domingo, outubro 20, 2024

TEATRO "CABO DAS TORMENTAS" PELO GRUPO DE TEATRO "JAT, JANELA ABERTA TEATRO".

DA APRESENTAÇÃO

Espectáculo épico e crítico sobre os descobrimentos, numa incursão anacrónica pelo universo de um grupo de mendigos, no qual o espírito de Luís Vaz de Camões se revela através das tormentas de um deles. Um olhar sobre a memória, a velhice e o esquecimento, inspirado na visão satírica do maior poeta português. Esta é uma viagem de idas e voltas nas ondas do mar, onde tempestades se misturam com realidade, ficção e canto das sereias.

 

DA APRECIAÇÃO 

Conhecendo de perto mas não intimamente o Grupo de Teatro JAT, Janela Aberta Teatro, penso saber o suficiente para afirmar que é um Grupo que pensa o Teatro de uma forma aberta e moderna que privilegia o mimetismo em detrimento do diálogo. Que usa o diálogo só quando não é possível representar o sentido  da trama pela gestualização do corpo, braços, mãos, pés, andar, modo de estar e mexer-se em palco, etc. Também a  utilização da música adequadamente como acentuação do registo do enredo dá o tempo e reforça a possibilidade da interpretação mimética. Todo este modo singular de representar cria uma estética em movimento com vida para além da composição plástica em si que faz que estejamos permanentemente com os olhos pregados no palco. Pois há em palco um contínuo de incerteza e complexidade.  

Daquilo que tenho lido sobre o teatro trágico grego, esse teatro nascido dos 'ditirambos' gritados pelo corso das festas dionisíacas de antes de Ésquilo (Frínico, Aríon?), faz-me imaginar que este teatro do JAT vai nesse sentido quando estava em palco apenas um ator, um coro trágico e o flautista ou flautistas que obrigava ao ator único sobre o palco, a interpretar e transmitir a trama trágica da peça, fosse brilhante no diálogo mimético com o público o coro e os músicos, sucessivamente. Igualmente se diz na apresentação da peça que se trata de um "Espetáculo épico" (camoneano) tal com o eram todas as peças da antiguidade grega baseadas nos mitos épicos de factos já perdidos no tempo.

Para cada um dos espetadores nunca haverá peças perfeitas pois haverá sempre algum pormenor ou gosto que não coincide com o critério da representação da peça. No meu caso achei a primeira cena que transforma as históricas navegações portuguesas num desafio de futebol algo deslocado da anunciada trama épica e mais como um facilitismo menor ao apelo do pagode pimba do futebolísmo. No meu caso especial também por razão de experiência vivida na guerra colonial. Foi assim;

Na tomada de Nambuangongo em julho-agosto de 1961 haviam três colunas militares, cerca de 1500 militares, a convergir para o objetivo central que era a ocupação da povoação de Nambuangongo num dos mais altos planaltos de Angola com floresta densa. Artur Agostinho um reputado jornalista, em especial reconhecido e famoso por ser relator de jogos de futebol, recusou ir incluído numa das colunas pois, dizia, queria filmar a chegada da coluna que primeiro chegasse ao povoado de Nambuangongo, símbolo da ocupação do norte de Angola e resistência do inimigo. Claro que Artur Agostinho não podia estar em Nambuangongo antes das tropas ocuparem a povoação, então, o relator profissional de futebol tomou um pequeno avião militar, o DO 27 Dornier para relatar do ar, à maneira de um jogo de futebol, a chegada a Nambuangongo do Batalhão 96 a 9 de agosto de 1961. A minha Unidade chegou no dia seguinte. Mais tarde o mesmo Artur Agostinho do futebolismo repetiu na TV, na rádio e escreveu em livro que aquela operação militar lhe tinha parecido um desafio de futebol Benfica-Sporting. Nunca achei justo tal analogia pois que, para mais, nessa caminhada todas as três Unidades militares envolvidas nessa operação já tinham vários mortos tombados em combate, muitos feridos evacuados e dezenas de feridos ligeiros; isto é, muito sangue derramado.

Na minha opinião o relato de futebol poderia ser bem substituído pela fala do Velho do Restelo usando do mesmo jeito futebolístico ou outro mais épico, sobre o palco. Outra nota simples que pensei da representação é que o Vicente devia ter emprestado o seu vozeirão ao Pedro para dar mais corpo e extensão ao Camões sem-abrigo. No mais, tudo irrepreensível e magnífico quanto a luzes, música, atores e representação como é de marca com o Grupo JAT. Os meus parabéns.

 


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