segunda-feira, outubro 29, 2012

E TÃO IGUAIS



Há jornais e jornais.
Tão diferentes e tão iguais,
tão cheios de páginas,
de sangue e lágrimas.
E tão oficiais.

Há o diário dos cafés
de vagas e marés
vivas de tintas carregadas, 
escritas e gritadas:
"aqui del' rei"
que são gatunos sem lei,
vigaristas, assaltantes,
bandidos, carteiristas,
pedófilos, traficantes,
verdadeiros artistas
sem unha de humanidade,
nem coração,
que por arma ou esticão
tratam sua necessidade
urgente ou indecente
com o àvontade
de quem antigamente
ia a romarias diárias
sacar carteiras
e usa agora um lote
de técnicas, maneiras,
imaginação e artes várias
precisas para ir ao pote
farto das caixas bancárias.

E há o dito cujo, diário
único que faz oficial,
sem parangonas garrafais,
o saque arbitrário,
geral, imparcial, imoral,
das massas salariais
do doutor ao operário,
da mísera pensão
ganha de jovem a ancião,
da pensão d'invalidez qu'o infeliz
ganhou à morte por um triz,
do subsídio de desemprego
ganho de homem a labrego,
do rendimento de inserção
ganho para ser não-ladrão,
de qualquer mínimo rendimento
o insaciável orçamento
do pote, trata logo de mamar
a parte de leão e após o PR
assinar, quer se chore ou berre,
logo o dito DR vai legalizar
todo assalto governamental,
para encher como um ovo
o pote, onde gente muito fina
e tal, de fora ou de Portugal,
mete a suja mão e rapina
em nome da culpa do povo.

Para lá do, à primeira vista,
está a razão que administra
o pensamento.
Do entre, o ver por dentro
e o ver por fora, vai nascer
um ver novo para dizer;
há jornais e jornais,
tão diferentes e tão iguais.


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quinta-feira, outubro 18, 2012

POTE DE PULHICES



O sociólogo Barreto ao serviço do pingo doce andou anos e recentemente a afirmar que sabia da existencia de "clausulas secretas" nos contratos PPP estabelecidos pelo governo anterior e as construtoras concessionárias.
Ora, instado pela comissão de inquérito parlamentar às respectivas PPP, respondeu ter "nenhum"  conhecimento da existência de qualquer "contrato secreto". Reconhece que se criara dentro de si a "convicção" de tal existência. Ou seja, da ignorância de existência dos factos adquiriu uma "convicção" da sua existência. Um paradoxo total para justificar uma desonestidade intelectual ao serviço da baixa política.
A um professor sociólogo que se queira honesto não pode aceitar-se que profira afirmações convictas e difamatórias de outrem apenas baseadas numa convicção pessoal. 
E agora? Bem, o serviço já está feito pelo que pode ir pedir aumento de vencimento ao patrão merceeiro.




O PM Dr. Passos Coelho, numa directa ao seu ex-amigo parceiro de coligação Dr. PP,  afirma hoje nos jornais que; quem criar agora uma crise política terá de assumir as responsabilidades de um segundo resgate, e mais, do que vier a acontecer ao país posteriormente.
Este Dr. Passos é o mesmo que, há ainda apenas ano e meio, achou bem criar uma crise política e sujeitar o país ao resgate e à troika, na altura com solução estudada e acordada com os credores europeus, e portanto evitável.
O dramático é a dupla personalidade da pessoa: o próprio abriu e criou uma crise política sobre a crise financeira que obrigou o governo anterior, para gosto e gozo seu, a um resgate do qual nunca assumiu a autoria e responsabilidade; contudo, neste momento, grave e ríspido, adverte o seu (ex)-amigo e parceiro de governo que terá de assumir toda a responsabilidade do que der e vier a acontecer ao país caso origine uma crise política sobre o seu governo.
Enfim, o Dr. Passos que não tem asas e é um rastejante, faz-se sempre passar, ou por passarão ou anjinho.  

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quinta-feira, outubro 04, 2012

A MEDIDA, O HOMEM, O JOÃO




 "DE TODAS AS COISAS A MEDIDA É O HOMEM, DAS QUE SÃO ENQUANTO SÃO, E DAS QUE NÃO SÃO ENQUANTO NÃO SÃO"

 Assim começava Protágoras muitos dos seus escritos, segundo Diógenes Laercio.

Esta mensagem, pensada e escrita há 2500 anos, antes de Cristo portanto, não só reporta como relativiza ao Homem todas as coisas que existem ou ainda não existem como, aquelas que não existem ou existem apenas em pensamento.
Tudo é comparado com a dimensão humana e esta dimensão é o metro-padrão usado para medir e aferir tudo que é visto e material ou pensado e transcendental. Deste modo, também as ideias da imaginação teriam de ser pensadas como medida à imagem do pensamento do Homem.

Naquela época, tal proposição, pressupunha implicitamente uma crítica aberta, ou mal disfarçada, aos deuses vigentes, porquanto colocava também a sua existência como uma ideia nascida e alimentada sob medida do pensamento dos humanos e, por conseguinte, uma imagem pensada e criada pelos humanos à sua medida física e espiritual e, consequentemente, com atributos, medidas e acções práticas à sua medida e semelhança .
 Tal inédita proposição implicava, para os guardiões do templo da altura, como para os actuais, uma verdadeira blasfémia. Tanto mais que já havia escrito que "sobre os deuses não posso saber nem se existem, nem se não existem, nem que forma têm; muitas coisas impedem que o saibamos: a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana".
Assim, consta, foi ameaçado de um processo de impiedade e que, fugindo de Atenas, morreu de um naufrágio a caminho da Sicília.

 Ainda hoje podemos encontrar exemplos na vida prática que demonstram quanta verdade há na proposição de Protágoras.
 A tradição ancestral, largamente difundida e utilizada até hoje, de "ler a sina", isto é, da tentativa de conhecer o futuro através da leitura da palma da mão dos humanos, é um vestígio evidente da procura humana de obter imagens do futuro, para ler-conhecer o transcendental, a partir de medidas e sinais físicos dos humanos. 
Muitos outros exemplos, na vida prática, de medição de corpos e figuras geométrica pela utilização comparada com determinadas medidas do corpo humano, são bem conhecidas; basta lembrar-mo-nos das tradicionais medições "à braçada" ou "a passos" e que, ainda hoje, no sistema de medidas oficiais inglesas subsistem a "polegada" e o "pé" como medida de comprimento.

 Entre outros casos de uso prático usados pelos homens nos seus trabalhos de artes e ofícios ou nos trabalhos do campo, conta-se o caso do João de Brito, filho de Mestre calceteiro João Alcaria e Mestra grande artesã doméstica Zézinha de Brito.
 Há dias o João, no café aqui da nossa terra, falava da capacidade de aprender e do "jeito" e "habilidade" de mãos que tinha para fazer bem as coisas em que se empenhava. Isto veio à conversa porque, dizia ele, nunca na vida tinha feito o mínimo trabalho de cozinha mas que, face à inesperada incapacidade da esposa, só de ter visto fazer tinha aprendido em pouco tempo a fazer todo o tipo de pratos de comida, os que a mulher fazia e até outros de que também gosta.
- Olha, disse-me ele, desde miúdo que aprendi com os meus pais a fazer bem tudo o que via fazer ou eles me ensinavam. E, pela observação atenta e compreensão de como e porquê as coisas resultavam bem, algumas vezes até melhorava a prática e tornava mais eficiente a maneira de fazer as coisas -.
 Isso nota-se bem hoje, particularmente, na vossa arte familiar de calceteiro, disse eu, pois que tu hoje quase só és solicitado para fazer calçada artística, tornaste-te um artista calceteiro e o teu pai foi sempre um bom mestre na arte de fazer calçada.
- Bem, respondeu ele, no tempo do meu pai não se faziam calçadas sob desenho de artistas ou mesmo de imaginação e desenho próprio como hoje, caso ele vivesse neste tempo também chegava lá, tinha arte para isso -.
O João fez depois uma pausa longa e por fim falou: - vou contar-te uma história que se passou comigo, era ainda um miúdo -.

 - Uma vez, tinha catorze anos, fui na mula com os apetrechos de lavoura e sementes, só, semear uma terra dos meus pais. Quando andava espalhando o trigo sobre a terra por lavrar apareceu o vizinho da terra ao lado, também para semear a sua terra.
Então, o homem reparando no meu trabalho, voltou-se para mim e disse: - Ó miúdo, tu sabes o que andas fazendo ou andas brincando a atirar trigo ao chão?
- Ando semeando trigo para depois lavrar a terra e vir a obter uma bela seara e uma boa colheita -,  respondeu o miúdo João convicto do seu bom trabalho.
 - Bem, disse o homem, então vamos ver se é como dizes ou, pelo contrario, andas a semear para no fim teres uns bagos que nem dão para um pão, ou por outro lado estás a tapar a terra de trigo que depois nem espaço tem para nascer -.
 -Explique-se lá melhor que não percebo o que quer dizer-, respondeu o João.
- Vou aí ter contigo e vou medir a qualidade da tua sementeira-, disse o homem.
De seguida dirigiu-se à terra do João e começou a apalpar a terra com força até deixar vincada a marca da mão sobre a terra. Fez esta operação em vários locais espalhados pela terra semeada.
Depois virou-se para o João e disse; - vem daí comigo, agora vamos medir quantos bagos de trigo estão em cada palma da mão que eu deixei marcada na terra. Se em cada uma estiver contido cinco bagos de trigo podes considerar-te um mestre semeador, apesar de ainda seres um miúdo -.
Dito e feito, o João, ainda garoto, ficou espantado pois nunca fora confrontado com tal medição para aquele ou outro efeito semelhante mas, acostumado a fazer bem o que se metia a fazer por conta própria, lá foi verificar a prova de exame proposta pelo vizinho, um homem bem experiente na arte e pelo visto um empírico protagórico que chegou lá pelo engenho da necessidade.
 Pelo caminho, João ainda se defendeu, não fosse a coisa ser absurda face ao padrão imposto como ideal. Assim:
- bem, eu nunca espalhei sementes para obter uma precisão como essa, nem nunca fui ensinado ou tinha pensado dessa maneira, esforço-me em espalhar o trigo sobre a terra o mais certinho que posso, já fiz várias vezes e tenho-me saído bem, as searas ficam bonitas, agora se são cinco ou mais ou menos bagos em cada área de uma palma da mão, isso não faço a menor ideia -.

Feita a medição, então não é que em umas marcas lá estavam os cinco bagos repartidos e em outras estavam os cinco e já era visível, no rebordo da palma da mão, sinais de outros bagos.
Agora, quem olhava para o João, mais espantado que o João olhara para ele ao propor-lhe aquele exame, era o homem semeador experiente e aferidor de qualidades de trabalho servindo-se do método de que o homem é a medida de todas as coisas, a que chegara por necessidade prática.
Mal chegou a casa, entusiasmado e contente, contou tudo à mãe. Esta ouviu-o atentamente e com grande serenidade. No fim ela pronunciou-se, assim:
- Muito bem, filho, só uma pergunta; e tu pediste ao homem para fazeres a mesma prova à sementeira dele? Pois devias tê-lo feito, que aquilo que se exige aos outros deve exigir-se primeiro a si próprio. Talvez tivesses feito a prova de que os homens não se medem aos palmos -.

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