicável através de interpretações dos modos e motivos.
Explicação que é óbvia para uma motivação física exterior, mas explicação complexa e problemática quando se reduz o acto, meios e modos de matar, exclusivamente devidos a alterações de estados mentais psíquicos abruptos sobrevindos por estimulos no momento, desligadas do jogo de relações sociais e dos interesses individuais.

A humanização do indivíduo constroi-se pela sua vida em sociedade pelo que é esta que vai impondo-modelando o lado animal do homem no sentido de se tornar um ser mais racional e humano. Contudo o homem e a sociedade continuam inescapavelmente vivendo inseridos como parte integrante da Natureza, a qual não faz juizos de valor ou morais e é implacável para quem perturba gravemente o seu ciclo evolutivo. Quando se quebra a relação entre a mente e o entendimento racional, o homem volve ao estado natural primitivo onde não há mais sociedade nem juizos de valor mas tão só sangue e instinto.

Precisamente o lado onde a imposição social mais repressivamente age sobre a nossa natureza é na sexualidade dos humanos. Mas é também o lado onde a sociedade mais desaires acumula e mais batalhas repressivas tem perdido. A força ctónica da sexualidade como natureza de reprodução e manutenção da espécie é irreprimível, e quando é bloqueada ou reprimida, ela irromperá dessa situação violando barreiras e imposições sociais de qualquer ordem.
Todas as religiões de paraíso prometido, se dedicam à domesticação da natureza sexual humana como forte contributo para ganhar o paraíso no céu. Contudo, é impossível banir de nós aquilo que é a essência imperial da nossa condição humana, e como tal nem os próprios pregadores dessas religiões do espírito contra o corpo, resistem à imperiosa tentação carnal. Afinal tanto o espírito como o corpo transportam consigo a mesma origem divina.

O acontecimento complexo foi sempre o resultado simultâneo de um grande número de circunstâncias. Os indivíduos e os acidentes têm um papel na nossa vida quotidiana, porque o caminho e direcção do devir não está previamente definido. O papel das pessoas ou dos acidentes na origem dos acontecimentos é um dado primeiro e imediato, ninguém ainda provou que seja uma ilusão.

De acidente em acidente as personagens vão tecendo a teia comum onde serão apanhadas. Um tinha desejos e ambições de obter fama, glória e proveito rápido numa sociedade que elegeu o dinheiro e seu valor de troca como deus ex-machina. O outro tinha o poder e os meios de satisfazer essa ambição e desejos almejados, ou seja, indiciava ser o tal deus ex-machina que de uma penada lhe daria o famoso futuro. O primeiro encontro entre ambos, qualquer que tenha sido o modo como se deu, já não foi um acidente por puro acaso.

Os passos seguintes já não são da ordem dos acidentes imprevistos, mas sim estudados, calculados e dissimulados sob objectivos diferentes e capa de felicidade comum. O jogo de máscaras sublimado por jogos de sexualidades desviadas e mal definidas ou assumidas, invariavelmente leva a uma espiral de contradições mentais conscientes que tende a evoluir para um virolento tornado, contido na mente e prestes a soltar-se a qualquer instante.

E soltou-se. O ponto inicial feliz nós conhecemos como começou. O ponto final trágico também conhecemos como acabou. Entre o ponto inicial feliz e o final trágico, jamais se saberá o que verdadeiramente se foi passando e que realmente conta para o desfecho fatal. Podem os psiquiatras e psicólogos sacar de todas as doenças contendo conceitos explicativos possíveis, que jamais obterão uma explicação conclusiva.

Quanto ao espanto pela barbaridade da morte em NY, como disse, é tão bárbara como tantas que os jornais noticiam todos os dias. Matar foi desde o início uma condição de sobrevivência e depois de conquista, basta ver a longa lista de guerras bárbaras entre povos ao longo da História da humanidade. Matar foi sempre um meio de auto-defesa individual quer física quer psicológica.
Que é mais bárbaro, matar inesperadamente sob um efeito emocional momentâneo de vingança, ou matar racionalmente, metodicamente, organizadamente, oficialmente, governamentalmente, lentamente, tortuosamente, publicamente, festivamente, horrivelmente, como é o caso da lapidação?

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1 Comments:

Blogger Diogo Sousa said...

Adolfo,um texto à Adolfo.
Monumental.
mas entrando mais no "terra a terra"eu diria que o puto com dinheiro se safaria por "insanidade mental e momentânia"...
Por aqui diz-se que a firma "Seabra e irmãos"( a detentora das transmissões da SIC, RTP, Sport tv e Benfica tv,um empório comercial enorme) está disponibilisando verbas para a melhor defesa possivel.Se fõr verdade
faz-me crer que a procissão ainda vai no adro.

Abraço

Diogo

7:26 da manhã  

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