terça-feira, abril 29, 2008

MARAFAÇÕES LII

O ANÚNCIO OBSCENO

Uma impressão de arrepio me assaltava ao ver o anúncio do génio do futebolismo Cristiano Ronaldo a fazer propaganda do Banco Bes. Busquei perceber o porquê olhando com mais atenção e pesquizando a mensagem que me impressionava negativamente. Não a mensagem directa da conta bancária crescente para o povo académico do futebolismo, mas aquela que subjazeria nessa e me arrepiava. E notei que a imagem de anjo branco aparece sem pernas e de cabeça no ar, o que impressiona logo e de sobremaneira, dado que o génio daquela figura reside sobretudo nas suas pernas e pés e não na cabeça. Vendo as imagens e ouvindo o diálogo travado sob a perspectiva do arrepio que sentia, comecei a ver naquela figura de anjo sem asas nem pernas, uma forma de sereia de encantar pelo fascínio o desvairado do futebolismo cantando-lhe três obscenidades:

Obscenidade I.
O génio cuja conta é crescente porque cresce anualmente milhões de euros por dar bons pontapés numa bola, mais as ajudas dos anúncios como este, uma obscenidade tsunamica de elevada escala, face à normalidade dum génio intelectualmente falando, de um professor ou um trabalhador qualificado de cabeça e mãos, aparece impante do alto e responde olimpicamente para o desgraçado que o interpela. Ao cara de aparvalhado do futebolismo, o Snr. milhões da bola manda-o, soberba e obscenamente abrir uma conta crescente no banco. O desgraçado abre uma conta crescente como, se ele nem sequer tem dinheiro para comprar o bilhete da bola?
Obscenidade II.
O desgraçado doidinho da bola implora ao génio de milhões o tal bilhete que é tudo na sua vida. E o que faz o Snr. génio de pés com milhões no Banco? Que abra a conta e com isso habilita-se a ganhar o tal almejado bilhete. Ajuda só da conta crescente do Banco, e o desgraçado que procurara o que considera o maior "Conta Crescente" que conhece, vê-se sem alternativa e volta-se para a terceira obscenidade.
Obscenidade III.
Sem qualquer espécie de solidariedade futebolística, o pedinte endoidecido por 80% de informação diária de futebolismo, resolve pedir um autógrafo ao génio do pontapé na bola. Então a figura de sereia condescende, deixa o alto para baixar a cara junto a uma bola onde decidido, à escriturário, rabisca o seu nome. E desta forma deixar feliz o papalvo e fica ele próprio feliz: como, ao fim e ao cabo, ambos estão idiotizados pelo futebolismo, também ambos julgam que aquela assinatura vale uma fortuna. O verdadeiro rico, enriqueceu o pobre desgraçado por meio de uma obscena ilusão.

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sexta-feira, abril 25, 2008

25 ABRIL 2008


A CONDIÇÃO DE ABRIL

Quando um só único ser foi dono do complexo
mundo era sua toda a mundana liberdade.
Quando a mulher foi criada da costela-sexo
a cada um deles coube do todo livre a metade.
Os dois expulsos à força sem piedade
do paraíso, onde tudo abunda e o que se come
renasce logo, tiveram muita liberdade e fome
também, lutaram duro para colher o fruto
da terra mãe, seu pão nosso diário e conduto.
Viver, entre liberdade e necessidade se consome.

Multiplicaram-se homens e mulheres sem
parar, juntaram-se em modelos de sociedade
partilhando bens e deveres, o mal e o bem,
alegrias e choros, condições de liberdade
individual e grupo, costumes e identidade.
Organizaram-se em reinos e democracias
para defesa de bens adquiridos e bravias
lutas travaram pela liberdade feita cativa
por tiranos. Ao homenm nú quem dá e priva
de liberdade são a carne fraca e tripas vazias.

Abril foi belo, foi alegria, foi festa rija, foi flôr
viçosa mal tratada, a sua natureza e sina
estava escrita no alto pelo Tempo, dono e senhor
guarda mudo do porvir, velha ave de rapina
que vigia, guia, transporta, indica e escrutina
a vontade humana, aquele que tudo engole
sobre a terra, reinos revoluções déspotas, um rol
de sonhos Abrilhantados. A condição de Abril
sujeita ao tempo humano, é a expiação senil
do passado sob o futuro, o eterno re-nascer do sol.

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quinta-feira, abril 24, 2008

CARTA A UM AMIGO CRENTE

Exacto, o homem é diferente do resto dos animais pela sua capacidade de pensar, pela sua capacidade de memória, e com estes materiais (imateriais), armazenados e vindos ao intelecto do homem, este racionaliza os sentimentos e os actos de sua existência. Diria mesmo que racionaliza o seu próprio pensamento (A tentativa de provar racionalmente a existência de Deus ao longo do tempo, desde os escolásticos, é bem a prova disso). Penso que é a esta soma de capacidades que chamas o espírito do homem. Aceito esse espírito, contudo sinto que esse espírito está encerrado, encurralado, num corpo de carne e necessidades, que esse espírito não está acima ou fora da existência física humana. Esse espírito não paira fora ou por sobre a condição humana, pelo contrário esta incluido nela. O mal só existe por oposição, confrontação, com o bem e vice-versa, e a nossa capacidade de sentir dor ou alegria está mais ligada ao corpo do que ao espírito: sou incapaz de sentir dor a partir do puro uso do espírito, não sinto dor de per si pela morte do ente querido mas pelo desaparecimento físico desse ente, não sinto dor ou alegria pelo amor de per si mas pelo sentimento de satisfação ou não de um desejo poderoso, carnal, que está implacável e geneticamente na massa humana.

O nosso apego ao material não é mais que o apego do nosso corpo à terra, é a impossibilidade de fugir à imperiosa necessidade da nossa original ligação à terra, pois só dela e nela podemos existir e subsistir. É sobre a terra e sua natureza que tudo se passa e é a partir das relações dela com ela (entre nós próprios), dela connosco e vice-versa que nós produzimos dor, alegria, felicidade, amor, ódio, e todos os sentimentos e emoções, que mesmo quando nos advêem por via do espírito, as sentimos pela afectação do corpo. Devido à nossa ctónica natureza não temos hipótese de fugir ao apego do material tal como devido ao desenvolvimento da capacidade de pensar e racionalizar o material, não podemos fugir à nossa consciência. Daí a longa luta de pensamento, desde que há pensamento racionalizado, emtre materialistas e metafísicos para saber se é a existência que determina a consciência ou a consciência que determina a existência.

Dizes que a vida eterna são as nossa memórias terrenas, mas que depois da morte apenas perduram as espirituais. Explico atrás que penso que todas as quetões espirituais não pairam fora do corpo, pelo contrário penso que estão inalienavelmente a ele ligadas por herança genética, logo com o regresso do corpo à terra desaparecem quer memórias terrenas quer espirituais. As nossas memórias terrenas serão eternas enquanto vivas num corpo vivo, penso. Da tua carta ainda deduzo que crês sinceramente na exiência de Deus mas não na Igreja porque esta é feita de homens. Um pensamento próprio dum crente que vê na idéia moral de Deus a perfeição e na observação da luta diária dos homens pela subsistência, a imperfeição.
Falas das utopias sociais que puxam o homem para as questões materiais e assim nunca será possível haver um mundo justo. Nunca houve nem haverá um mundo justo no sentido religioso para além do mundo igualitário e justo dos mortos. A idéia e busca da perfeição de Deus, essa sim é a grande utopia do homem.

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segunda-feira, abril 21, 2008

O AMANTE JAPONÊS


OBRA AO RITMO DO MOTOR E DO CORPO

A nossa amiga comum Eduarda Chiote já me avisara que iria receber o livro enviado directamente pela amizade do próprio Armando Silva Carvalho a mim e à Délia especialmente. Pois recebi-o sexta dia 18 e estive estes dois dias a ler e reler na tentativa de entender a sua linha mestra de pensamento guia desta obra não menor desde poeta grande.
É evidente que todo este pensamento poético viaja
por dentro deste carro de origem japonêsa, com imensa doçura transformado em companheiro cumplice e amante japonês de aventura de vida. Este amante japonês lógico, mecânico das quatro rodas já usadas, é para o poeta, já não o seu meio de transporte individual e indiferente, mas sim a sua casa que se move, e a sua cama que se despe de lençol em lençol, ele é já tão íntimo do poeta que as suas relações já se assemelham a um casamento obsceno. Esta viatura, que transporta o passado do poeta dos tempos amargos ou felizes do olhar contemplativo e da guerra do amor em tempos de caça por Monsanto e Meco, tranfigura-se na mente em memória viva materializada em escrita como obra ao ritmo do motor e do corpo do próprio poeta. Não é grátis o facto de que neste carro ao lado, no lugar do morto , viaja a pasta do Pessoa-Campos, mas também ao lado, no lugar do amor, viaja a consciência.
O carro, o corpo e a memória destes, formam a trindade que se transforma una neste livro. Cada poema é um cadinho de passado vivido feito da mistura sentimental dos três elementos. Até ao poema a William Blake(o Sade britânico, segundo Camille Paglia), são cantadas mais as alegrias de
ver correr os leões na perseguição de uma copiosa promessa de banquetes. Depois o poeta sente já no corpo a falta de viço e robustez na carne para voltar às alegrias de antes visto que os poemas morrem ou são assassinados no ventre dos poetas. Ainda revisita Monsanto não para subir e caçar mas tão somente para fazer a sua descida e observar a cidade, à noite, em baixo e ao fundo dormindo. O mecanismo dos corpos gerado pela energia da idade vigorosa ou os bruscos relâmpagos de amor que tinham à sua espera a prontidão dos músculos, todo esse movimento que a memória recolheu eleva-se agora à condição de coisa mental, isto é, coisa da memória.
O poeta inclui-se, por fim, já entre
os velhos modelos da carne emocionada, e repudia estar entre os novos e futuros velhos feitos de peças insensíveis transplantadas. Estes são inábeis criaturas que não sabem já morrer, nem são capazes de rir com as palavras geradas entre o peso do sangue e do prazer. Sente que mais ano menos dia terá a meninges gastas e os circuitos fechados mas quer viver essa emoção até ao fim.

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sábado, abril 19, 2008

CURTAS- METRAGENS



MANOEL DE OLIVEIRA

Em boa hora o Cine Clube de Faro exibiu esta noite, no prosseguimento da celebração do centenário do realizador, 4 curtas-metragens que vão do ano 1932 a 2007. As curtas mais recuadas foram filmadas no período de cerca de 30 anos em que MO, por falta de apoios, não pôde filmar longas-metragens pelo que se dedicou a pequenos filmes, tipo documentários, acessíveis às finanças familiares. Estas são da época de Douro Faina Fluvial e remetem para uma visão de choque entre o contraste do novo e moderno e o uso e costume tradicional. É o caso da oposição flagrante entre os dois carros "espadas" último grito, e os dois cavalos na mesma cena junto à bomba de gasolina, e depois o "espada" metendo gasolina onde de seguida aparece a carroça de burro também para meter gasolina. E aqui o humor fino de MO sobressai, pois faz o espada sair da bomba de gasolina rolando lenta e graciosamente e a carroça sai desarvorada aos saltos.
Mas a curta mais longa e mais significativa cinematográficamente é a titulada Famalicão que retrata o que nesta localidade acontece, mais uma vez para mostrar o novo em oposição à velha tradição rural. Aqui MO filma e monta à maneira Eisensteineana influenciado pela escola russa em voga na altura. Os grandes planos dos rostos dos camponeses na feira de gado e o ritmo de montagem na malhada do milho são magníficos exemplos da linguagem cinematogáfica da escola russa. O interessante é que na cena de malhar o milho, o autor começa por uma rotação lenta da câmara, muito à maneira do futuro estilo MO, que vai mostrando o ambiente até focar o milho a secar. A partir daqui a montagem torna a linguagem cinematográfica vigorosa com as imagens dos rostos, corpos, instrumentos e o milho alternando-se frenéticamente.
A curta mais tardia é de 2007 e por conseguinte muito recente. Trata-se de um retrato quase ao estilo video-clip em cenas lentas sobre a bandeira portuguesa, segundo a visão exposta em vários telas por um pintor numa exposição no Museu de Évora. Aqui já é reconhecível fácilmente o seu estilo pensado de nos mostrar e evidenciar a mensagem fílmica.

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sexta-feira, abril 18, 2008

MARAFAÇÕES LI

RADICALISMO AO SABOR
O basismo de LFM travestido de radicalismo político ao sabor dos acontecimentos políticos diários, afinal caiu radicalmente. Pelas afirmações proferidas tudo indica que não se recanditará. A ver vamos se não se trata duma manobra programada para dar a volta por cima. Seria triste, ter de volta, as mesmas e gastas personagens sem qualidade que o rodeiam, a tentar vender-nos uma governação ao estilo pimba.
Espero que o PSD encontre, entre as pessoas competentes e limpas que ainda contém, gente capaz de montar uma oposição séria que obrigue o governo actual a aplicar-se a fundo no seu programa e boa governação, e tornar-se uma alternativa credível para o caso deste governo falhar. Só por si já seria um grande préstimo ao país.

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quinta-feira, abril 17, 2008

MARAFAÇÕES L

CLAUSTROFOBIA
Falavam muito da claustrofobia da liberdade que se ia vislumbrando e sentindo por cá, sem nunca mencionar a liberdade atrofiada, condicionada, visível e impressa no jardim Madeirense sob a marca e estilo de D. Alberto.
Os mesmos bem falantes sobre liberdade claustrofobizada, pretendem agora limitar a liberdade a uma jornalista de fazer um trabalho para a RTP2, com o argumento religioso de um relacionamento carnal impúdico com o malandro do 1º ministro.
E são apenas oposição, veja-se o que tais senhores farão se forem poder um dia. LFM já avisou: à maneira da Madeira.

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quarta-feira, abril 16, 2008

MARAFAÇÕES IL

O SENHOR OBRA

É fastidioso ouvir políticos e opinadores enaltecerem "a obra" do tiraneco da Madeira. Não gostam do estilo do sujeito mas elogiam os feitos grandiosos da sua "autonomia", que em 30 anos (trinta anos) elevou a Madeira aos píncaros. Tais Píndaros pindéricos, que no que toca ao continente não descobrem obra mas tão só desigualdades, pobreza, injustiças e política do betão, na ilha de D.Alberto ficam fascinados encandeados pelo brilho dos hotéis de muitas estrelas, estradas e auto-estradas cruzando-se numa ilhota de meia centena de kms. Ninguém vai ver a ilha toda para saber se lá, além de taparem a ilha com betão, também não andam a tapar as desiguldades, pobrezas e misérias de muitas populações que vivem fora do brilho turístico que ofusca olhos e mentes de tais "píndaros".
Mas o mais aberrante é falar da "obra" como algo de milagre como se durante 30 anos, com poderosos meios financeiros sacados aos continentais, fosse difícil fazer obra para encher o olho dos pacóvios que a pagam. E pagam sob a contínua ameaça chantagista da independência recebendo em troca menosprezo e insultos intoloráveis.

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MARAFAÇÕES XLVIII

O SENADOR

Num artigo de hoje do DN o apelidado de "senador" da pátria, Adriano Moreira, diz resumidamente: «É excelente que os gestores da ONU insistam em celebrar o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direiros Humanos» sobretudo para evidenciar que não traduziram em acções solidárias aquilo que proclamaram então.

Tinha acabado de ver a repetição na RTP2 do episódio sobre a Guerra Colonial do J.Furtado acerca da tentativa de golpe de estado de Botelho Moniz em Abril de 1961. Nem de propósito, lá estava Adriano Moreira nomeado ministro, ao lado do ditador Salazar e do denunciador Kaulza de Arriaga. Espantoso que 60 anos depois AM se preocupe com os resultados da DUDH, quando em 1961 os ignorou completamente, contribuindo e tornando-se co-responsável pela guerra colonial e respectivos mortos e feridos.

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segunda-feira, abril 14, 2008

O MEU LUGAR IXX

EM CANTES OS RECEBIA

Séculos passados, a terra bravia
infértil, moldada doce feminina
procriadora de searas e grão
sustento de vida força e energia
da multidão de pássaros de fina
asa colorida e gracioso bico gorjão
gorjeando ao habitante cantoria
de graças e júbilo desde a matina
e aos forasteiros outra multidão
de pássaros em cantes os recebia
encantando mentes alma e retina.
Antigos sem idade, por tal razão
do cante dos pássaros à alegria
exclamaram; gorjões! Ditosa sina.

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domingo, abril 13, 2008

MANIFESTAÇÕES ESPONTÂNEAS

No DN de hoje, num artigo sobre o "entendimento" entre professores e o ME, lê-se que um professor contestatário do entendimento diz:

«O que se percebe é que agora se chegou a um memorando de entendimento que não contempla nenhuma destas questões, constata Vitorino Guerra que pertence ao movimento que organizou as várias manifestações espontâneas nas vésperas da Marcha da Indignação»

Organizadas por um movimento de autores com nome próprio, mas sempre espontânes. Oh! maravilhosa imprensa sem limites.

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sábado, abril 12, 2008

OS SENHORES McCANN

Estes súbditos de sua Majestade que transformaram o desaparecimento da filha, por sua culpa, num permanente show-business, acusam agora o governo português por fuga de imformação. Foram eles que despreocupada e desleixadamente permitiram o que aconteceu por um lado, por outro eles próprios são suspeitos e por tal são arguidos no caso, contudo já foram recebidos pelo Papa, agora pelo Parlamento Europeu e nos intervalos andam em conferências de imprensa e promoções de angariação de fundos para a sua causa: rapto e caça ao raptor. É tal o frenesim que já várias meninas "raptadas" foram falsamente vistas em diversos locais. No meio de tudo isto que sentimentos e esperanças nos animam ainda quando olhamos a cara linda de rosto sempre triste da menina toda inocente?
Certo é que lançaram uma tal confusão mediática que nos trazem a todos confundidos e sem saber o que pensar deste casal "mona lisa" conferêncista. Dois jornais ingleses já deram o dito por não dito e indemnizaram grossamente a favor da causa. E, aderindo à causa, abriram caminho ao próximo pedido de indemnização: pelo desaparecimento da filha em território português, por os fazerem arguidos, pelo seu bom nome e honra, pelos prejuizos económicos, pelos danos psicológicos, pelos maus tratos da polícia e outros prejuizos que os advogados se encarregarão de inventariar.
Enfim, ou a PJ resolve o imbróglio ou o Banco de Portugal tem de entregar o ouro.

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quinta-feira, abril 10, 2008

AS LEIS DE ANTÍGONA




Aproveitei uma obrigação de passar uns dias em Lisboa para ir ver uma das clássicas e imortais peças da tragédia grega, a Antígona, em última representação na "Barraca". Fui por escolha através dos anúncios dos jornais e não me passou pela cabeça que num domingo de sol às 16,00H fosse preciso marcação antecipada para garantir lugar. Algumas vezes, em situações identicas, tive de assistir a peças com meia dúzia de espectadores. Neste caso, tive de esperar pelas desistências marcadas para obter o tão desejado bilhete de ingresso. Fiquei contente por assistir ao espectáculo com lotação esgotada e pensei se Sófocles alguma vez teria imaginado que 2500 anos depois, a sua peça ainda suscitaria a corrida para o teatro de tanta gente entusiasmada em perceber os valores mais altos que norteiam a personagem Antígona.
A crítica habitual faz de Antígona o símbolo da humana e contraditória luta entre dever e consciência, cedência ou revolta, sujeição à lei escrita e ordem imposta pelos homens ou obediência às leis que nunca foram escritas mas são imutáveis. Em suma, a luta entre o respeito pela lei imposta, escrita, temporal, ou pela lei natural, eterna. Mais modernamente, a luta insanável entre a lei, a ética e estética da ordem apolínea contra as leis mais altas (divinas) do sangue, da raça, do amor (Afrodite), imanentes à natureza ctónica do Homen e que são da ordem (desordem) dionisíaca.
Sófocles, perante a força de lei tirana do rei ou a lei da força da Natureza, coloca a maior e mais maravilhosa criação que conhece: -Muitas são as maravilhas do mundo, mas o Homem supera-as a todas. Ele conhece a palavra , o pensamento alado, os costumes urbanos, e sabe defender-se dos inóspitos frios, sob o sereno céu, e das fustigantes chuvas. Sagaz e sem medo enfrenta o futuro. Só não pode encontrar salvação contra a morte, embora saiba curar males sem remédio. Embora invente sábios e úteis expedientes para além de toda a esperança, caminha necessáriamente para o mal ou para o bem -. Sofocles, à boa maneira clássica grega é imparcial, não toma partido, deixa isso aos desígnios e julgamento dos imortais, deixa os protagonistas levar a sua obstinação até ao fim, só o desenrolar dos acontecimentos trágicos vão indicar-nos qual a lei mais forte. Mesmo face à trágica profecia de Tirésias, Cleonte já perturbado ainda diz: - ceder não é menos terrível que resistir -.
Vivendo Sófocles em pleno apogeu da democracia Ateniense, o seu pensamento não podia estar desligado do mundo que o rodeava. Ele foi, dos três grandes trágicos, o mais didáctico a enaltecer e transmitir os valores superiores dessa democracia face ao poder absoluto de reis e tiranos. Também esta peça começa por um Cleonte, impante da victória, a emitir e impôr de moto-próprio um édito ao povo, que continha um juizo pessoal de vingança. Antígona rebela-se contra tal édito e sabe que o povo apoia a sua conducta mas cala-se por medo, e diz: -A tirania é feliz por muitas razões e, entre elas, porque pode fazer e dizer o que mais lhe agrada -. Na fala com Hémon, seu filho, noivo e defensor de Antígona (também por razão de leis mais altas e não-escritas, leis de Afrodite), quando este diz ao pai, Cleonte, que o povo não tem a sua opinião, este responde irado: - Mas terei eu de receber ordens do povo? Será que terei de governar como apraz aos outros?-. Hémon responde: -Não existe cidade onde um homem governe sózinho-. E Creonte responde automáticamente: - Existe, sim: a nossa cidade -.
Estes diálogos que pôem em causa o poder absoluto do rei que se torna tirânico só se pode entender como contraponto à democracia ateniense onde os cidadãos participavam viva e activamente em toda a vida da polis. Posteriormente, em "Édipo em Colono", Sófocles fará com uma beleza poética admirável a defesa da superioridade democrática de Atenas sobre o reino de Tebas perante o mesmo Cleonte. Mas Sófocles, através da fala do coro, já avisara Cleonte que o seu absolutismo sobre a cidade estava sob a alçada do juizo que os criadores das leis nunca escritas nem promulgadas, mas acima das dos homens, fizessem do seu comportamento para impôr os seus desígnios irreversíveis: - Desde as mais remotas eras, uma lei eterna vigora: a cada excesso do Homem, logo sucede rapidamente a desventura-.

Quanto à encenação e trabalho dos actores achei tudo muito pequeno e fraco tendo em conta a grandeza e força trágica da peça. A rede de arame farpado que separava o público do palco parecia indicar este como um lugar inacessível aos mortais, e que do outro lado, no palco da acção, movimentavam-se, interpelavam-se e questionavam-se os deuses e não apenas homens, por mais ilustres que esses homens fossem. Ora Sófocles é bem claro que, inacessíveis aos homens são os desígnios dos deuses o resto é tudo uma luta entre mortais de viagem para o Hades.
Gostei da abertura da peça com uma encenação de um pré-prólogo mostrando a cidade, na vista das suas sete portas, sobrevoadas por nuvens negras e ventos uivantes anunciando presságios de grande tragédia. Gostei igualmente do fecho da peça com os dançarinos negros cabriolando entre os cadáveres trágicos indiciando a dança das menades celebrando um rito final dionisíaco.

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sexta-feira, abril 04, 2008

A PRIMAVERA CONTINUA






No campo, nos Gorjões e mais concretamente no meu quintal a Primavera continua expondo a sua exuberância de côres, cheiros e beleza para o olhar. Indiferentes e imparciais face às querelas dos humanos às planta basta-lhes estar na terra para realizarem as metamorfoses cíclicas anuais incritas na sua Natureza. Sem reclamações, protestos, queixumes ou invejas, elas repetem e oferecem-nos todos os anos impassívelmente, a decomposição e reprodução contínua, numa mensagem da Natureza anunciando a beleza imparável da vida.
Agora abriram as primeiras rosas e muitos outros botões anunciam muitas mais rosas. Também o pessegueiro floriu com promessa de belos frutos. Pintassilgos fazem ninho numa amendoeira, os melros numa ameixeira e as andorinhas já refizeram os ninhos do ano passado, enquanto andam amorosamente encasalados preparando-se para festivas bodas, ovos e filhotes. E a Primavera Continua.

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quinta-feira, abril 03, 2008

BELMIRICES

BELMIRICE I
Belmiro de Azevedo, do alto dos seus pensamentos "Modelo" ditou para o moço de recados "Público" que: «Uma baixa de impostos deve ser programada e não se faz assim de repente».
Uma mente luxuriante a deste homem. Após três anos do aumento do IVA e os mesmos a baixar o défice para poder baixar o IVA, D. Belmiro acha ainda que não foi programado e foi de repente.
D. Belmiro, empresário "Modelo" nunca sobe ou baixa preços de repente, faz tudo programado e com aviso de recepção. D. Belmiro é muito rico, logo sabe muito.


BELMIRICE II
Na mesma ocasião Belmiro disse: «Quando sou discriminado pelo governo faço senti-lo ao governo»
Quem ainda não se apercebeu da força deste sentimento belmiriano pode ir consultar todos os "Públicos" editados desde que foi conhecido o resultado da opa sobbre a pt.
Quando se fala não programadamente e de repente a boca tende sempre para a verdade.

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terça-feira, abril 01, 2008

NOTÍCIAS DOS GORJÕES III




LEONADRO

O Leonardo foi a figura que mais pisou o chão e as calçadas do "Alto" nos Gorjões. Mesmo quando não se passava nada nem havia ninguém no lugar, ele lá estava dando vida ao instante. Com a música do seu magnífico assobio de imitar pássaros, sentando-se nas sombras calcetadas das casas conforme o correr do sol, ele sozinho dava o colorido ao "Alto" até aparecer alguém para uma cavaqueira de matar o tempo. Era tão habitual a sua presença que, nas raras vezes que faltava ou se atrazava, era motivo de preocupação dos habitantes e pessoal das "vendas" locais.
Uma vez, num desses raros atrazos, eu perguntei-lhe:

A: -Então Leonardo só agora?
L: -Fui ganhar o dia, tu não comes todos os dias, eu também e ninguém mo dá.
A: -Foste para a pedreira fazer calçada?
L: -Fui ainda de noite armar as ratoeiras, ao nascer do sol apanhei uma barrigada de figos "arréguados" da brandura da noite, e depois fui p'rá pedreira até o sol deixar.
A: -O sol não te deixa ficar na pedreira?
L: -Vai p'ra lá tu e logo vêz, nem 15 minutos aguentas no buraco da pedreira com o sol a dar-lhe em cheio. Não trabalho p'ra me matar a "arranjar", trabalho para comer e manter-me vivo. E tenho de ir dar "revista" às ratoeiras.
A: -Depois da "revista" voltas à pedreira?
L: -Não me vêz aqui, venho comprar o peixe, depois vou p'ra casa arranjá-lo e ainda dou a "2ª revista" às ratoeiras e só depois é que vou p'ra casa assar o peixe, comer e arranjar os passarinhos.
A: -Depois vens até ao "Alto" descansar e fazer tempo até fazer sombra na pedreira?
L: -A partir do meio da tarde vou fazer umas pedras de calçada até ao sol posto, já bate sombra e e já se aguenta o calor.
A: -E onde é a pedreira?
L: -É onde calha, agora é logo ali no cerro do Xico-à-Menina, pedi ao dono do mato para tirar a pedra e ele disse que sim. Já lá tenho um buraco enorme e uma pilha de pedra arrrancada. Já foi na Cruz de Pau, no Corgo, no Mato da Mina, é onde me deixam.
A: -Fazes tudo sozinho? Como é que arrancas a pedra?
L: -Com o picareto, a pá, a alavanca e os guilhos. E os braços e as mãos, olha as minhas mãos, tem gretas pretas que parecem regos de arado. E a marreta e o martelo para partir a pedra e "quadrala" para calçada.
A: -Isso dá p'ra sopa , nunca consegues "ajuntar" um pé de meia p'ra velhice.
L: -Se não tiver nada, quando a velhice chegar morro mais depressa, se já não me governo sozinho também já não estou cá a fazer nada, não faço falta a ninguém.
A: -Os moços do teu tempo emigraram e compraram automóvel, fizeram casas novas, compraram terras e andares, estão bem e tu é sempre o mesmo pobre arrastar de vida. Não tens inveja?
L: - Olha p'ra eles, é dores na coluna, nas pernas, hérnias, ciáticas, sofrem de mil males. Andaram a passar mal e a matar-se na ganância para "ajuntar", agora gastam o que ganharam no médico e não se livram dos males. E o que sobra, logo vejo se levam p'ró céu. A mim podem dar-me uma herdade no Alentejo que eu não quero.
A: -Como?, se te dessem uma herdade grande e rica não querias?
L: -Nem pensar. Tinha de contratar homens, tratar de papéis, pagar décima, impostos, ao pessoal, não fazia mais nada senão pensar na herdade, trabalhar e morrer à custa da herdade e depois a herdade ficava p'ra quém? Não, não tenho vida p'ra isso.

Realmente não tinha vida para além daquela de que gostava e sempre levou sem invejar nada nem ninguém. Nunca foi senhor nem escravo de ninguém, nem de bens materiais ou inveja deles. Teve como único bem pessoal o seu próprio corpo e viveu para vesti-lo, alimentá-lo e tratá-lo apenas o necessário à sua manutenção. Tinha um sentido primitivo e pródigo da vida, era como uma árvore que lhe basta a terra para dar flôr e frutos aos outros.
E foi assim até ao fim, adoeceu gravemente e recusou ir ao médico. Morreu depressa como queria. Hoje, dia primeiro de Abril mas é verdade, eu vi, foi a enterrar. Hoje o buraco da pedreira abateu-se e soterrou-o na nossa memória.

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