terça-feira, maio 30, 2017

A GRANDE INGRATIDÃO 2



Pensando bem parece que, colada à nossa fundação como nação independente, fundámos igualmente um pecado original, uma maneira de ser e pensar também mui original que nos modela e identifica como comunidade: somos contra o êxito.
Ao visionário que tem um sonho e se obstina na luta por esse sonho de grandeza visando alcançar a realização desse sonho não dizemos que teve um sonho mas dizemos que teve uma ideia fixa: à nobreza do ideal sublime do sonho contrapropomos a vulgaridade chata da ideia feita velha, repetida e fixa.
Mal nasceu D. Afonso Henriques foi logo transformado em símbolo e bandeira de uma luta em nome de uma ideia de independência do Condado legado pelo pai. Fez a adolescência sob educação severa direccionada para sentir a sua responsabilidade como legítimo herdeiro do pai enquanto, simultâneamente, observava no terreno as manobras contra si dos galegos Peres de Trava junto de sua mãe Teresa, rainha em funções dada a sua menor-idade.
Ao armar-se cavaleiro a si próprio aos 16 anos, assistindo e observando o aberto e descarado manobrismo político para o arredar de herdeiro e senhor do Condado que fora do pai, forçosamente, já teria tomado consciência plena do que estava em causa e até ideias próprias acerca de medidas a tomar.
E quando foi apanhado e cercado de surpresa e desprevenido no Castelo de Guimarães pelo primo Afonso VII, facto desagradável que resolveu ardilosamente com o estratagema do episódio de D. Egas Moniz, certamente a tomada de consciência elevou-se a um nível de necessidade superior ao da simples independência e dimensão do Condado Portucalense tal como o pai o havia legado.
Logo depois, com a vitória de S. Mamede sobre a mãe Teresa e o seu grupo pró-Galiza, ganha o respeito e autoridade plena sobre o Condado e, muito provavelmente e sobretudo, ganha uma ideia e um plano de independência total feitos vontade imparável de ser Rei igual aos parentes leoneses: o sonho amadurece, torna-se irresistível, fixa-se.
Após muitas guerras contra leoneses e mouros, muitos assaltos e pelejas individuais, muita audácia, muita astúcia e vários incumprimentos de palavra e tratados auto-designou-se Rei e obteve essa designação e categoria de facto, enganando o primo Afonso VII, pela carta papal Devotionem tuam de Lúcio II em 1143 e mais tarde de jure  em 1179 pela bula Manifestis probatum do papa Alexandre III.
Foram práticamente 54 anos a lutar visionária e ininterruptamente pela realização de um Sonho: ser Rei Fundador de uma Pátria para o povo de portugueses.
Contudo os mesmos portugueses logo se encarregaram de transmudar o grandioso feito de Pai da Pátria para um simples façanhudo conseguimento de uma Ideia Fixa. 
Na realidade, se bem observarmos a nossa já longa História, constatamos que àquilo que cometido lá-fora exaltamos e engrandecemos se feito cá dentro rebaixamos e menosprezamos. Aos feitos e êxitos dos nossos atribuímos aos acasos, à sorte, à aventura, à nossa miséria, à ajuda de fora, ao destino ou a Deus mas, difícil e raramente, serão atribuídos às nossas capacidades de grandeza, inteligência, carisma ou visão de futuro.
Nós não suportamos o êxito do nosso vizinho e Portugal é pequeno ao ponto de nos sentirmos todos  vizinhos de todos. Desde a mal-vista fundação da Pátria pelo povo, o qual acredita ter sido essa fundação feita por um "pai que bateu na mãe", que vivemos sob uma desconfiança genérica acerca de nós próprios. Não acreditamos em nós nem que tenhamos capacidades ou faculdades capazes de fazer algo fora do comum ou que seja único.
O nosso ser contra o êxito do que é português é a nossa arma de defesa e arremesso que usamos como vingança da incapacidade pessoal individual e que funciona como catarse colectiva nacional. O mais inteligente e capaz de nós é tratado como um "adiantado mental" e o carismático visionário é tratado como um "louco"; em qualquer dos casos os melhores são sempre indesejáveis e alvos de intolerância.
A elite encartada são as primeiras a entrar neste jogo de sombras onde nada nem ninguém pode nascer que seja melhor e maior que ela, nem sequer o fundador da nacionalidade e verdadeiro Pai da Pátria.  
Deste modo D. Afonso Henriques, que deveria ser o exemplo histórico do ser português livre e independente de suzeranias territoriais ou culturais, capaz de ter sonhos e lutar por eles, capaz de fixar-se em grandes objectivos e obtê-los, capaz de grandeza quer em sacrifícios como em vitórias, capaz de sofrer derrotas humilhantes para vir a ser o herói vencedor final, afinal tem sido o verdadeiro encoberto que é tratado, historicamente, como um Rei Conquistador sem conquista e politica e socialmente como uma espécie de salteador pária que envergonha a Pátria.
Ao nosso fundador retiraram-lhe a grandeza e consequentemente o respeito e as honrarias devidas, a sua dimensão de herói exemplar único, a possibilidade de ser o símbolo maior de orgulho e unidade dos portugueses.
Foi o Rei com sina de visionário e, como sempre, vítima de suas próprias grandezas.  

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terça-feira, maio 23, 2017

A GRANDE INGRATIDÃO


Portugal tem um problema grande consigo próprio. Um problema geneticamente português, grave e pernicioso, que afecta todo o povo português como comunidade pensante. Um pecado original cultural-mental geral que marca a nossa individualidade como povo.
Portugal tem um fundador da nacionalidade histórica e pessoalmente bem identificado como o primeiro e maior autor dessa obra grandiosa e única que foi a conquista da independência. Contudo esse primeiro grande homem português fundador de Portugal não é reconhecido como o grande herói e pai da Pátria segundo um critério histórico comum consagrado nos países do mundo.
No imaginário colectivo do povo português não existe fundador da Pátria e muito menos uma mitologia heróica dessa conquista que nos enraize o orgulho e amor patriótico. Pelo contrário, a destemida e valorosa fundação da Nação, quando não é atribuída aos acasos históricos da altura, como se qualquer acto histórico vitorioso não fosse obra de homens capazes de entender os ventos ocasionais favoráveis do momento, é atribuída "graças ao valente, medíocre, tenaz, brutal e pérfido carácter de D. Afonso Henriques", segundo Oliveira Martins.
Este autor ainda mimoseia o nosso fundador como alguém que "não tinha a nobreza do leão, nem a astúcia ferina do tigre: possuía apenas a tenacidade brava e bronca do javali". Por outro lado, não podendo iludir o facto do seu notável conseguimento diz que "o moço príncipe reunia as condições necessárias para consolidar uma independência até aí precária" e "era audaz e temerário até" ao ponto que "nem a grandeza das empresas o assustava". E continua "a estes dotes militares reunia outros não menos valiosos, na precária situação em que se apossara do reino".
Oliveira Martins paradoxal, ao mesmo tempo que exalta os caractéres de bravura, astúcia, coragem e temeridade (mestre acabado na arte de enganar e na arte de combater) rebaixa as qualidades militares (mau general) e inteligência (nenhum pensamento poético enchia a sua cabeça, estreita, e inteiramente ocupada pela ideia fixa de consolidar a sua independência) do fundador e ainda, simultânea e contraditoriamente, salienta a vontade lúcida e indómita de Afonso Henriques querer ser independente e Rei, de facto e de jure, tal qual como foram o avô, o primo e era o genro na altura.
No meio de todo este fazer e desfazer entre o grande e o estreito, entre a heroicidade e a astúcia, ainda nos vem contar a lenda da maldição lançada por Teresa sobre o filho que a pusera encarcerada a qual se teria cumprido em Badajoz, ultimo acto falhado de conquista contra Leão já depois de Afonso Henriques ter ludibriado o primo rei de Leão acerca do tratado de Zamora concebendo um subtil e ardiloso jogo com o papa Alexandre III que lhe deu o titulo de Rei em definitivo.
Desta contraditória amálgama histórica que as nossa elites nos deixaram contadas acerca da nossa fundação nasceu a deprimente anti-patriótica mitologia acerca do "rei que bateu na mãe e assaltava castelos de faca nos dentes e escada às costas". 
Passados quase mil anos e ainda é esta desgraçada mitologia que sobrevive e se mantém viva entre o povo e que a elite não tem a coragem de contrariar. Deste modo, além do D.Sebastião beatamente vencido e encoberto que há-de chegar numa manhã de nevoeiro, há o nosso fundador D. Afonso Henriques vencedor astuto e valeroso que, embora fundador da nacionalidade, nunca chegou a chegar. 
Quem chegou e lhe ocupou o lugar foi D. João I na Praça da Figueira, D. Pedro IV na Praça do Rossio, D. José I na Praça do Comércio e o Marquês na Praça de Pombal.   

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quarta-feira, maio 17, 2017

IIL 1967 - 2017 50 ANOS




Faz este ano cinquenta anos (50 anos) que o Curso 1963-1967 do antigo IIL, Instituto Industrial de Lisboa se reúne regularmente para comemorar o facto.
E o mais surpreendente e caso único é que este curso de Electrotecnia e Máquinas se reúne semestralmente desde há 50 anos ininterruptamente. Mesmo imediatamente após o 25 Abril de 1974 quando a aprendizagem e agitação política estava no auge a camaradagem de curso foi mais forte e sobreviveu às clivagens ideológicas.
Claro, nessa altura as presenças activas antes sempre numerosas diminuíram mas nunca puseram em causa a realização dos nossos encontros de comemoração e confraternização. Também hoje em dia, confrontados com a implacável acção do tempo, já muitos colegas não tomam parte nas nossas celebrações semestrais e muitos desses foram, enquanto puderam, elementos importantes na permanência ininterrupta destas reuniões.
Este ano, a primeira parte das comemorações dos 50 anos, tiveram lugar junto ao Rio Guadiana na Marina da Amieira com passeio de barco pelo Grande Lago do Alqueva. Daqui a seis meses terá lugar a 2ª parte e é, precisamente, nessa data que se completarão as cem comemorações e meio Século das nossas vidas de profissionais técnicos e agora profissionais domésticos.
Embora este Blog já ultrapasse os dez anos de publicação e nunca tenha dado notícia destas reuniões, considera, nesta data em que se completa o que nos parece constituir um caso único, seu dever salientar este acontecimento que simboliza a grande amizade que se iniciou no velho casarão da Rua Buenos Aires, se forjou à roda das mesas de estudo nos cafés da zona da Estrela e se cimentou ao longo destes 50 anos de convívio fraterno.

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domingo, maio 07, 2017

CCOMEMORAR O 25 ABRIL 1974 EM 2017

quarta-feira, maio 03, 2017

MÃE SOBERANA 2017

terça-feira, maio 02, 2017

O DIREITO PENAL DO INIMIGO E CONVICÇÕES DE TRAVESTIS

  
Por José Sócrates * (Hoje no "DN")  
O direito penal do inimigo
De "especial complexidade", dizem. Bom, como discordar? Provar que a terra é plana é de especial complexidade. Provar a quadratura do círculo coloca igualmente um problema de especial complexidade. As provas no Processo Marquês são também de especial complexidade, pela razão de que é impossível provar o que nunca aconteceu.
O nosso código penal não se ocupa da especial complexidade deste tipo de verdade material: será a terra plana? Mas não se esqueceu de prever a possibilidade de haver especial complexidade em inquérito criminal - quando ela é invocada os prazos duplicam. Todavia, mesmo com especial complexidade, a lei fixa um prazo, a que chamou máximo, de inquérito (artigo 276 do Código de Processo Penal). Este prazo tem, em qualquer circunstância e englobando já todas as especiais complexidades possíveis, um limite superior de 18 meses. O Processo Marquês dura há 45 meses e acaba de ser adiado pela sexta vez.
Prazos. A primeira pergunta a fazer talvez seja esta: em que área da justiça precisamos de mais segurança e de mais certeza jurídica? Julgo que não é preciso um excessivo espírito liberal para responder que é aquela em que está em causa a liberdade - a área penal. Aí, entre o indivíduo e o Estado, só há um poderoso: o que tem o monopólio do uso da força, o que pode prender e deter... e, sei-o agora, também insultar. Parece, então, legítimo perguntar por que razão é esta a única área da justiça em que se pretende que os prazos - garantias da decência do Estado e dos direitos individuais - sejam, como dizem, indicativos? E, já agora, se são indicativos, eles indicam exatamente o quê? Mistério. Na verdade, nada indicam e nada valem porque a verdadeira intenção é justamente a de poder conduzir o inquérito sem respeitar prazo nenhum.
Prazos, de novo. Mas, afinal, porque é que estamos a discutir prazos? A resposta sabem-na todos, porque tudo isto tem decorrido à frente de todos: só estamos a discutir prazos porque o Ministério Público deteve, prendeu, promoveu ele próprio uma formidável campanha de difamação e, ao fim de quatro anos de inquérito, não apresentou nem as provas nem a acusação. Neste processo, o Ministério Público exibiu despudoradamente uma das especialidades que vem cultivando há décadas: promover covardemente - e criminosamente - campanhas de difamação nos jornais, por forma a transformar a presunção de inocência em presunção pública de culpabilidade. Não haver prazo nenhum ajuda a tal tarefa.
Prazos, ainda. Na verdade, nada disto tem que ver com nenhuma teoria da justiça ou com qualquer procura de arbitragem entre valores jurídicos de verdade material ou de direitos individuais - isto tem apenas que ver com poder. O poder do Ministério Público. Ao pretender que no inquérito penal não haja, na prática, prazos obrigatórios, o Ministério Público não está a interpretar a lei mas a mudar a lei. Acontece que essa é uma competência da Assembleia da República, não é dos senhores procuradores: esse poder não é legítimo, é usurpado.
Ouço por aí dois argumentos, ambos tão deploráveis, que não resisto a dizer, com a brevidade possível, alguma coisa sobre eles. O primeiro corre no essencial assim: bom, agora é que isto tem de ir até ao fim. Se a questão é a corrupção e a política, então tudo deve ser válido em nome desse combate, incluindo insultar, denegrir e humilhar quem está inocente. O que isto quer dizer é basicamente que, se violaram os meus direitos individuais, paciência, agora é preciso violá-los ainda um pouco mais. No fundo, a mesma e velha ideia de que os fins justificam os meios, como se a corrupção dos meios não corrompesse também os fins. O código penal que o Ministério Público está a usar no Processo Marquês não é o da República Portuguesa, mas o "código penal do inimigo." A sua lógica não é a do Estado de direito, mas a do conflito radical .
Outros dizem, piedosamente, que se deve respeitar a presunção de inocência mas que nem por isso deixam de ter as suas convicções. A presunção de inocência, portanto, como formalidade jurídica. Mas ela é muito mais do que isso, ela constitui um princípio moral estruturante das relações sociais numa comunidade decente. Os que assim procedem sabem bem o que estão a fazer e quem estão a ajudar - quem quer condenar sem julgamento e, já agora, condenar negando sequer o elementar direito a conhecer a acusação. Para isso, a inexistência de prazos é também muito conveniente.
O Processo Marquês nunca foi uma investigação a um crime, mas a perseguição a um alvo. Ele tem 45 meses de inquérito e, dizem, 32 funcionários a trabalhar, entre polícias e procuradores. Há muito que deixou de ser um inquérito para se transformar num departamento estatal de caça ao homem.
* Antigo Primeiro Ministro

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