sábado, outubro 31, 2009

O DISCURSO DA QUALIDADE


A CIDADE E O CAMPO, NOSSOS.

O discurso da qualidade tem lugar, quando nas sociedades desenvolvidas que já têm práticamente tudo, deixa de ser preocupação o básico e imprescindível e aquilo que foi supérfluo começa a ser uma necessidade. Este discurso é evidente a nível global entre países pobres e países ricos mas, também existe ao nível de microcosmos locais e sobressai, nomeadamente, entre Cidade e Campo do mesmo Concelho, como é o caso do nosso.

Basta ler a imprensa regional, ou no caso ler regularmente Blogues como o ADF (A Defesa de Faro), artigos e comentários, para saltar à vista o discurso da Cidade. Este não tolera a deficiência dos serviços públicos ou na gestão, protesta contra a falta de qualidade da vida urbana, pouco se fala e exige de mais empregos e locais de trabalho mas muito se fala e exige de mais e melhores locais de lazer, não se exige mais escolas mas que o ensino seja excelente, não se pede mais iluminação para as ruas mas que esta nunca falhe e os postes não atrapalhem, não se discute a falta de ruas mas sim a lizura do pavimento e passeios e falta de estacionamento para automóveis, não se discute a falta de água em casa mas sim a boa ou má potabilidade dela.
Eleva-se a tal ponto a exigência de qualidade que, hoje em dia, estranha-se que alguém morra num hospital: não se entende que se possa morrer precisamente no local onde tudo é concebido e adequado para fazer sobreviver. Já questionamos a morte como devida a uma falta de qualidade de meios e ciência: quase exigímos dos outros que sejam Deus. E como é na Cidade que estão resolvidas todas as necessidades primárias, os cidadãos voltam-se para exigências contínuas de perfeição, quer de bens materiais como espirituais, num movimento irracional no sentido de se imaginarem a caminho de ultrapassar a condição humana e caminhar para a condição divina num espaço sagrado edénico onde a Cidade representa o centro ou o altar.

O Campo, sempre relegado para lugar secundário desde a criação da pólis, tem um discurso por imitação: se a Cidade tem, também quer ter o mesmo. Nem podia ser diferente: não tem massa crítica para ultrapassar os preconceitos citadinos impostos pela linguagem do poder e dominante. A própria Lei que ordena e organiza o território fá-lo em benefício da Cidade e em detrimento do Campo: a Lei é a imagem do poder da Cidade e um mimetismo do pensamento citadino.

Quando se pensava que concluidas todas as necessidades prementes na Cidade, esta voltar-se-ia para resolver os mesmos problemas no Campo, surgiu o discurso da qualidade. Tal discurso volta a impôr novas e radicais exigências qualitativas para a Cidade que condicionam materialmente a resolução de necessidades ainda básicas para o Campo.
Assim a Cidade continua, segundo o discurso da qualidade, a reivindicar sempre mais e melhor para sí. Assim o Campo continua, submerso na onda espaventosa e algo retórico-artificial discurso da qualidade, esbracejando por socorro na tentativa desesperada de evitar ser cadáver.

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terça-feira, outubro 27, 2009

OUTONO 2009 NO QUINTAL

MUDAM OS TEMPOS MUDAM AS CORES
Chegou outro tempo e mudou a hora. Mudam as flôres e estão mudando cores de frutos no quintal. Esgotado o calor violento do Verão com a maturação e seca e apanha dos frutos secos tradicionais do Barrocal, é tempo de aparecer e alegrar a vista e a vida, os frutos tardios, mas não menos saborosos, do Outono. Este é um tempo de calma contemplação possível ao longo do dia. Ao contrário do Verão, é um tempo mais virado para dentro e menos para fora: a mudança é mais enigmática, as noites maiores que os dias e o sonho tem mais possibilidades.


No Campo se Sant'Ana em Lisboa, árvore vestida de rosa.



No quintal, tangerinas e laranjas a caminho da côr final do amadurecimento.





Depois das primeiras chuvas as romãs estão prontas e finalizadas.





As flôres de Outono, miudinhas emitindo uma calmante luminosidade.












As nozes, umas ainda fechadas outras abertas e muitas já caídas e apanhadas ao Sol para secar e ganhar sabor.






Os medronhos verde-laranja a caminho acelerado para a maturação e serem apanhados directamente da árvore para delícia do apanhador.




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domingo, outubro 25, 2009

MARAFAÇÕES LXXVII



1. SARAMAGO
Saramago, ao contrário do que quer fazer crer, é um crente azedo, mas crente convicto, senão: como se pode chamar filho da puta a alguém que não existe?

E por outro lado Saramago é um falso corajoso: chama filho da puta a alguém que ele acha que não existe, e se existe, é impassível, logo nunca levantará a mão para o atacar, a língua para o acusar ou a esferográfica para redigir uma carta anónima à PGR.


2. EIXO DO MAL
No grupo parapatético do eixo da sic, uns mais outros menos, afirmaram ou aceitaram que, segundo suas excelências, dada a fraca constituição do novo governo, Sócrates se deve ter confrontado com imensas "tampas" de imensas "grandes personalidades" políticas.

Depois referiram que Sócrates tinha conseguido formar o governo sem deixar transparecer "pinguinha" cá para fora antes do anúncio oficial.
Donde se conclui que esperavam fossem contactadas "grandes personalidades" do tipo Joana Amaral Dias. Ou algum entre eles próprios, pois tanto lutam por rebaixar o nível político e ministerial que mantem acesa a esperança que um dia se nivele às suas possibilidades.

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sexta-feira, outubro 23, 2009

TIMEU E TIMÃO


A MEDIDA HUMANA

Quando lia uma interpretação crítica do Timeu de Platão veio-me de imediato à lembrança a palavra "timão" que se usa vulgarmente aqui nos Gorjões.

Defende o autor da crítica que Platão vai buscar aos pitagóricos e sobretudo a um discípulo deles, Protágoras, célebre autor da proposição de que "o Homem é a medida de todas as coisas", os fundamentos das ideias que defende no seu Timeu. Partindo dessa ideia de medida e das combinações imutáveis dos números pitagóricos, Platão tece a sua criação do mundo e do Homem com as suas almas respectivas, que lhes dão vida, distribuidas de forma a prefigurar uma equivalência com as medidas do corpo humano. Diz o autor da crítica: "O universo (cosmos) do Timeu, ao menos em nossa interpretação, apresenta-se como uma cabeça amputada que carrega atrás de sí um tronco fantasma". E ainda que: "Estabelecemos a correspondência, termo a termo, entre certos elementos do Timeu e certas partes, articulações e orgãos do tronco e da cabeça humana". Em suma, diz que Platão se baseou nas medidas proporcionais do corpo humano delineadas no Doríforo do escultor Policleto, também pitagórico, consideradas como as ideais, o "Canôn" (a regra).

Também o "timão", aqui entre nós popularmente usado, designa uma capacidade intrínseca de uma medida humana. O termo "timão" é dito e referido sempre que um jogador tem, quase invariavelmente, uma dose certa de "peso conta e medida" tal que o jogador atinge o objectivo com perfeição total.

De um pastor acertar com uma pedrada ou uma funda numa ovelha diz-se que tem "pontaria". De um jogador de futebol ou ragby acertar num passe longo diz-se que tem "precisão". De um jogador de golf bater uma bola para junto do buraco diz-se que tem "pancada". Contudo, nestes casos ou semelhantes, tanto jogadores como alvos variam de lugares e distâncias entre sí, isto é: a medida varia a cada jogada continuamente. Portanto, nestes casos, não há uma sistematização do jogo que permita uma avaliação da capacidade de medir.

Diz-se de um jogador de "malha", com malhas regulares deslizando sobre base própria, ou jogador de "bicho", com pequenas malhas irregulares jogadas pelo ar sobre um terreiro seco que, quando uma vez e outra e quase continuamente, o jogador consegue a precisão da medida, da força e da direcção exactas, em cada jogada, fazendo coincidir com precisão o pensamento desejado com o acto realizado, então diz-se, repito, que tal jogador tem um "timão" elevado. A característica que individualiza estes jogos, relativamente aos outros, consiste na distância e posição dos jogadores que é sempre a mesma igual em todas as jogadas: o jogador repete invariavelmente a mesma jogada sempre. A repetição permanente, num lançamento sempre identico, permite definir quem tem na mão a melhor e mais certeira medida consoante a maior continuidade de sucessos precisos. É precisamente a esta capacidade de medir sem meios de medida, de atingir o alvo à distância com precisão sem meios de direcção, de transmitir à mão uma medida, uma força e uma direcção que só existe no pensamento, que designamos por "timão".

Se o plano do Timeu é a utilização da medida concreta do corpo humano para idealizar uma criação do mundo à semelhança do Homem, o objectivo do Timão é tornar uma medida idealizada uma coincidência com uma acção concreta do Homem. Parece fatal: a medida está no Homem ou parte do Homem.

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segunda-feira, outubro 19, 2009

MARAFAÇÕES LXXVI


HOMEM PROGRAMADO, HOMEM INTELIGENTE
Há pessoas, a maioria delas, que deixam de fazer aquilo que gostam e que só elas podem fazer para se dedicarem a fazer aquilo que pode ser feito por outros em qualquer altura. E maior é a burrice quando tais pessoas, estando numa idade que já pouco tempo têm para fazer aquilo que lhes dá gozo viver e só elas podem fazer, continuam a privilegiar fazer o que pode ser feito por outrem, agora ou posteriormente.
Cada um tem uma vida para ser vivida que tem de ser assumida pelo próprio visto que ninguem a pode fazer por sí ou substituí-lo. Logo, numa certa idade quando o tempo escasseia, privilegiar assuntos que podem ser feitos por outros e em qualquer tempo, em detrimento do que mais se gosta de fazer e que só pode ser feito pelo próprio, é dar prioridade ao secundário e perder qualidade de vida. Na minha maneira de ver é, mesmo, perder tempo de vida útil.
O avarento gasta-se e morre praticando a "esgarganeira", o idiota gasta-se e morre praticando a "parvoice", o estúpido gasta-se e morre praticando a "pulhice", o esperto gasta-se e morre praticando o "desenrascanso", o sensato gasta-se e morre praticando o "arranjismo", o utilitário gasta-se e morre praticando a "deixa", o programado moderno gasta-se e morre praticando a "moda", o programado antigo gasta-se e morre praticando a "tradição", o inteligente gasta-se e morre praticando "a vida".

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domingo, outubro 18, 2009

A NOVA ASSEMBLEIA DA RÉPUBLICA


E AS NOVAS CONDIÇÕES

O Pacheco já veio dizer que "as condições de trabalho" na actual AdR são muito melhores que no seu anterior tempo de deputado. Valha-nos isso, caso contrário, vê-lo-iamos a abandonar a dita AdR com os argumentos do Vasco P. Valente de que as casas de banho, restaurante e falta de estacionamento não se coadunavam com a sua deputação de elevado peso-pesado e estatura intelectual.

Mas, dada a possibilidade de não lhe concederem por mérito e reconhecimento indiscutível, um lugar nobre como presidente da bancada ou vice-predsidência da AdR, ou outro de destaque, não veremos o PP, mais tarde ou mais cedo, dar de frosques da Assembleia? Claro, o record de Deus Pinheiro já não pode bater. Mas aquele é Deus e Pacheco não quer ser tanto.
Ao Pacheco basta-lhe ser "espírito santo" de orelha do chefe ou "diabo" de morte do chefe, conforme o seu mau gosto político.

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quinta-feira, outubro 15, 2009

CARTA A MACÁRIO


SENHOR PRESIDENTE,

Tem agora o Senhor, em grossa parte e medida na sua mão, o rumo a dar à nossa querida Cidade. Ela tornar-se-á feia ou bonita, grande ou pequena, bem-amada ou mal-amada, bendita ou maldita, florescente ou decadente, respeitada ou desacreditada, lugar de orgulho ou lugar de desprezo conforme a grandeza ou mesquinhez do olhar do Presidente sobre a dignidade dos cidadãos, os valores da cidadania, o cidadão como cidadão e não como eleitor, a história da evolução humana, a percepção do futuro e a atenção ao mundo civilizado ao redor para tomar e trilhar o recto caminho.

A Cidade, só por sí, tem grandeza, identidade e natureza própria que baste para ser fonte de bem-estar e alegria de viver para os seus cidadãos. É preciso, contudo, não estragar o que a natureza lhe deu e os antigos legaram. Pelo contrário, é urgente puxar lustre ao seu património natural e pergaminhos históricos, dando-lhe um brilho que ofusque a vista de naturais e visitantes.

A Cidade precisa de brilho para ter brio. Cidadãos com brio da sua Cidade é meio caminho feito para restaurar o interesse e desejo de puxar para cima e manter alta a vontade de exercer a cidadania. Contudo, cuidado. Dar brilho à Cidade tem de ser um acto cultural para o futuro, algo arrojado e estranho hoje, mas de orgulho amanhã. E aqui, muito depende da visão larga ou estreita da edilidade, de enfrentar o difícil ou seguir o fácil, de saber impôr ao viver e olhar a beleza da arte com futuro ou correr atrás do imediatismo de encher o olhar tabloidizado ou vulgarizado pelas pirosidades do Kitsch.

A Cidade precisa abrir o seu interior e abrir-se ao seu exterior. Precisa rasgar espaços largos de acesso às suas centralidades, especialmente à sua centralidade histórica. E isso sem demolir e arrasar a identidade das suas pedras mais antigas e nobres embora sacrificando algumas menos significativas. Precisa fazer coabitar lojas, cafés, esplanadas, restaurantes, cinema, teatro, música, entretenimento com casas habitadas por cidadãos empenhados. Precisa voltar-se e reencontrar-se com o seu ex-líbris, a Ria Formosa, sem desvirtuar a sua natureza de mar aberto à fauna humana e marinha, nem desvirtuar a natureza da zona ribeirinha com uma enchurrada contínua ininterrupta e única de espaços de lazer. O espaço enorme e contíguo das actuais estações ferroviária e rodoviária, nas mãos de um projectista reconhecido, poderia ser a tal estação citadina intermodal contemplando ainda a valência marítima recreativa, independentemente de uma futura estação fora da Cidade para combóios de novas velocidades.

A Cidade precisa, igualmente, de lançar braços de estradas rápidas e seguras para as suas populações rurais que atravessem as Hortas e cheguem ao Barrocal. A Cidade não pode deixar de parte ou menosprezar, sem ficar sob o estigma da desconsideração, os seus cidadãos rurais. A sua fronteira mais afastada está a 15 kms o que não passa de arredores para qualquer Cidade que se quer capital. As zonas rurais deveriam ser tratadas como espaço de recreio e jardim das trazeiras que embelezam a Cidade. Nestas zonas bem fora da Cidade, reservar espaços limpos e adequados para a indústria, desporto, grandes espectáculos ao ar livre, grande parque verde atractivo para recreio familiar que contemplem serviços de lazer, desportivos e culturais bem integrados.

Como disse, só uma visão integrada da totalidade do espaço concelhio mas concebida com uma mentalidade rasgada e aberta aos sinais do futuro pode trazer à Cidade a médio longo prazo a grandeza que orgulhe todos de serem farenses. Tenho receio que seja capaz de uma visão estratégica que vá no sentido aqui exposto. As pressões de martelo dos pedreiros-construtores, as pressões de chutos e cabeçadas dos cabeças redondas do futebol, as pressões chantagistas das contrapartidas dos patrões das super-superfícies de mercearias, as pressões de massas de cidadãos culturalmente analfabetos e as pressões políticas de mostrar trabalho feito de imediato e do agrado de todos, são obstáculos de monta e tentar conciliar tudo é uma caldeirada em lume até queimar. Conciliar as prioridades e avançar ganhando aos poucos os cépticos para a causa já é uma tarefa de Hércules, mas que vale a pena ser tentada.

Mas o meu maior receio ainda reside, precisamente, na grandeza de pensamento do Senhor Presidente. Ainda recordo a incomodidade que senti como algarvio quando, na sua qualidade de Presidente da Cidade de Tavira, mandou a frota de carros do Município num corropio em vai-vem abastecer de combustível na espanhola Ayamonte para poupar uns trocos, se é que poupava mesmo: uma medida de pensamento mínimo. Espero que, face a uma nova situação semelhante, não se lembre de repetir tal dose desenxabida e de fraca cidadania para um Presidente de um Município capital, e desse modo incomodar-me duplamente como algarvio e como farense.

Ainda durante a pré-campanha procurou o autor do livro "Gorjeios" porque tinha lido o livro e gostara do que lera. Pode ter sido um acto sincero ou de astúcia de quem já é batido em campanhas eleitorais. Pela espontaneidade e anormalidade da situação convenci-me pelo acto decidido por uma assumida razão de livre sinceridade.
Pois agora, que é Presidente do meu Município, tem imensas possibilidades de inscrever obras sobre a Cidade e o Campo de Faro, que façam os farenses gostar e sentirem-se orgulhosos do seu autor.

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segunda-feira, outubro 12, 2009

O ELOGIO DA SOMBRA 4

DIÁLOGO ENTRE ALMA E SOMBRA (CONT.)

Sombra:
Precisamente Alma, uma vez soprada no corpo e este animado, tornai-vos indivisíveis porque um não subsiste sem o outro, e na acção sois inseparáveis.
Quando o corpo é accionado não és tu já nele? Quem dá a ordem de acção? E dada a ordem de execução da tua idéia não és tu que estás nele a comandar e a acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos do Corpo? Não és tu, alma desse Corpo, que guia braços e pernas do Corpo pelo caminho das tuas idéias? Se a força das idéias e a força do Corpo não coincidissem em uníssono, como teríamos vindo do oráculo até à Internet?

Alma:
Nessa situação, não há dúvida, dá-se uma coincidência de local e tempo, total e perfeita, entre nós dois. Penso mesmo que é necessária e inevitável tal sincronização. Neste ponto tenho de dar-te razão.
E lembro-me que, após viajar por entre sonhos por mundos inverosímeis, se descubro algum humanamente possível, transporto-me rápido para o Corpo adequado capaz de realizar esse sonho. Esclareço-o e incíto-o a levá-lo a cabo para grandeza sua e minha.

Sombra:
No sonho evadem-se um do outro por artifício transcendental e não físico, mas na acção Corpo e Alma unem-se intimamente como um único. Eleito o sonho a realizar, Corpo e Alma, são um só, uma unicidade, e a Sombra é representação dos dois. Do Corpo representa a sua condição humana, da Alma representa o sinal vizível da sua imaterial invisibilidade, contudo constitutiva e indivisível do Corpo mortal. E, como tal, um sinal que separado e perdido da vista um do outro, rompe a ligação da unidade indivisível levando ao desnorte de cada parte e à perdição de ambas.

Alma:
Também neste aspecto tenho de dar-te razão. Tenho reparado, quando sou águia lá no alto, que a sombra aumenta cada vez que subo mais alto. De acordo contigo percebo agora porquê: quanto mais alto se sobe maior é o risco e, segundo o teu ponto de vista, a Sombra aumenta como sinal de aviso igualmente maior. Isto é, o sinal de aviso é proporcional ao grau de risco.
Podia até, ir junto do Sol e fazer Sombra à Terra inteira, mas antes o Sol derreter-me-ia. O subir demasiado tem sempre à espreita o perigo da perda: ou o Sol nos desfaz derretendo ou, escurecemos o mundo e, onde só existe Noite e sombra perdemos as referências, perdemos a nossa unicidade e ficamos perdidos entre nós. O Corpo perdido sem Sombra própria, por sua vez perdida na Sombra total universal, e eu perdida no cosmos de minha referência corporal, feita Alma errante.
Concordo agora contigo minha amiga e protectora, que eu, fora do meu Corpo e perdida de minha Sombra, à procura de grandeza acima e para além da minha condição de ser parte desta indivisível trinidade de rosto humano, conduz sempre ao castigo e ruina desta terrena Trindade Imperfeita.


Fim

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quinta-feira, outubro 08, 2009

O ELOGIO DA SOMBRA 3


DIÁLOGO ENTRE ALMA E SOMBRA (CONT.)

Sombra:
Precisamente, eu sombra representação individual de cada e todas as almas, grandes e pequenas, a minha condição é rastejar na superfície da terra e fazer ver a qulquer alma inferior ou superior, que quando se eleva muito alto, para lá das nuvens, desliga-se e perde-se de mim. Sendo eu o seu sinal terrestre, perdendo-se de mim fica sem referência e, sem rumo e orientação, acaba perdida de sí própria e do mundo.

Alma:
Queres dizer que não posso perder-te de vista?

Sombra:
Quero dizer, para teu bem, que não deves perder-me de vista.

Alma:
Só posso viver arrastando-me com os pés no chão agarrados a ti?

Sombra:
Podes subir às mais altas montanhas ou elevar-te acima delas, como quizeres, nunca deves é perder de vista o outro teu lado de condição rastejante, isto é; o sinal da tua sombra, a tua referência existencial.

Alma:
Afinal que és tu a mim? Uma sósia minha? Uma segunda alma? A minha alma negra?

Sombra:
Uma sinalização de ti. O sinal da tua condição humana. Mais que uma signalética simples sou toda um compêndio de semiótica sempre presente à vista, vigilante e avisadora.

Alma:
Enganas-te Sombra, eu não sou corpo, sou Alma imaterial e invisível que paira algures levada pelo pensamento, não tenho morada certa, vivo onde surgem as idéias, sou pura abstracção sem sombra, apenas congemino ideias que vão determinar e accionar o corpo, essa massa mole e ignorante.


Sombra:
Cada corpo tem a sua alma e cada alma está adstrita ao seu corpo correspondente. Sais dele à procura de idéias e sonho mas o vazio deixado vai atrair-te novamente e sempre. Vives em comunidade de vida e morte solidária com o corpo e comigo: tudo que é de um é comum a todos. És a marca elitista do teu corpo e eu sou, não por acaso, o sinal mancha-preta-evidência da marca e prova existencial de ambos. Mesmo quando devaneias por fora, alada pelo espaço, representas e velas pelo teu corpo correspondente, que pelos outros velam as suas almas inerentes, e eu represento o sinal inapagável de aviso permanente, comum aos dois.

Alma:
Dizes que somos indivisíveis? Que um não vive sem os outros? E para mais queres tu, réptil réplica difusa de gente a duas dimensões, sem intelecto nem transcendência, simples mancha sem pés nem asas, viuva acompanhante sujeita cega surda e muda, queres tu ter e partilhar importância e igualdade comigo?
Esqueceis que sou o sopro divino que vos dá vida?

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quarta-feira, outubro 07, 2009

O ELOGIO DA SOMBRA 2


DIÁLOGO ENTRE ALMA E SOMBRA (CONT.)

Alma:
Todos julgam que sim e tentam parecer que têm mas nunca têm tamanhos nem carácteres iguais. As almas grandes são as que possuem o fogo e o brilho que iluminam à volta e provocam a sombra. As almas pequenas apenas comportam mesquinhice, inveja, intriga, vingança, possuem vileza e maligna astúcia de sobra para provocar injustiça e indignidade em todos os sentidos. Produzem nódoas cinzentas, provocam não sombras mas assombros. Normalmente não vingam, descobrem-se a sí próprios pelas suas actitudes velhacas, contudo insistem sempre. São almas venenosas, picar e morder é a sua condição. Eu sou uma alma grande, tenho consciência disso e o percurso do meu vôo prova-o.

Sombra:
Pensava eu que tinha a mais desditosa existência, pelo que me dizes mais vale ser sombra que ter uma alma pequenina. E embora me arraste, e ainda mais se sujeito a uma alma grande, falo-ei de bom gosto quando se consegue ser sombra de uma alma grande como tu. Talvez ser sombra de uma alma cheia de grandeza, pura e nobre, ainda infunda algum respeito mesmo sendo dela apenas uma mancha preta. Muitas vezes a sombra toma a forma da figura e outras vezes confundem-se, vistas de fora parecem uma só e a mesma coisa.
Diz-me Alma, uma alma muito grande como uma montanha acima das nuvens, e a sombra tão longe que nem se avista, não pode levá-la a confundir-se com Juno?

Alma:
Uma alma grande feita de experiência de vida e enobrecida pela reta sabedoria de conhecimentos sabe auto-dominar-se e controlar-se, evitará sempre cometer exageros promovidos sempre pelo rápido sucesso mundano que por sua vez promove excessos de vontade irracional.
Uma alma que não se apôe nestes dois pés, experiência e sabedoria, está desequilibrada e, chegando a grande, quer ser sempre mais grande e mais grande ainda e sempre. Aí pode perder a noção das proporções e tomar-se por Juno ou pelo próprio Júpiter. O desequilíbrio tira-lhe a visão correcta, a vontade incontrolável tira-lhe a racionalidade e fá-la avançar até perder-se no caminho e de sí própria.
O mortal, às portas do Olimpo, enlouquece e perde-se, jamais lá entrará. Já alguns tentaram assomar-se a tal porta, como um tal Empédocles de Agrigento, e afinal caiu nas profundezas da Terra pela boca de fogo do Etna.
Mas diz-me sombra, falas das almas acima das nuvens perdidas da sua sombra, que queres dizer?

Sombra:
A sombra é uma impressão preta vazia, sem espessura nem alma, informe, que não vê, não ouve, não sente. É um fantasma rastejante cujo sentido visível é dar compamhia à alma, mostrar-se sempre junto, ligada e solidária, ser inseparável representação do outro lado da alma, aquele que lhe faz ver que por muito alto que suba, a sua representação está cá em baixo, também imaterial mas visível, avisando os humanos.

Alma:
Dizes, sombra, que és o outro lado de mim? O fantasma de mim que me aponta a Terra e não o Céu?.

(continua)

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terça-feira, outubro 06, 2009

O ELOGIO DA SOMBRA 1


DIÁLOGO ENTRE ALMA E SOMBRA
Alma:
Eu sou o sopro imortal que habita e anima o corpo. Vivo, passeio, repouso, pernoito, sonho no interior do corpo mas não misturada nesse saco carnudo roto de nove buracos. Saio e entro por conta própria para investigar e regresso para dar ordens a esse monte de carne e pôr em marcha o seu esqueleto de cal. Faço-o herói ou levo-o à perdição: sou a sua alma divina ou sua alma danada. Sou a visão e força do corpo: o olho e a mão invisíveis que vê ao longe e agarra ao perto.

Sombra:
Eu sou imitação sem forma definida nem conteúdo, uma imaterialidade vazia, sou vista mas vivo às escuras, às cegas.

Alma:
Sem mim, o corpo seria matéria mas como tu também vazia, uma imitação das pedras. Não sou fria e escura, sou o fogo e o brilho que ilumina o Homem. O meu reino é o Dia, a acção, a actividade, terçar com o fogo e o brilho dos outros Homens, vencê-los ou juntar-me a eles. À noite eriço Eros ou o Sonho.

Sombra:
O meu reino é a noite, a escuridão, viver apagada, à noite ser sombra da sombra é o meu estado ideal. O dia é um martírio, logo que um homem se levanta rastejo atrás dele, se se deita sou esmagada por ele. Se o homem tem uma alma grande mais rastejo e mais esmagada sou. Diz-me Alma, todos os homens têm uma alma grande?



(continua)

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sábado, outubro 03, 2009

A CIDADE E O CAMPO FARENSE


SUBORDINAÇÃO, LEI DO FUNIL
Há dias tive de recencear o furo de captação de água que tenho no quintal desde 1995. Gastei na altura cerca de 15.000 euros e depois até hoje mais 14.ooo euros com descalcificador, tratamento dos coliformes que por via das fossas sépticas inquinaram a água, e dois arranjos na tubagem e cabos eléctricos que obrigaram à desmontagem total da bomba do fundo do furo. Fiz o cálculo, para uma duração de 30 anos da instalação e 1 m3 de consumo diário, e a água que consumo custava-me 2,42 euros/m3. Neste momento, contando com os arranjos e tratamento já subiu para 3,8 euros/m3, sem contar com energia gasta na pressurização da rede de casa.
Tudo isto sem nenhuma comparticipação da Cidade e porque esta nunca pôs à disposição do Campo uma fonte (furo) pública com torneira, nem sequer em tempo de seca anormal, um camião tanque dos bombeiros.

Contudo a Cidade obriga-me e quer ter consigo o registo e localização da minha fonte de água para, em caso de necessidade, poder colocar e usar a minha água a bem do serviço público: em caso de cataclismo a minha água pode servir para minorar as dificuldades de abastecimento da Cidade. Mas a Cidade, que tem água tratada, potável, mineralizada, dentro de casa e á pressão uniforme sem mais, há mais de 80 ou 90 anos e, sobretudo, 35 anos depois de Abril, nunca teve a preocupação de colocar a sua água ao serviço do Campo.
Falámos de água e de uma perfeita lei do funil.

DESCONSIDERAÇÃO
Na Cidade, aquando de qualquer nova urbanização, que são mato, para sua aprovação obriga-se que façam previamente todas as infra-estruturas incluindo a rede de águas e esgotos, além de telefone, gás, tv cabo, electricidade. E também os arruamentos com calçadas, lancis e pavimentos lisos e luzidios. Em suma, na Cidade ainda não há casas nem habitantes e já todas as necessidades básicas civilizacionais estão instaladas esperando os exigentes moradores. E lá estão os fiscais vigilantes e zeladores de que tudo se cumpra à risca segundo os regulamentos.
E no Campo? Bem no Campo, como aqui nos Gorjões, os habitantes estão lá há séculos, contudo apenas têm telefone e electricidade desde há 30 anos, quando não falham, e o resto têm por imaginação. Pode dizer-se, com razão que, na Cidade, antes de serem já são, no Campo, são há séculos mas não serem.

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