sexta-feira, fevereiro 28, 2020

A MALDITA HERANÇA DO PEC IV


Sem dúvida que o pior e de efeitos mais nefastos no chumbo do PEC IV e sua anterior e posterior discussão foi a perversa e trágica herança cultural tomada como exemplo pela elite partidária no combate político desde então.
Na actual discussão acerca do novo aeroporto do Montijo tal herança cultural veio à tona como a ponta de um iceberg que, após vários aparições menos claras, emergiu à vista para toda e qualquer pessoa meredianamente atenta à coisa pública. 
Essa herança é, talvez, uma mui resiliente e intrigante qualidade já detectada pelos Romanos que diziam de nós que, como povo, nem governava nem se deixava governar: isto é, uns empatas.
O "novo aeroporto" foi discutido à exaustão no tempo de Sócrates e quando tudo estava estudado, projectado, expropriações feitas e aprovado para ser na Ota os empatas e interesses acharam que Alcochete era mais adequado; quando Alcochete tinha tudo estudado, projectado, aprovado técnica e financeiramente pronto para lançar o concurso surge a crise financeira mundial e a obra passou a ser considerada megalómana-faraónica e logo surgiram, às dezenas, empatas de opinadores técnico-financeiros contra a obra até com argumentos de que a Portela, com o futuro TGV e as cada vez maiores demoras burocratas para embarcar, daria ainda para mais cerca de 40 anos 40.
Mas os mesmos, opinadores empatas, simultâneamente e com os mesmos argumentos fizeram parar o TGV do qual já fora adjudicado o troço Alcochete-Espanha. 
Abruptamente parou-se tudo que era futuro para o país: TGV, Novo Aeroporto, desenvolvimento do projecto Alqueva-eólicas-estação de bombagem para a mobilidade eléctrica e bombagem para elevar para montante e aproveitar água já turbinada; abandono estúpido e idiota da fábrica de baterias em plena construção, projectos do "magalhães", da energia das ondas, das "novas oportunidades" e outros projectos e inovações que estariam agora em pleno ponto de exploração e colocavam Portugal no pico dos países avançados.
O exemplo dado nesse tempo de que tudo pode parar e nada se fazer porque se pode fazer em qualquer tempo ou “quando estiverem todas as condições reunidas” está-se pagando caríssimo pelo que não se fez e mais ainda pelo que culturalmente se tornou o sentir e pensar dos portugueses hoje.
Hoje, estamos na mesma discussão acerca de um novo aeroporto, na mesma discussão acerca da exploração do lítio, já se discute o excesso de turismo e calculem que até já alguém usou o brilhante argumento contra a estabilidade financeira porque “estamos fartos de contas certas” retorquiu um empata-fatalista.
Uma nova discussão como a actual acerca do novo aeroporto, entre velhos e novos empatas, está reservada para ser próximo capítulo acerca do TGV.  
Este é o exemplo típico da cultura política deixada pelas oportunísticas e caluniosas figuras que fizeram escola da qual foram Mestres-Superiores os oportunistas mediocríssimos Cavaco e Passos Coelho.
Sim estes mesmos de quem tentaram fabricar mitos sem mitologia.  
São custos de milhares de milhões que deveriam ser imputados a muitos empatas bem conhecidos que diariamente vinham às TVs botar conscientemente falácias fraudulentas que levaram o país ao desastre da troika e ao atraso tecnológico relativamente a outros.
Todos esses que impediram o desenvolvimento e criaram prejuízos incalculáveis ao país é que deveriam estar hoje no banco dos réus.

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sexta-feira, fevereiro 14, 2020

LIBERDADE PARA MORRER

 
Vai correndo pelo mundo, e em Portugal também actualmente, uma discussão apaixonada sobre a eutanásia ou morte assistida para pessoas em estado terminal vegetativo ou de dor insuportável ou artificialmente mantidas vivas por moderna maquinaria especial da medicina.
Nesta discussão pela manutenção de vida a pessoas meio-mortas versus dar a morte a pessoas meio-vivas está, sobretudo, o problema da liberdade individual.
Os humanistas e progressistas, mais próximos da ideia do "estado de natureza" e "lei natural" donde pensam e argumentam que foi fonte e origem de toda a ética e moral e que destas deriva a evolução das leis de justiça e liberdade até hoje, estão "naturalmente" e filosoficamente mais inclinados para apoiar a "liberdade de escolha" individual acerca da vida e morte.
Na antiguidade arcaica e ainda mesmo na idade clássica a morte não natural, quando inevitável por questões de guerra, honra ou dignidade e, no caso romano, ainda de acordo com a sua adoptiva doutrina estóica era considerada como uma vitória sobre o sofrimento e uma libertação pelo amor e grandeza de si mesmo: os exemplos clássicos são os dos romanos Catão, Bruto, Cássio, Marco António e outros. Os "kamikazes" japoneses são outro exemplo recente.
Mesmo no cristianismo primitivo os mártires e os condenados aos leões no circo aceitavam estoicamente a morte, também imbuídos de sua liberdade individual de crer no seu Deus único contra o paganismo.
Mas, posteriormente, a Igreja Católica instituída e fortemente enraizada no seu poder religioso e temporal decretou ao seu mundo cristão que a vida era uma dádiva de Deus e, por conseguinte, também só esse Deus tinha o direito de retirar a vida a alguém: as bárbaras condenações da própria Igreja foram sempre feitas em nome do seu Deus.
Mas a Igreja, hoje em dia, face à ciência galopante tornou-se na prática uma sucessiva histórica contradição nos termos: para justificar o mal nos homens e a grandeza da bondade divina a Igreja diz que Deus deu o livre-arbítrio ao homem para decidir ele próprio e livremente sobre a sua vida na terra, contudo, para decidir sobre a sua morte o livre-arbítrio dado à condição humana já não vale nem conta.
Desde sempre, e também actualmente, qualquer homem saudável em plena saúde mental e força de trabalho pode voluntariamente e de moto-próprio, por qualquer forte motivo emocional, dar fim à sua vida mas quando velho dependente incapaz de agir por si mesmo não pode decidir de seu livre-arbítrio porque este lhe é retirado pela mesma entidade desconhecida, impassível, inacessível e absolutamente boa que lhe concedera para sempre esse mesmo livre-arbítrio. Quem dá e tira...  
A Igreja anda nisto desde Giordano Bruno e sobretudo depois do indefensável caso Galileu e continua modernamente com a pílula, o aborto, a inseminação ou fecundação in vitrio, a homossexualidade e casamentos homossexuais e agora com a eutanásia além da desavença interna acerca do casamento dos padres e da consagração da mulher-padre.
Até se compreende, também o mundo religioso, não obstante a tentativa de rejuvenescimento trocando o antigo Deus por Jesus Cristo, isto é o Pai pelo Filho, não evitou o envelhecimento e decadência à imagem de uma trajectória humana: afinal, luta por manter-se viva exigindo aos homens que a imitem na sua agonia.
      

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sexta-feira, fevereiro 07, 2020

GEORGE STEINER


1929 - 2020
Poucos "leões" e uma multidão de "ratos"
Em "Fragmentos" Steiner dá-nos uma ideia precisa da inveja e pequenez da gente mínima perante os grandes homens que fazem a História, assim; - Os criadores, os descobridores científicos, os soberanos na política e na guerra são os forjadores do nosso mundo. Não são como nós. Daí a nossa esperança fanática em detectar defeitos na sua grandiosidade, em os reduzir à nossa própria insignificante escala -.
E, ainda no seguimento do seu pensamento acerca deste assunto esclarece: - Uma coisa é, contudo, clara; as proezas analíticas, estéticas e políticas são estatisticamente raras e, a dado momento e numa dada comunidade, existem muito poucos "leões" e uma multidão de "ratos" -.
Diz que o homem vulgar leva uma vida de segunda ordem, cujo único memorial é o da lista telefónica ou o número de contribuinte. Que noventa por cento dos seres humanos não contribuem com praticamente nada para o avanço do conhecimento, para as conquistas estéticas ou científicas e para o legado das coisas extraordinárias, de que a nossa civilização depende. E remata que o jargão do "politicamente correto" tornou praticamente impossível comprometermo-nos de uma forma séria no debate sobre a natureza e a cultura.
Steiner, mesmo face à desigualdade de oportunidades no acesso à escolaridade da maioria dos jovens no mundo, pensa ainda assim que uma instrução decente chegará a cada vez mais e mais crianças. Contudo, duvida que as tecnologias modernas de informação, a disseminação planetária de textos, música e imagem que serão apesentados como conhecimento igual para todos jamais será todo e o melhor conhecimento. Pensa que numa maioria incalculável de seres humanos prevalecerá a escolha pela telenovela, fará do futebol a religião global e irá encarar o pensamento abstruso como sendo cómico ou vagamente ameaçador.
Neste sentido adianta que Trotski prometera que o homem mediano iria suplantar Aristóteles  e sobre tal proposição diz; - esse é, na sua essência o credo liberal -. 
Para concluir avança que se se emergir a ideia de que a maioria da população mundial não tem capacidade genética para aceder ao desempenho superior e uma elite de sábios cientistas tomar conta do governo do mundo o que acontecerá então?
Que ira exterminadora infectará a multidão dos "ratos"?

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domingo, fevereiro 02, 2020

NEVE(S) NO ALGARVE


 
No dia de hoje do ano de 1954 o Algarve surgiu da noite tapado de um espesso tapete de neve que foi uma novidade espantosa e um acontecimento único nunca visto para os algarvios vivos.
Na tarde anterior saíra da Columbófila na esquina da Rua de São Pedro com a esquina da, hoje em dia, chamada Rua do "Crime", onde tinha ido jogar bilhar com o Claudino, meu familiar.
Atravessávamos o Largo da Igreja do Carmo em Faro quando começou a cair pequenos flocos que se pegavam à roupa e se enfiavam pelo cabelo; sem saber o que era perguntavamos um ao outro "mas que é isto, mas que é isto" enquanto, intrigados, sacudíamos a roupa e linpavamos a cabeça. 
Chegados a casa um pouco  abaixo do "Montinho" na Rua D. Diogo Mendonça Corte Real as flores e o pessegueiro do pequeno quintal já estavam muito enfeitados de branco e perante o nosso espanto a Mana Bi' Luz, mãe do Claudino e dona da casa, esclareceu que a telefonia estava dizendo que era neve.
No outro dia de manhã, 02 de Fevereiro de 1954, fomos para o Liceu e atravessámos a "Carreira de Tiro" militar, o bairro de S. Luis e a vereda entre as amendoeiras até à estrada de Olhão já próximo do Alto de Santo António sempre com os pés enterrados na neve.
Na escadaria do Liceu a neve estava amontoada e os alunos à porta gozavam o manto branco no "Largo do Infante" em frente. Tocou para a entrada e imediatamente os professores mandaram sair as turmas pelas portadas trazeiras do parque desportivo do Liceu.
Alunos e professores brincaram na neve toda a manhã e foram mandados para casa depois; naquele dia especial e único até hoje houve uma borla às aulas.
Naquele tempo, até aquela data, apenas houvera anualmente a tal neve das amendoeiras floridas que, segundo a lenda, matava a tristeza da princesa nórdica. Esta neve tipicamente algarvia das resplandecentes e alvas manchas de Barrocal cobertas de amendoeiras floridas durou ainda algumas décadas.
Hoje em dia, princípes e princesas nórdicas, fartas de neve na terra deles, preferem sol e praia e nós, os algarvios, que na lenda os servíamos alegrando-os com neve de amendoeira, mantemo-nos os mesmos quase exclusivamente vivendo do turismo dedicados a servir alegria e bem-estar dos mesmos vindos do norte.
Só mudou o estatudo da amendoeira algarvia que, de rica e bela, foi deixada ao abandono tornando-se árvore em vias de extinção e simbolo de decadência.

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