sábado, fevereiro 24, 2007

GORJEIOS V

A ALMA

Alma imortal dos nossos ancestrais
Homem e Mulher, viestes e estais
connosco desde sempre até hoje
passando de pai a filho, morto a vivo,
és a raiz, o modelo, a matriz, o livro,
que o passado dos nossos a nós impôs.
O tempo passa, o tempo foge,
o tempo muda, o tempo define,
o tempo cerca, circunscreve,
o tempo corre, faz-se breve,
o tempo marca, o tempo imprime,
o tempo ensina, o tempo indica,
o tempo dá e tira, o tempo redime,
o tempo renasce, o tempo replica,
o tempo leva a carne, deixa o sublime,
o tempo vem, o tempo vai, a alma fica.

Alma grande de todas almas tecida
de marcas de amor à terra empedrenida
virgem e brava, feita mansa e mole
pela força dessa alma que vagueia
tecida de todas as almas feitas teia
que nos envolve, qual sombra, qual sol
que nos ilumina e aquece, qual farol
noa traça o caminho e guia,
qual força invisível que captura
a alma antiga, a actual e a futura,
funde-as, molda-as, e delas recria
a nossa alma comum, alma-máter
original que em nosso peito habita
desde os pássaros, fonte de carácter
limpo e perene que morre e ressuscita.

Alma vinda dos céus nas asas das aves em vôo,
alma caída na terra dura nosso chão, fecundou-o,
alma mulher útero de mil rebentos,
alma mito, origem ideal, íntegra, intocável,
alma obreira da pedra do mato, da terra arável,
alma semente de almas na terra e nos tempos,
alma apelo dos antigos de corrupção isentos,
alma costume de costumes únicos que houveram,
alma saber dos saberes dos nossos avós maiores,
alma cultura da cultura da vida e dos valores,
alma forma das formas que idas almas nos deram,
alma corpo dos corpos gastos feitos ossos e pós,
alma fonte de ecos de lutas e sonhos que viveram,
alma viva vinda de passado em passado até nós.


Do livro Gorjeios

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sábado, fevereiro 17, 2007

MARAFAÇÕES XI

A SALDO, A ASSALTO?

Um estranho que visite Santa Bárbara de Nexe, dará voltas sobre si para bem observar o manuelino quinhentista e o barroco setecentista da vetusta mas bonita e airosa igreja matriz, e antes já bem dobrara o pescoço para olhar a cúpula da esbelta torre sineira sinaleira. Embrenhado na visão de restos do nosso tempo glorioso, descendo pela rua antiga que contorna a igreja pelo lado norte chega ao Rossio, e aqui perdem-se de repente pelos olhos, todos os pensamentos sobre o nosso passado histórico. Chegado aqui, bate com os olhos na mais visível modernidade nexense; montras e montras forradas a papel A4 com fotografias anunciando a venda, ao retalho, do barrocal tradicional. Num raio de 20 ms à volta só vê, salientes e apelativos, nomes charmosos de imobiliárias que se propõem vender ruinas de casas e terras abandonadas mas com valores turisticos exorbitantes.
A falta de condições para uma vida mínina de acordo com padrões actuais, por um lado, e por outro o apelo martelado da cultura dominante, que vende encapotadamente os interesses da especulaçao imobiliária do negócio sob a forma de dormitórios, centros comerciais, centros clinicos, centros de futebol, centros de cafés, centros de 3ª idade, centros de passeios, centros de divertimentos, centros de bailaricos, etc., leva ao abandono das antigas casas de média e pequena lavoura do barrocal. Na freguesia uma fatia importante das casas da antiga classe de pequenos e médios lavradores já mudaram de dono e estão nas mãos de estrangeiros ou forasteiros ricos que, após demolições restaurações deixando sinais da primitiva antiguidade juntamente com modernaças piscinas e barbecus, fazem negócio de arrendamento escondido fiscalmente.
O preço turistico desses bens faz que os herdeiros deles não resistam à facilidade da divisão monetária para adquirir o seu apartamento que, como ataca a publicidade, tem as badaladas modernas instalações e os bens finos da cidade à mão. Na nossa freguesia, devido á sua situação geográfica priviligiada disposta em anfiteatro sobre o mar, os preços tornam-se irresistíveis para os locais na venda e proibitivos para os locais na compra. A especulação é o aparelho respiratório do capital finaceiro, a alquimia que troca patacos de latão por moeda de ouro, a flôr bem cheirosa que atrai o incauto para a beleza efémera da pétala e o ganansioso para o mel saboroso do pólem, o açúcar que faz correr todas as moscas.
Só assim se explica a instalação, de um ano para o outro, de meia dúzia de escritórios de mediação de compra e venda de propriedades numa pequena aldeia, tantas como em Faro e mais que Loulé e S. Brás juntas. Dizia-se antigamente: - em Olhão é porta sim porta não -, hoje poderiamos dizer que em S.B. de Nexe é montra com montra, como na célebre rua de Amesterdão. E como lá, a exposição nua e crua em montras dedicadas à venda, para turistas interesseiros, do património ancestral dos nossos antepassados é um verdadeiro atentado ao pudor dos nexenses que amam a sua terra.
Já vi alguns nascidos na cidade, chorarem porque os seus pais venderam a velha casa do campo onde viveram, até à morte, os avós.

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VIAGEM A ALMODOVAR PARA JOGAR COM O CLUBE LOCAL
INÍCIO DOS ANOS CINQUENTA
EQUIPA DO NEXENSE

terça-feira, fevereiro 13, 2007

GORJEIOS IV

O PATEGUISMO

Dizia eu no texto publicado “Crónicas Ligadas”, que o abandono do campo por parte dos nossos edis responsáveis se devia a uma cultura patega.
Queria agora desenvolver este tema para explicar qual a mentalidade que racionaliza esse tipo de cultura e depois se exterioriza na forma do pateguismo. Em primeiro lugar a mentalidade da cultura patega é filha da obscura instrução e prática censória autoritária do salazarismo ao longo de muitos anos. Em segundo lugar deve-se ao rompimento abrupto dessa prática, imposta à força e medo, com o 25 de Abril. Em terceiro lugar o vazio criado por essa ruptura brusca abriu portas à ascensão rápida e pertinaz dos pequenos doutores formados no quadro de valores do salazarismo.
A ditadura do Estado Novo, como todas as ditaduras, criou uma bipolarização entre os a favor e os contra. A favor eram todos os que, mais ou menos, beneficiavam com o estado das coisas e daí serem situacionistas. Do contra eram todos os outros, apelidados de comunistas, mas que englobava gente de todos os matizes ideológicos: comunistas puros e duros, amigos da liberdade pela liberdade, e amigos da oportunidade.
Estes últimos, moldados na instrução escolar vigente para senhores entre serventes, no vazio pós 25 de Abril enfiaram-se rapidamente e em força, pelos centros de controlo mais próximos da tomada do poder. Tomaram posições, reposições e reajustamentos de acordo e à medida que o poder se ia estabilizando. Batida a vaga comunista pura e dura pelos amigos da liberdade como bem maior, introduziram-se pelos lugares secundários de 2ª, 3ª, 4ª e 5ª ordem do poder democrático instituído. Entre estes lugares conta-se o poder autárquico, o qual é disputadíssimo pelo crescente aumento de verbas, lugares e acessos de que dispõe e distribui. Alguns anos passados e já os tais ocupavam de alto a baixo, maioritariamente, quase todos os escalões do poder e usaram-no, mais ou menos, dentro do formato mental transmitido pela mesquinha e atrasada ordem salazarenta.
A instrução escolar elitista ideologicamente dirigida ao senhor doutor para mandar e ao povo rude da 3ª classe para ser obediente, amassou o barro humano que iria ser trabalhado e moldado sob as novas bandeiras da liberdade. Mas o barro humano fora amassado pelos métodos antigos e os meios, processos de trabalho, hábitos e costumes dos agora doutores ceramistas livres, eram forçosamente os mesmos de antigamente dado, à altura, não conhecerem outros. Contudo, sentindo-se liberto de entraves políticos e morais repressivamente impostos, o ceramista tosco, julgou-se um verdadeiro artista e autoridade na arte de moldar a cidadania do povo.
Neste cadinho, o barro pobre mal amassado, o ceramista tosco feito autoridade, a retórica progressista, a liberdade acrítica, tudo caldeado com pósinhos oportunistas, gerou-se a massa critica mãe da cultura patega. A tal que deixou invadir os centros históricos de vilas e cidades por altas e grossas pateguices arquitectónicas, que tapou os buracos disponíveis das cidades e vilas com pateguices arquitectónicas de pedreiro, que rodeou vilas e cidades com pateguices de caixotes repetidos e repetidos para dormitórios sem vida como arrumos de gente respeitadora, que leva as pateguices de cidade para cima duma língua instável de dunas de areia para se apropriar do mar, que enxota os moradores dos centros históricos ao transformar ruas em passeios que depois não têm passeantes, que fazem e refazem sem cessar pavimentos de ruas, passeios, largos, jardins, fontes, estacionamentos, que se relaciona preferencialmente com construtores civis e tertúlias de futebol.
A mentalidade que promove pateguices em série só pode ser filha duma estruturação cultural patega. Claro, a mentalidade patega nunca se vê ou reconhece como tal e serve-se da esperteza, poder e mando para obter algum reconhecimento entre pares. Mas o pior da mentalidade patega é ver-se e pensar-se como autoridade ideológica, moral, estética, dos costumes, etc., e tomar, quem não se enquadra nos seus padrões, como pategos. Para a mentalidade patega, habituada à linguagem corrupta dos negócios, as pessoas honestas simples do campo, sem instrução nem exigências finas, directos sem subentendidas subtilezas linguísticas são, sob o seu posicionamento invertido dos valores, tomadas como gente inferior com cidadania de 5º ordem. Pelo processo mental do patego cultural a rudeza e apresentação fora dos modos citadinos, é sinal de menoridade intelectual e inferioridade social, e como tal merecedor de pouca atenção.
O pateguismo transforma os sinais exteriores de apresentação e representação, próprios de sua etnografia camponesa, num preconceito carregado de juízos de valor diminutivos. Assim, bem esperaram e podem esperar as gentes do campo para obter condições de vida civilizacional actuais. Foram precisos cinquenta anos para que a electricidade chegasse de Faro aos Gorjões a 13 Kms. Outro tanto para alcatroar a estrada e fazer recolha de lixo. Quase outro tanto para haver o primeiro telefone. A água e os esgotos são uma promessa constantemente adiada. O estado da EM nº 520 de acesso à freguesia está hoje pior que muitos caminhos rurais. Em tempo de seca prolongada jamais alguém se lembrou de levar água às populações rurais aflitas.
A cultura pateguista consiste em considerar que o campo não precisa das necessidades citadinas e sobrevive feliz no seu atávico atraso civilizacional. A prática pateguista consiste em actuar de forma a que a cidade viva actualizada e que o campo aguente ou vá parar aos dormitórios da cidade.
Resta a esperança nas novas gerações culturalmente formadas fora do passadismo salazarista e do confusionismo de Abril. Mas cuidado que os pósinhos oportunistas podem tornar-se dominantes no cadinho.

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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

MARAFAÇÕES X

ABORTO III

D. Maria, crente filha de pescadores duma vila do norte do país, com dois filhos nascidos em Lisboa e uma irmâ igualmente crente com onze filhos nascidos e criados nessa vila, dizia para a nora, minha familiar, há dias:
-Se eu fosse como a minha irmã e não fizesse abortos tinha tantos filhos quanto ela-.
A nora retorquiu:-então vai votar sim ao aborto no referendo-.
D. Maria respondeu:-vou votar não porque ainda tenho que prestar contas a Deus-.

Razões da fé prática.

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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

GORJEIOS III

PENSAMENTOS ILETRADOS

Da minha prima Cecília:
-Os gordos são os que andam com as refeições adiantadas e os magros os que andam com as refeições atrasadas-.


de Joaquim de Jesus Clara(Dólas):
-Ir ao cinema é o mesmo que ir ver bonecos mortos-.

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